quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Natal sem progresso em Porto Velho



Natal sem progresso em Porto Velho

Professor Nazareno*

    Infelizmente quem aqui nasceu ou por qualquer outra razão veio para fincar raízes e espera algum dia ver esta capital como um lugar cheio de progresso, qualidade de vida e desenvolvimento humano é bom ir logo “tirando o cavalinho da chuva”, pois Porto Velho não combina com futuro promissor nem com prosperidade. Com quase um século de existência, parece que é um lugar amaldiçoado. Por aqui nada dá certo nem ninguém se preocupa. Além de suja e imunda, a capital dos rondonienses foi criada para ser a vergonha do Brasil, o lodaçal. Sem água potável e com menos de três por cento de saneamento básico, não se sabe até hoje por que foi escolhida para ser capital de um Estado. Longe de tudo e de todos, poderia ser substituída por Ji-paraná, Cacoal ou a limpa e asseada Vilhena bem no sul do Estado e muito mais próxima da civilização.
            A cidade de Porto Velho não tem planejamento urbano nenhum, é um lugar feio, desajeitado, desarrumado, sem nenhuma arborização e que lembra muito bem uma currutela de garimpo ou mesmo um cemitério abandonado. Muito pior do que uma favela, nesta época do ano em vez de limpeza só tem lama e água empoçada. Não tem edifícios altos, mas tem vários viadutos, todos inacabados, enfeando ainda mais o assombroso ambiente urbano. Tem uma ponte de quase um quilômetro de extensão também inacabada, conta com poucas ruas asfaltadas e por incrível que pareça tem emissoras de rádio, de televisão e até internet para os habitantes saberem que existem cidades civilizadas e desenvolvidas no Brasil e no mundo. Maior do que muitos países e com uma minúscula população, ainda assim não sobrevive de forma independente.
            Em Porto Velho parece até que não existe Poder Público que se preocupe com a sofrida população da cidade. E todo ano é o mesmo lenga-lenga: não há decoração de ruas, praças e avenidas durante o Natal, não há embelezamento em nenhuma parte, não há confraternização, enfim, não existe nenhuma preparação para as festas de fim de ano. Incrível, mas a cidade tem Prefeito e Vereadores, que “cuidam” do orçamento municipal. Tolice falar sobre suas absurdas atuações. Mas quem os elegeu fomos nós, os eleitores daqui mesmo. Para o ano de 2014, por exemplo, esse orçamento superará um bilhão de reais. Claro que muito pouco ou nada será usado em benefício da população. E ninguém reclama de algo a não ser um ou outro comentário nas redes sociais. Inédito: ser roubado pelas autoridades daqui é sinônimo de felicidade coletiva.
            O melhor lugar da cidade é o aeroporto. Se a rodoviária fosse mais asseada e higiênica competiria com o modesto campo de pouso da cidade, também chamado pelos ufanistas e bobos de “Aeroporto Internacional”. Nas férias de final de ano quem pode “monta no porco” e viaja. Este ano, 90 mil pessoas, em média, saíram do lixo e da imundície. Eu mesmo estou em Caxias do Sul na paradisíaca Serra Gaúcha. Juro que não vi até o momento um único animal morto pelas ruas ou sujeira esparramada pelo chão. Também não vi nenhum alagamento. A decoração de Natal daqui é encantadora. Caxias tem água encanada e saneamento básico, luxos inexistentes na nossa capital. Até os noticiários da TV em Rondônia são exibidos com horas de atraso em relação ao Brasil. Nem o Natal se comemora direito: 800 mil reais foram gastos com uma decoração feia, brega, ridícula, chinfrim, cafona, matuta, velha e ultrapassada. Presente “ching ling” para nós, tolos. O famoso Natal de “gala”. Ninguém sai às enlameadas, violentas e escuras ruas para comemorar algo. E no Ano Novo se lhe desejarem um feliz 1890 não se assuste. A infraestrutura da cidade, de tão atrasada e rústica, ainda não chegou a essa data. Porto Velho é um belo lugar, mas do século XIX. Ou de bem antes.


 *É Professor em Porto Velho.

sábado, 21 de dezembro de 2013

A violência nossa de cada dia



A violência nossa de cada dia

Professor Nazareno*

            Com pouco mais de duzentos milhões de habitantes, o país da próxima Copa do Mundo de futebol tem uma das sociedades mais violentas do planeta. Pior do que qualquer guerra da humanidade, aqui, em tempos de paz, são mortos anualmente mais de 50 mil cidadãos. São quase 140 homicídios por dia. A carnificina não escolhe lugar nem região: das grandes cidades e metrópoles do centro sul do país até os mais longínquos e remotos recantos de regiões mais atrasadas, conviver com a brutalidade já virou rotina para todos nós. Mais do que em qualquer outro país, no Brasil matam-se mais negros, mais pobres, mais mulheres, mais homossexuais, mais policiais, enfim, não há quem escape do horror. Infelizmente todo dia estamos sujeitos a sair de casa e não mais voltar. Instalou-se no país inteiro uma espécie de “salve-se quem puder”.
            Engana-se, porém, quem ainda acredita que essa onda de violência que varre o país há décadas é fruto apenas de ações individuais. A delicadíssima questão das drogas, as leis muito flexíveis, o Estado corrupto e a inoperância do Poder Público associados à incompetência dos órgãos de segurança estão por trás do horror. Aqui, nunca esteve tão em voga a máxima de Jean-Jacques Rousseau de que “o homem nasce puro, mas a sociedade o corrompe”. O Brasil tem hoje cerca de 540 mil indivíduos encarcerados, mas só há vagas para pouco mais de 350 mil. Abarrotado, o sistema carcerário poderia ser bem pior, pois para cada um que está preso, há pelo menos uns quatro em liberdade praticando crimes diariamente nas ruas. Hipócrita, nosso país não construiu escolas e teve vergonha de construir presídios, contrariando assim o célebre Rui Barbosa.
            Porém, a nossa sociedade, já acostumada com a guerra diária, incentiva mais ainda a barbárie. “Bandido bom é bandido morto”, ouve-se com frequência este absurdo. Bandido bom é bandido preso, julgado e condenado pelo Poder Público, sem direitos a regalias nem indultos. Isso sim seria civilidade. Violência só gera mais violência. É preciso ter inteligência para perceber que só com educação de qualidade e com justiça social poderemos enfrentar o caos. Aplaudir a morte de bandidos sem propor algo concreto para enfrentar a crise só nos torna tão criminosos quanto eles. Os incontáveis indultos a que eles têm direito preenchem uma lógica macabra: precisa-se abrir mais vagas no já sobrecarregado sistema prisional para que outros condenados cumpram também suas penas. Sem vagas há muito tempo, o sistema está em colapso.
            Além do mais, grande parte da sociedade brasileira age na contramão da História e é contra a política de direitos humanos, aceita no mundo civilizado. Triste, vejo jornalistas, professores e até advogados se insurgirem contra os defensores dessa diretriz. Sem ela, a carnificina só aumentaria e colocava o Estado brasileiro mais uma vez como vilão. Segundo o IBGE, mais de 90 por cento dos nossos presos ou são analfabetos ou têm menos de quatro anos de estudo enquanto um por cento apenas tem ensino superior. No Brasil, o crime só é organizado porque o Estado é desorganizado e frouxo. Nossas leis são elitistas e geralmente só punem “os pequenos”. Precisamos melhorar nossas escolas e investir no futuro dos nossos cidadãos, mas é muito difícil fazer isto, pois a sociedade não cobra, não quer. Na próxima Copa, o nosso Holocausto vai assombrar o mundo já que este problema não pode ser remediado: ou se investe em educação de qualidade ou nada funcionará. E isto leva tempo. Muito tempo.



*É Professor em Porto Velho.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Futebol, o ópio dos idiotas



Futebol, o ópio dos idiotas

Professor Nazareno*

        Assim como para Karl Marx, Deus é o ópio do povo, também para muitas pessoas esclarecidas, o futebol é o ópio do brasileiro otário e trouxa. Esporte das multidões, eterna mania nacional e uma das paixões do Brasil, “jogar bola” assumiu definitivamente um lugar de grande destaque entre todos nós. Cinco vezes campeão mundial, não se vislumbra o país sem este esporte. Por movimentar milhões e até bilhões de reais, não demorou muito para que os interesses escusos e as maracutaias passassem a fazer parte dos times em todas as esferas e campeonatos disputados mundo afora. Se na política brasileira, a corrupção, a roubalheira, a cara de pau e os desmandos tomaram conta de tudo e de todos, por que seria diferente com esse esporte? Porém, para muitos incautos, tudo isso é mentira e o que vale é o amor ao seu time do coração.
       A recente decisão do STJD, Superior Tribunal de Justiça Desportiva, em livrar cinicamente pela segunda vez o Fluminense do Rio de Janeiro da Série B do Campeonato Brasileiro e com isso punir e rebaixar a Portuguesa de Desportos de São Paulo, time de menor expressão e torcida, é uma mostra clara de como a corrupção e a falta de seriedade contaminaram há muito tempo esse esporte. Claro que para muita gente, futebol é esporte e esporte é saúde. Mas no Brasil, futebol virou uma força de alienação muito grande das massas ignaras. Torcer por qualquer time seria a coisa mais normal do mundo em um país civilizado. Só que por aqui, incentivado por pessoas interesseiras e ambiciosas, virou paixão desmesurada, doença, fanatismo, arrebatamento e está acima dos valores da religião, da família, da educação, do lazer e do bom senso.
     Conheço muitas pessoas que torcem apaixonadamente por um time que dizem ser do coração deles. Perdem trabalho, fazem apostas, promovem brigas, desfazem amizades, até esquecem a família pelo “Framengo, Curintia, Vasco, Palmeira ou outra porcaria qualquer”. É de fazer dó e piedade ver isto, pois com o conhecimento que dizem ter, poderiam facilmente perceber que estão sendo usados por interesses escusos. Cegos de paixão, muitos agem como os corintianos presos na Bolívia por terem matado gratuitamente um torcedor local com um rojão ou os vândalos que se engalfinharam numa briga sem precedentes no jogo entre Atlético de Curitiba e Vasco da Gama pelo último campeonato brasileiro. Movidos pelo fanatismo, não perceberam que o futebol só atrapalhou ao esfriar as manifestações populares no Brasil de junho de 2013.
         Esse mesmo fanatismo oco, senso comum e estúpido dos brasileiros babacas e “morde-fronha” não permite perceber que vamos gastar 30 bilhões de dólares (mais do que a soma das três últimas Copas) para promover um evento que nada trará de benefícios para nós, mortais comuns, atolados em falta de infraestrutura, sem hospitais, sem transportes públicos, sem escolas, sem saneamento básico, sem nada.  Além dos jogadores, já ricos e famosos, só quem ganha são os que já têm muito dinheiro. Com toda esta fortuna, muitas coisas poderiam ser feitas neste rico país de pessoas pobres, bobas e miseráveis. O Brasil e os brasileiros não precisam de estádios nem de futebol. Precisamos de dignidade, de mais conhecimentos, de centros de pesquisas, de bons hospitais, de boas escolas e universidades. Mas como “é muito difícil libertar os tolos das correntes que eles veneram”, vamos pelo menos torcer contra o Brasil na Copa e esperar que o ódio pela derrota desencadeie protestos por um país melhor para todos.


*É Professor em Porto Velho.

domingo, 8 de dezembro de 2013

"A Copa do Mundo da febre amarela"



“The World Cup of yellow fever”

Professor Nazareno*

          Feito o sorteio que decidiu os grupos e os jogos da próxima Copa do Mundo de futebol no Brasil, descobriu-se um técnico muito azarado. Roy Hogdson da Inglaterra afirmara dias antes que Manaus é uma cidade a ser evitada na Copa do Mundo de 2014 por conta do clima quente e da alta umidade relativa do ar. Em entrevista ao jornal londrino The Guardian, ele afirmou que preferia enfrentar um grupo da morte ou adversários fortes a enfrentar o clima da Amazônia. Foi “contemplado” com as duas desgraças de uma só vez: não só jogará em Manaus como terá que superar Uruguai, Itália e a zebra Costa Rica. Claro que muitos nativos manauaras ficaram enfurecidos com as declarações do técnico europeu. Porém, é bom que se diga: em momento algum ele foi grosseiro ou deselegante com os simpáticos habitantes amazonenses.
         Roy Hogdson foi apenas verdadeiro, coerente e disse o que pensa, coisa que muita gente, por medo, conveniência ou hipocrisia não o faz. O abafado e desumano calor amazônico é coisa do satanás, convenhamos. Assim como a altitude dos Andes ou o frio intenso nos confins da Sibéria e também ao norte das ilhas britânicas. Esses climas extremos são propícios apenas à prática de poucos e selecionados esportes. No entanto, o desportista inglês foi extremamente educado e até minimizou os problemas que sua seleção e torcedores encontrarão na capital do Amazonas e também, em escala menor, em outras cidades do Brasil. Será que ele já ouviu falar em Malária, Dengue, Febre Amarela, Leishmaniose, Cólera, Esquistossomose, Tuberculose, Doença de Chagas, Lepra, Filariose Linfática, Oncocercose e outras terríveis doenças tropicais?
      E qualquer um pode contrair uma dessas patologias. Assim como Porto Velho, a capital amazonense também é feia, suja, mal cuidada, fedida, podre, porca, imunda, violenta, deprimente, horrorosa, nojenta, de trânsito louco, mal administrada, longe de tudo e de todos, com ruas tortas, cheia de insetos e pernilongos, quase sem arborização, calorenta, fim de mundo, sem esgotos, cheia de dengue, malária e outras doenças tropicais, com igarapés sujos, fossas a céu aberto, infestada de lixo, ratos, urubus, bichos mortos, tapurus, bactérias, vírus e larvas. Compará-la a Londres, Genebra, Nova Iorque ou outra cidade civilizada, é uma indecência. Mas Manaus não é o problema e sim, o Brasil inteiro. Apesar de os amazonenses serem bons, hospitaleiros e um povo nota dez, o pobre coitado do técnico inglês nem imagina o que lhe espera por aqui.
         Além das distâncias continentais que as seleções têm de percorrer, sabe-se que deslocar milhares de torcedores de uma cidade para outra e em pouco tempo é tarefa quase impossível levando-se em conta a infraestrutura precaríssima dos nossos atrasados aeroportos. Embora algumas cidades do sul do país apresentem um cenário mais otimista, os torcedores e turistas terão de conviver com assaltos, estradas esburacadas, transporte caótico, carestia, violência, exploração e toda a sorte de mazelas e desgraças. Muitos vão se arrepender de terem vindo. Aqui, quase ninguém fala nem entende o Inglês, mas somente um dialeto, uma espécie de “patois” parecido com a língua falada em Portugal e ininteligível para quem é do Primeiro Mundo. Porém, o pior de tudo é ver o Brasil ser campeão. Devíamos torcer pela Alemanha, Argentina, ou outro país mais civilizado. Quem não oferece uma boa estada aos outros e ainda assim organiza um evento com o sangue de sua população não merece ganhar nada. Copa do Mundo superfaturada, cara demais, desorganizada e perigosa. “Welcome to our hell”.


*É Professor em Porto Velho.