“Censura:
Ovo de Serpente em Ninho de Aves”
Estou com medo: o espectro da censura volta a
rondar perigosamente o país. Mesmo não sendo algo oficial e que por isso não
goza de nenhum respaldo moral uma vez que a própria Constituição Brasileira, no
seu artigo quinto, não permite, há várias escaramuças nesse sentido vindo
exatamente das entranhas do próprio Governo do PT e de parte de uma opinião
pública alienada e manipulada por interesses escusos. Como se não bastasse a
absurda tentativa de se criar uma espécie de Conselho Regulatório da Imprensa,
idéia acalentada pelo ex-presidente Lula, eis que agora surge com mais força
ainda o desejo de calar à força as poucas vozes destoantes numa democracia que
foi conquistada no Brasil “há pouco tempo e a muito custo”. A volta da
censura só interessa a dois tipos de pessoas: logicamente para aqueles que se
beneficiam dela e os ingênuos, a grande maioria dos brasileiros, que ainda
acreditam que o Estado só a usaria para alguns poucos fins. Vários casos, no
entanto, foram verificados no país inteiro nas duas últimas semanas e que
justificam o presente temor.
A Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres,
órgão do Governo Federal, enviou há poucos dias uma carta de apoio ao Sindicato
dos Metroviários de São Paulo, que pediu que a TV Globo tirasse do ar o quadro
“Metrô Zorra Brasil”. A mesma Secretaria, da Ministra Iriny Lopes,
anteriormente pedira a suspensão de um comercial em que Gisele Bundchen aparece
de lingerie. O sinistro documento “parabeniza a iniciativa e endossa a
necessidade de ações como estas que visam desconstruir discursos de uma cultura
que, até camuflada no humor, perpetua a violência simbólica contra as mulheres”.
Por sua vez, os metroviários paulistas acusam o programa humorístico de
incentivar o assédio sexual nos vagões de trens paulistanos e por isso o país
inteiro ficaria proibido de ver o quadro de humor exibido pela emissora. O que
chama a atenção em ambos os casos é que é uma ínfima parcela da população que
quer decidir o que a maioria deve ou não assistir na televisão. Censura pura e
simples sem maiores delongas. Será que eles sabem para que foram inventados os
controles remotos?
Ainda
no Século Dezoito, Voltaire, famoso iluminista francês, deu uma lição sobre
Liberdade de Expressão que, parece, não foi aprendida por muitos brasileiros deste
século. Ainda vivemos num tempo bem anterior ao Iluminismo. O episódio Rafinha
Bastos demonstra muito bem a questão. Nunca assisti ao programa CQC, nem iria a
nenhum show protagonizado pelos seus apresentadores, mas jamais, por questões
éticas, censuraria o programa. Num dos textos mais lúcidos sobre o assunto, o
jornalista rondoniense Sérgio Pires comentou: “A censura ao humorista colocou,
no seio da coletividade brasileira, o ovo da serpente. A semente da censura.
Porque quando ela emana das ditaduras, até se compreende. Os ditadores a usam
como primeira arma para calar os seus opositores. Mas quando ela nasce entre as
pessoas comuns, aí sim, o risco é enorme. Porque a pressão para calar na marra
um humorista, por pior que seja sua piada, é um caminho tortuoso para se pensar
em censurar tudo: o filme que pareceu agressivo; a novela com cenas picantes; o
político que faz oposição; o texto que critica desmandos de autoridades.
Começa-se aceitando, como sociedade, que um dos seus membros seja censurado,
seja calado. Depois, não há mais como conter as conseqüências desse ato”.
Porém, muitos rondonienses e brasileiros torcem para
que ela volte. Até jornalistas parecem gostar dela: oito imbecis metidos a
jornalistas, contados a dedo, já propuseram censura a meus textos bobos. Eu os
chamo simplesmente de “jornalistas capitão-do-mato”, aqueles
negros que eram pagos para assassinar outros negros no tempo da escravidão. Não
se pode usar o argumento tolo de que “nasci nesta terra e ninguém pode falar
mal dela” para se defender a excrescência, a imoralidade, o cerceamento ao
direito de se falar. Se minhas palavras atingirem a honra de alguém, que se
busquem na Justiça, como manda a lei, os reparos, mas garanta a qualquer um o
direito de se expressar. Jornalista que
defende a censura não é jornalista, é picareta que nunca estudou jornalismo
numa faculdade de renome. A censura no Brasil nunca acabou, esta é a grande
verdade. Por que em alguns sites eletrônicos de Porto Velho, por exemplo, não
se vêem notícias contra a administração de Roberto Sobrinho à frente da
Prefeitura? Lisura, mau jornalismo ou simples "cala-boca" mesmo? Por que a bancada de evangélicos no Congresso
Nacional foi contra a distribuição do Kit anti-homofobia e censurou a sua
distribuição nas escolas públicas do país? Por que muitos comentaristas se insurgem contra as
piadas sem graça do Rafinha Bastos e lhe propõem apenas o silenciamento? Por
que alguns religiosos ainda hoje defendem o índex?
É como diz Sérgio Pires no seu texto: “... as
piadas do Rafinha Bastos são horríveis, mas pior do que elas é a tentativa de
censurá-lo...” . Para muita gente, a Ditadura Militar foi uma dádiva dos
céus e que devia retornar à sociedade brasileira. Por isso não é de se
estranhar quando senadores da República, desconhecendo que o Brasil é
signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos ainda defendem
publicamente chicotadas e todo tipo de maus-tratos para presos comuns e recebem
aplausos ao proporem este e outros retrocessos medievais. Engraçado nisso tudo
é que a grande maioria dos brasileiros acha o Estado incompetente, mas defende
a pena de morte, a censura e o controle estatal sobre as pessoas como se
verifica nas sociedades mais atrasadas e anacrônicas do mundo. “Ninguém
precisa nos dizer o que devemos ou não assistir ou ouvir”. Tenho medo da
censura porque com ela serei obrigado a achar as Três Caixas d’Água, o
horroroso símbolo de Porto Velho, bonitas. À força, terei que admitir que Porto
Velho é uma cidade limpa, organizada e cheirosa e que o Carnaval é uma invenção
divina e todos ganham com ele. Para não morrer sob torturas direi também que
todo político é honesto, não rouba e que trabalha sempre em benefício do povo. Na marra, vou deixar de produzir meus textos por causa de meia dúzia de otários que dizem não gostar deles, mas sempre os lêem. Tenham santa paciência.
*É Professor em Porto Velho.