Quem
vai enterrar o Madeira?
Professor
Nazareno*
O
rio Madeira está morto! A média do nível de suas águas está
hoje bem abaixo dos 40 centímetros. As chuvas que lhe alimentam não chegaram e
há previsões que ainda demorarão mais de um mês. Estamos no meio de setembro de
2024 e no outrora gigante caudaloso já é possível, em alguns trechos,
atravessá-lo a pé. O velho Madeira agonizou por anos a fio e finalmente, já sem
forças, sucumbiu à ambição do homem, o maior predador da natureza. O maior rio
de Rondônia, o quarto maior rio dos brasileiros e o décimo sétimo maior do
mundo começou a perder suas forças com a pesca predatória. Depois vieram os
madeireiros. Árvores centenárias de suas margens foram arrancadas sistematicamente
permitindo o seu assoreamento mais rápido. Depois veio o garimpo assassino
envenenando as suas águas e por fim as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau.
Até
a neve da cordilheira dos Andes, que muitas vezes lhe alimentava com empenho, não
existe mais. O Madeira definhou e hoje se parece com aqueles rios temporários
do Nordeste. Água em seu leito está difícil e só se encontra se cavar muito.
Tomara que o “pai” e a “mãe” dos rondonienses consiga sair
dessa. Mas a situação parece que está irreversível. Assim como também parece
estar irreversível toda a Amazônia. Ano após ano, as criminosas queimadas deram
o tiro de misericórdia em toda a região. O ar poluído parece ser agora o novo
normal. Agonizante e em coma profundo, o antigo “rio das Madeiras” só
tem areia em seu antigo e profundo canal. Uma morte que certamente abalará
muitas pessoas. Só que não tem, aparentemente, nenhum culpado. Mas a situação,
que já está crítica, pode piorar ainda mais. Existem a BR-319 e a infeliz volta
do garimpo.
A
BR-319 certamente atrairá levas e mais levas de garimpeiros, de madeireiros,
posseiros, grileiros, produtores de soja e até mais incendiários. E ninguém
terá coragem de barrar esse “progresso” que tanto se anuncia como mais
outra panaceia milagreira que fará jorrar mel e leite das ruas. No trecho entre
Manaus e Porto Velho, por exemplo, a floresta amazônica durará muito pouco
tempo. Será derrubada e em poucos anos incendiada implacavelmente, assim como
já fizeram ao longo da BR-364 para criar o Estado de Rondônia. Sem a cobertura
vegetal, os caudalosos rios secarão rapidamente e darão lugar a enormes
desertos, como está hoje o leito seco do rio Madeira. Além do mais, o garimpo,
que a Polícia Federal não consegue vencer, vai assorear ainda mais o seu leito
moribundo além de envenenar suas águas com mercúrio. O caos se anuncia em
Rondônia.
Com
o rio Madeira seco, os poços de água que abastecem a maioria dos
porto-velhenses, também já estão secando. Cavados ao lado de fossas imundas, já
que a cidade de Porto Velho não dispõe de abastecimento regular de água nem de
esgotos, esses poços são o termômetro do horror que se anuncia na “Capital
da Seboseira”. Parece que, embora já agonizante e totalmente sem vida,
o rio Madeira, ou mesmo o seu espírito, ri da nossa desgraça. “Eu lhes dei a
vida e como pagamento vocês me deram a morte!”, poderia pensar o finado rio
sobre os seus ingratos filhos rondonienses. Eles venderam o Madeira por duas
hidrelétricas, que sequer baixaram o preço da energia aqui consumida. Com a
morte desse grande rio e as queimadas na floresta amazônica, os rondonienses
contribuem dessa forma para muitos desastres ambientais no Brasil afora como o
que aconteceu em maio último no Rio Grande do Sul. Pior, mataram o rio Madeira
e não querem enterrá-lo.
*Foi Professor em Porto
Velho.
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