domingo, 31 de março de 2024

Democracia ainda sob ameaça!

Democracia ainda sob ameaça!

 

Professor Nazareno*

 

            Criada pelos gregos na Antiguidade Clássica, a atual democracia só foi mesmo implantada no final da Idade Moderna. A Inglaterra, os Estados Unidos e a França, necessariamente nesta ordem, foram os primeiros países a implantá-la nas suas sociedades. Isso apesar de a Inglaterra ser um reino e de ter reis governando sua gente. É até hoje uma democracia parlamentar. Já no Brasil, que na área da política praticamente copia tudo o que vem do mundo desenvolvido e civilizado, a democracia só apareceu muito tempo depois de proclamada a República. Embora em todo este tempo, de 1889 a 2024 o termo sempre foi reivindicado por todas as formas de governo e por todos os políticos que já governaram o nosso país. Mesmo durante a assassina e cruel Ditadura Militar, a explicação na época era a de que deram um golpe para “salvar a democracia”.

            Os fardados só se esqueceram de dizer que o Brasil, em 1964, já vivia com o presidente João Goulart em uma democracia plena e a então tomada do poder por meio de tanques e baionetas não salvou nenhuma democracia, apenas matou no nascedouro a que a duras penas nós tínhamos na época. Ou seja, os militares brasileiros, a serviço da elite reacionária, romperam de forma unilateral o regime democrático que havia no país e implantaram uma ditadura. Depois, a reação foi só de alguns raríssimos setores da sociedade. A não ser que o conceito de democracia, para a elite e para os militares, seja o fechamento do Congresso Nacional, a tortura de oposicionistas, a proibição de eleições diretas para vários cargos políticos, exílios, assassinatos, dentre outras características só vistas em ditaduras como a de Hitler, de Augusto Pinochet, Mussolini, Franco e de outras.

            Em 2023, o ex-presidente Jair Bolsonaro, mais um dos filhotes da vil Ditadura Militar, tentou dar um golpe de Estado nele mesmo e assim evitar, na marra, a posse do presidente Lula, que, até que se prove o contrário, foi eleito de forma limpa e democrática. Oriundo das Forças Armadas, onde infelizmente ainda reina uma certa mentalidade golpista, Bolsonaro e sua turma têm que ser condenados e presos para que a democracia nunca mais seja ameaçada no Brasil. Só que todos os golpistas de hoje clamam aos quatro ventos que são defensores dela, assim como diziam os seus antepassados de 1964. A Ditadura Militar governou por exatos 7.655 dias e só caiu de podre. Neste período dos anos de chumbo, a nossa democracia era estuprada todo dia. Hoje, com 39 anos, é o tempo mais longo que o país já viveu com total liberdade. Porém, ainda assim, ela está ameaçada.

            Claro que a democracia do Brasil não é perfeita e por isso não pode ser comparada com a dos países ricos, justos e civilizados. Mas hoje, 71% dos brasileiros a apoiam. E para resolver os problemas dela, a solução é ter mais democracia. Os políticos têm de entender que um regime democrático tem que ser vivido na prática diária, pois “a ciência política é a mais importante dentro de qualquer sociedade”. Nada de conchavos, de “panelinhas” infames com o Poder Executivo dentro das câmaras municipais, das assembleias legislativas e do Congresso Nacional. Nada de apoio irrestrito só por causa das verbas. Legislativo, Executivo e Judiciário são poderes paralelos na sociedade, justos, independentes e harmônicos entre si. Cada um com a sua função para atuar. A democracia tem que ser vivida levando-se sempre em consideração o seu bem maior: a liberdade do povo. E para quem pregar tirania ou golpe: cadeia! E democracia com ameaças é ditadura!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

quinta-feira, 28 de março de 2024

Foram 434 mortos e desaparecidos!

Foram 434 mortos e desaparecidos!

 

Professor Nazareno*

 

                  Isso sem falar em quase 2 mil torturados. Foi esse o triste saldo da terrível, antidemocrática, cruel, infame, tosca, covarde e assassina Ditadura Militar que governou o Brasil entre os anos de 1964 e 1985. O golpe foi dado no dia 31 de março e jogou o país numa escuridão política de mais de duas décadas. Há exatos 60 anos, a elite retrógrada e reacionária do país usou as Forças Armadas para golpear as instituições democráticas e instalar um dos regimes mais asquerosos e sanguinários de que se tem notícia. Em plena Guerra Fria, que opunha capitalismo e comunismo, os Estados Unidos, com medo do surgimento de uma nova Cuba no continente e ainda escaldados com a recente crise dos mísseis com a ex-União Soviética em 1962, patrocinam regimes de exceção em todo o continente, contando para isso com os governos locais e a ajuda das elites anticomunistas.

                   A partir de 1963, do México à Terra do Fogo, no extremo-sul da Argentina, os ianques apoiam e instalam regimes militares ditatoriais subservientes a Washington. No Brasil, o terror começou em 1964. Os grandes empresários nacionais como Amador Aguiar do Bradesco, Roberto Marinho da Rede Globo, Olavo Setúbal do Itaú, Sílvio Santos, Paulo Maluf, dentre muitos outros industriais, grandes investidores e também latifundiários, todos com medo do comunismo, “usaram” os militares para consumar o vil golpe de Estado naquele fatídico ano. Para proteger as riquezas da elite nacional, os milicos não pensaram duas vezes para romper com a ordem democrática vigente e implantaram um regime de exceção com mortes, perseguições a oposicionistas, torturas, exílios, assassinatos e censura. E tudo isso para “salvar a democracia”. E assim foi feito!

                   Com a força dos tanques e das baionetas, os militares investem contra todos os que não concordam com o seu projeto de governo espúrio. Sem terem tido um só voto para governar o país, os fardados proíbem algumas eleições diretas, fecham o Congresso Nacional, cassam opositores e criam, depois, a figura do senador biônico. Presidente da República, governadores dos Estados, prefeitos das capitais e das cidades consideradas por eles como “área de segurança nacional” não tinham mais eleições diretas e todos os “eleitos” desses lugares eram antes escolhidos, claro, pelos militares e também pelos “seus amiguinhos”, os caciques locais. Até uma oposição de araque os militares souberam escolher: foi o MDB, o Movimento Democrático Brasileiro, que fazia uma “oposição de mentirinha” à ARENA, a Aliança Renovadora Nacional, o partido dos militares e da elite.

                   O governo militar criou também os famosos DOI-CODI, centros de torturas a oposicionistas. Lá, críticos do regime e adversários políticos eram submetidos a sessões intermináveis de interrogatórios e muitos deles foram friamente assassinados. O coronel do Exército, Carlos Brilhante Ustra, herói do ex-presidente Jair Bolsonaro, comandou por muito tempo um desses centros de terror. O jornalista Vladimir Herzog, o operário Santo Dias e também vários outros cidadãos brasileiros que não concordavam com a truculência do regime militar imposto no país foram mortos depois de serem torturados. A censura às músicas, ao cinema, teatro e às artes também foi usada como “programa de governo” por essa gente dos quartéis. Filmes, novelas, músicas e as peças de teatro só tinham a exibição garantida se passasse antes pelas mãos de um censor. Por isso, não há o que se comemorar neste 31 de março. Só lamentar. Golpe não se comemora. Repudia-se! Ditadura? Jamais!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.


sábado, 23 de março de 2024

Por que somos a latrina do Brasil?

Por que somos a latrina do Brasil?

 

Professor Nazareno*

 

            Na semana passada, o ITB, Instituto Trata Brasil, divulgou o ranking nacional de saneamento básico e de água tratada das cidades do Brasil relativo ao ano passado, 2023. Praticamente nenhuma novidade nos números. Porto Velho, a insólita capital de Roraima, ficou em último lugar dentre as cidades com mais de cem mil habitantes. Dessa forma, a “capital das sentinelas avançadas” é a pior dentre todas as 27 capitais existentes no país. A cidade considerada a melhor do Brasil nestes aspectos é Maringá, a “cidade canção”, localizada no interior do progressista, rico, desenvolvido e moderno Estado do Paraná. O grande abismo que separa as duas cidades em termos de limpeza, de mobilidade urbana, arborização, organização, água potável oferecida à população, qualidade de vida e de rede de esgotos pode ser medido em anos-luz. Maringá é um céu. Já Porto Velho é o inferno.

            Uma cidade, se é que se pode chamar Porto Velho de cidade, é o oposto da outra. Ambas têm quase a mesma população residente: cerca de uns 420 mil habitantes. A florida, arborizada e limpa Maringá é a terceira cidade mais populosa do Paraná enquanto Porto Velho é a capital de um Estado. A “cidade canção” tem nada mais nada menos do que 100 por cento de saneamento básico e de água tratada para os seus felizes e alegres moradores. Já a “capital dos destemidos pioneiros” é um lodaçal só. Merda, esgoto a céu aberto, animais mortos no meio da rua, lixo, ratazanas, poluição, catinga, tapurus, mato, urubus, água suja, lodo, dentre outras nojeiras, é o que se vê quando se anda pelas tortas e escuras ruas da capital mais suja do país. Maringá é nova. Foi emancipada em 1951. Tem, portanto, só 73 anos. Porto Velho já é uma senhora com quase 110 anos de podridão.

            Maringá tem o moderno Terminal Intermodal. Porto Velho nem ônibus urbanos decentes tem. Tentem pegar o Interbairros 030 num dia de domingo ou feriado. Duas, três horas de espera. Chegando ao aeroporto da cidade, por exemplo, qual ônibus se deve pegar para ir ao centro? Mas qual o porquê de se ter tantas diferenças entre esses dois lugares se estamos no mesmo Brasil? Por que uma cidade é quase o Primeiro Mundo e a outra é uma imitação grosseira da África Subsaariana? O povo que mora em Maringá gosta de conviver com a limpeza enquanto os porto-velhenses detestam? Os paranaenses cobram mais de suas autoridades e os rondonienses se acomodam? O que está por trás desses fenômenos? Porto Velho tem mais de cem anos e possivelmente uma classe política que só pensa em si. Talvez as autoridades de Maringá pensem mais no seu povo...

            O IPTU que se paga no interior do Paraná é muito mais barato do que o de Porto Velho. E isso é muito revoltante. Nós, coitados moradores daqui, moramos mal, vivemos mal, não temos mobilidade urbana, arborização, lazer, não temos parques ou praças. Não temos IDH e ainda somos obrigados a viver no meio da carniça. Alguém conhece o Parque do Ingá? Aquilo ali mais se parece com os Jardins de Versalhes próximo a Paris, com o Parque Eduardo VII em Lisboa/Portugal, ou o Volksgarten de Viena. Porto Velho nem praça tem. A histórica e reconhecida internacionalmente Madeira-Mamoré, com os seus muitos ratos, urubus e catinga de peixe (pitiú), nem foi entregue ainda à população. Devíamos fazer mais por esta maltratada urbe e também cobrar mais da nossa classe política. Como pode há tanto tempo entrar e sair tantos prefeitos e vereadores e nada muda para melhor? Seria por isso que perdemos tantos habitantes enquanto Maringá só cresce?

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

quarta-feira, 20 de março de 2024

“Built to Suit” em Cuité

Built to Suit” em Cuité

 

Professor Nazareno*

 

            Cuité de Chica Gorda é uma dessas cidadezinhas sem eira nem beira situada nos cafundós do Brasil. É um rincão inóspito, atrasado e distante de tudo. A maioria de seus poucos habitantes, no entanto, são pobres, miseráveis, semianalfabetos e quase todos eleitores reacionários da direita e da extrema-direita. Eles são muito religiosos, pois acreditam em Deus, Jesus Cristo, Papai Noel e também nos poderes do boto tucuxi. Cuité não tem rede de esgotos nem água tratada, apesar de se localizar bem próximo a um grande açude natural com água potável. Os cuiteenses não têm nem nunca tiveram uma medicina de qualidade. Há apenas umas três universidades com curso para formar “doutores”, mas nunca tiveram sequer um hospital universitário. Hospital de pronto-socorro também não há no município. Existe só um velho “açougue” que diz cuidar dos pacientes pobres.

            Dizendo-se bastante preocupadas com a pobre população cuiteense, as fingidas autoridades resolveram construir um novo hospital de pronto-socorro para a localidade a fim de substituir o velho e imprestável “açougue”, que sempre se pareceu com um campo de extermínio de pobres. E assim ficou decidido. Pela oitava vez, escolheram um lugar ermo e deram início à construção. Trouxeram até uma firma de renome internacional para tocar o fictício empreendimento, a “Sem Nenhum Vigor”. No dia de lançar a pedra fundamental para a obra, que nunca vai existir de fato, os políticos fizeram calorosos discursos, uma banda de música tocava hinos militares, governo e oposição dando as mãos e o povo ignorante aplaudindo aquele pseudo investimento. “Cuité de Chica Gorda agora vai fazer parte do progresso e do desenvolvimento nacional”, diziam os políticos.

            A “Sem Nenhum Vigor” é uma holding internacional da área da construção civil e todos acreditam que em pouco tempo entregará o empreendimento à população. O sistema tem até um nome em inglês: “Built to Suit”, que numa tradução livre significa “construído para se adequar”, e vai revolucionar totalmente o conceito de construção civil em Cuité de Chica Gorda, acreditam todos. Possivelmente a única universidade pública do lugar vai encomendar também um hospital universitário para atender ao povo pobre dali. Em muito pouco tempo, obras fictícias brotarão por todos os cantos dessa esquecida Cuité. Já há relatos, entre o meio político, da criação de um novo sistema para a construção civil em larga escala. É o “Promises and lies”. Os senadores, deputados estaduais e federais, vereadores e prefeitos não escondem o seu contentamento: “a era do sofrimento acabou”.

            Atualmente Cuité de Chica Gorda vive um sério problema nos transportes: algumas empresas de carroças reclamam da judicialização excessiva contra elas e por isso reduziram as charretes. É que, segundo essas mesmas empresas, alguns passageiros reclamam muito por qualquer coisinha. Mas a classe política cuiteense já está atenta a tudo. Vai resolver não só esse, mas qualquer outro perrengue que aparecer. Por lá já se fala em construção de passarelas e também de um porto de vergonha para os ribeirinhos usarem no açude da cidade. Com o sistema “Promises and lies” e a megaempresa “Sem Nenhum Vigor” no comando, tudo ficará mais fácil para aquela cidadezinha. O povo não vê a hora de usar a estrutura do seu novo pronto-socorro, que terá nada mais do que 399 leitos, 10 salas de cirurgia, 64 leitos de UTI, área de hemodinâmica, além de farmácia, laboratórios e muitas outras funções. O Sírio-Libanês que se cuide. Vai ter concorrência!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Rondônia já prestou um dia

Rondônia já prestou um dia

 

Professor Nazareno*

 

            Por incrível que pareça, Porto Velho e Rondônia já foram lugares bons para se viver e para se morar. E não faz tanto tempo assim. Foi entre as décadas de 50 e 80 do século passado. Naqueles idos e bons tempos quase ninguém confundia Rondônia com Roraima e as pessoas aqui viviam mais felizes, pelo menos aparentemente. A desgraceira começou quando se teve a má ideia de transformar o então Território federal em Estado no início dos anos de 1980, coincidentemente a mesma época que eu passava por estas distantes terras em direção ao Peru. O lugar tinha futebol e dos bons. Quem não se lembra do Ferroviário, do Moto Clube, do Flamengo, o rolo compressor da Arigolândia, do Ipiranga e de tantos outros? O campeonato estadual era concorrido e o Aluizão se enchia em dia de clássico. Hoje, só lembranças! Junto com o território, o futebol também acabou.

            Atualmente nem Porto Velho nem Rondônia têm futebol que preste. Torcedores dos grandes times do sul do país “invadiram” o recém-criado Estado e destruíram o nome do bom futebol que havia aqui. O Porto Velho, criado bem recentemente e cujo escudo é uma imitação tosca do Bayern de Munique da Alemanha, é um time fraco e sem nenhuma tradição. Ganhou em casa por acaso do fracassado Remo do Pará e logo os seus 4 ou 5 torcedores já acharam que era uma boa equipe. Em seguida, perdeu para o Ypiranga de Erechim do Rio Grande do Sul e deu adeus à Copa do Brasil. Outro time de Porto Velho é um tal Genus (sem acento mesmo) que nem merece comentários. O interior tem outras equipes bem fracas e com nomes também surreais: Real Ariquemes, Barcelona, Vilhena, União Cacoalense e o Ji-Paraná. Só seis equipes e um campeonato que se diz de futebol.

            Naqueles bons tempos, a Cachoeira do Teotônio ainda existia e tinha muitos peixes. Lá se pescava até com a mão. O divertimento era garantido durante os finais de semana do verão amazônico. Pescar Jatuaranas, Surubins e Dourados no Cai N’água era também um dos bons programas de domingo com a família. Andar de trem para o Santo Antônio era um divertimento e tanto. A lendária Estrada de Ferro Madeira-Mamoré tinha uma praça linda e grande. Lá havia muitos trens, trilhos e era muito visitada. Uma praça do povo. Antes, Rondônia recebia multidões. Hoje, muitos estão indo embora. Aqui era uma dádiva de Deus: não tinha Assembleia Legislativa e só se elegia a cada quatro anos um deputado federal. Porto Velho até tinha uma Câmara de Vereadores, mas os edis de então nem sempre estavam alinhados com o prefeito. Fato: éramos felizes e não sabíamos!

            E quem não se lembra da Avenida Sete de Setembro repleta de árvores? O calor exista, mas não era tão forte como é hoje. A cidade era bem menor, mas muito mais arborizada. Mesmo sem esgotos, mobilidade, água encanada e sem saneamento básico, o sofrimento nesta capital não era como é atualmente. Violência, só nos garimpos e bem longe do perímetro urbano. Drogas, quase não havia. O governo federal mandava dinheiro aos montes para cá. Naquela época de ouro, a capital rondoniense não vivia sob o risco iminente de uma inundação. Não havia crise aérea nenhuma e muitas pessoas viajavam tranquilamente de avião sem ter que pagar uma fortuna para isso. A mídia da época vivia sob o controle do Estado, é verdade. Mas muitos jornalistas se sobressaíam tentando emplacar suas publicações. Hoje a censura é econômica e poucos podem publicar seus textos sem serem tolhidos pelos donos dessa mesma mídia. Triste, mas o tempo não volta!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

quinta-feira, 14 de março de 2024

Eu, um prefeito perfeito!

Eu, um prefeito perfeito!

 

Professor Nazareno*

 

            Até hoje, por questões óbvias, só escondi da minha esposa, a Francisca, que eu sempre quis ser prefeito de Porto Velho, a capital de Roraima. Entre a simpática vila de Calama no baixo Madeira e esta cidade, eu já tenho mais de quatro décadas morando e pagando IPTU, além de muitos outros impostos. Sempre foi meu sonho mudar a cara da “antessala do inferno”, da “currutela fedida”, da eterna “latrina do Brasil”. Não vejo nenhuma razão para os muitos estúpidos e ignorantes eleitores daqui não votarem em mim. Com pouquíssima leitura de mundo, direitistas, bolsonaristas, pobres de direita, reacionários e se informando somente pelas redes sociais e através das fofocas, não é muito difícil conseguir votos e apoio dentre eles. Nem vereador eu quero ser. Para mim é um cargo inútil e desnecessário. Dispenso! Vereador é só um. Prefeito, domina todos eles.

            Eu sendo alcaide não teria nenhuma dificuldade para administrar a tosca e imunda cidade. De início “compraria”, sem muitas dificuldades, o apoio total da câmara de vereadores. Em Porto Velho eu seria uma espécie de Vladimir Putin e até melhor do que Jesus Cristo, que teve oposição e por isso foi crucificado e morto. Seria um Benjamin Netanyahu desfilando sobre os escombros de Gaza. Claro que eu não seria um ditador, mas daria “benesses” à imprensa e bonificaria os sites, jornais e rádios que mais enaltecessem a minha administração. Mudaria o sentido da Avenida Sete de Setembro e mandava construir, com recursos próprios, dois shoppings: um na Jatuarana e o outro na Avenida José Amador dos Reis. Duplicaria o número de mototáxis da cidade e de imediato já mandava refazer o porto do Cai N’água, que está enferrujando na beira do rio.

            Todas as três praças de Porto Velho seriam floridas, limpas e aconchegantes para os visitantes. A da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré seria um brinco de tão asseada e útil aos moradores daqui. Lá, teria uma espécie de passeio público com porto rampeado, modernas pistas de caminhadas e vários mirantes para os otários verem o espetáculo do pôr do sol. Nenhum urubu nem catinga de peixe. Pitiú seria engarrafado e vendido aos saudosistas. Pagaria por cada pássaro morto, ratazana de esgoto e animais peçonhentos somente para limpar aquele ambiente pútrido e fedorento. Da nova rodoviária, mandava retirar todos os noiados e pedintes. Mas o igarapé dos tanques que a rodeia permaneceria com a mesma aparência e aroma. Os muitos visitantes iriam adorar ao saber que o prefeito eleito caracterizou o nome “capital da fedentina” com o ambiente onde recebe os turistas.

            Comigo na prefeitura, as árvores antigas a cidade não teria mais uma sequer. Mandava arrancar todas elas como foi feito na Avenida Tiradentes e mandava plantar somente mudas de louro-bosta e de Muratinga. Já pensou Porto Velho fedendo a bosta nos primeiros ventos da primavera? E nada de aumentar a oferta de água tratada nem de saneamento básico. A população já está satisfeita com os números que existem. Percebe-se isso nas votações que os nossos políticos recebem todo ano de eleições. Votem em mim, por favor! Como prefeito, determinarei a suspensão imediata da construção do hospital “Built to Suit” lá na zona Leste da cidade. Mandarei construir outro “açougue”, que tão bem tem servido à população pobre e miserável do município. O porto-velhense não aguentaria ver a demolição do João Paulo Segundo, que já faz parte da nossa rotina. Não entendo porque os eleitores não votariam em mim. Professor Nazareno ao seu dispor!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

sábado, 9 de março de 2024

Brasil, o novo Evangelistão

Brasil, o novo Evangelistão

 

Professor Nazareno*

 

            Fala-se que religião, política e futebol não se discutem. Bobagem, tolice, asneiras. Discutem-se, sim! Tudo é passível de discussões, pois a dialética sempre fez parte da natureza humana. O que não se devia fazer é misturar essas atividades entre si. No Brasil, já há algum tempo, infelizmente, a política entrou na religião para não mais dela sair. Padres, pastores, bispos e religiosos de um modo geral se candidatam a cargos políticos para continuar mandando em suas ovelhas. Para Sêneca, filósofo da Antiguidade, a religião é vista pelas pessoas comuns como verdadeira, pelos inteligentes como falsa e pelos governantes como útil. Muitos desses religiosos perceberam o poder que tinham sobre as pessoas mais incautas e decidiram assim aumentar ainda mais esse poder sobre elas. Entraram na política e passaram a dominar um número cada vez maior de “ovelhas”.

            Hoje, é cada vez maior a influência de pastores evangélicos nos destinos políticos do Brasil. Embora haja também a participação de outras religiões na política nacional, só que em menor escala. Marco Feliciano, Silas Malafaia, R.R. Soares, dentre muitos outros, aparecem diariamente na mídia dando entrevistas e influenciando ainda mais os seus fiéis e agora eleitores. Com a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder entre 2019 e 2022, no entanto, essa ingerência e essa mistura de religião com a política se intensificaram. Até no STF, o sisudo Supremo Tribunal Federal, tem hoje um de seus ministros sendo chamado de “terrivelmente evangélico”, embora o Estado seja laico. A direita e a extrema-direita principalmente são o viés ideológico da maioria desses novos políticos. Pautas conservadoras e reacionárias são defendidas por eles. Bem como o negacionismo.

            Muitos dos cidadãos, recém-convertidos à fé evangélica, seguem fielmente seus líderes sem nenhum questionamento de suas posições. Muitos deles fazem exaltação a Israel sem perceber que o país do Oriente Médio é formado majoritariamente por judeus. E que foram eles, os judeus, que mataram Jesus Cristo, o maior líder desses mesmos cristãos evangélicos. A Talmude, coletânea de livros sagrados dos judeus, por exemplo, diz que Jesus Cristo ainda arde no fogo do inferno. E que o mesmo não é filho de Deus, mas apenas um simples profeta. Mesmo Israel moderno é uma nação democrática e livre onde o aborto é legalizado e que tem em Tel Aviv, sua capital, a maior parada gay de todo o Oriente Médio e talvez uma das maiores do mundo. Em Israel todas as religiões são permitidas e a democracia faz parte da realidade de toda a sua gente. Como entender isso?

            Mas não compreender a História faz parte da maioria das pessoas sem leitura de mundo e sem nenhum conhecimento da realidade que os cerca. Seguir a filosofia de Jesus Cristo e fazer exaltação ao Estado judeu ao mesmo tempo são coisas incompatíveis, sem nenhum sentido. Os judeus foram o carrasco do Salvador e filho de Deus! “Mas se o padre ou o pastor quer e manda, não há problema nenhum”. O Brasil é e sempre foi uma nação “onde os loucos estão guiando os cegos” como na fábula de Shakespeare. Todo mundo tem o direito de seguir uma religião, mas jamais impor seus conceitos e suas crenças a ninguém. E quando se mistura religião com política, como se vê em alguns países muçulmanos, geralmente o que se obtém é uma sociedade baseada no preconceito, na intolerância, na homofobia e na perseguição. São fatos que não podem prosperar num país moderno com Estado laico. Não se pode voltar no tempo. Brasil: um país de “todes”.

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

sexta-feira, 1 de março de 2024

Devo votar, mas não queria!

Devo votar, mas não queria!

 

Professor Nazareno*

 

            Este ano de 2024 haverá eleições no Brasil. E isso é muito bom, pois em uma democracia essa prática é uma doce rotina. Só não entendo porque ao contrário das principais democracias do mundo por aqui o cidadão é obrigado a ir às urnas, mesmo sem querer. Segundo Aristóteles, a política é a mais importante ciência da sociedade. Por isso, votar e ser votado é algo salutar e até prazeroso. Se não houvesse eleições, seríamos uma ditadura cruel e sanguinária como foi a Ditadura Militar instalada em 1964 com a ajuda e a conivência da elite fascista do país, quando os fuzis e as baionetas ditavam as regras. Sem democracia, por exemplo, Bolsonaro e a sua turma de aloprados terraplanistas e negacionistas teriam anulado as últimas eleições e na maior cara de pau poderiam ter dado um golpe e tomado o poder. Porém, as nossas instituições impediram essa violência tosca.

            Agora as eleições serão só nos municípios. Vamos escolher os novos prefeitos e vereadores das nossas cidades. Mas o pleito continua equivocadamente polarizado. De um lado, a turma da extrema-direita com as suas ideias ultrapassadas e seu projeto de poder sem democracia. É a terra plana, negação às vacinas e à ciência, pena de morte, ausência total de direitos humanos, garimpo ilegal, BR-319, Neoliberalismo, destruição das florestas, ataques ao meio ambiente, demonização do comunismo, privatizações, exaltação a Israel, dentre outras tolices. Do outro lado estão os partidos de esquerda com sua agenda também ultrapassada e com propósitos de fazer o poder público sempre dar esmolas e benesses ao cidadão comum, a vítima da sociedade. Votar num ambiente desses é corroborar e aceitar as sandices discutidas em rede nacional. Um escárnio à inteligência.

            Se na realidade nacional não há bons motivos que nos façam ir às urnas, imagine-se em Porto Velho, a eterna capital de Roraima. Aqui a classe política é uma das piores do mundo. Acredita-se que uns 80 por cento desses políticos não servem para nada. Já os outros 20 por cento para nada servem. São vacas de presépio colocados lá pelo povão que entra ano e sai ano sofre feito sovaco de aleijado. Porto Velho não tem sequer um hospital de pronto-socorro, embora as promessas mentirosas de se construir um sejam diárias. Cadê o “Built to Suit” que seria construído pelo Estado? O pobre eleitor da “capital das sentinelas avançadas” tem mais é que se conformar com o velho “açougue” lá da zona sul. Por que a prefeitura do município não tentou construir um pronto-socorro decente para os seus eleitores pobres? Por que os vereadores e os políticos nada dizem ou falam?

            Eu, como eleitor, não tenho nenhum incentivo para ir votar nessa gente que nada fez nem faz em benefício dos que mais necessitam. O porto rampeado da cidade continua parado enferrujando vergonhosamente lá na beira do rio Madeira. A Praça da E.F.M.M, por exemplo, foi abandonada pela prefeitura sem nenhuma desculpa ao tolo cidadão que paga impostos. A atual crise aérea é uma miséria sem fim para todos nós. E as autoridades se calam. A falta de água tratada, de saneamento básico, arborização, ônibus urbanos e esgotos é uma desgraça que sempre nos acompanhou e que nenhum prefeito ou vereador daqui consegue resolver. Ou não conseguem ou não querem. E a política serve exatamente para que essas demandas sejam resolvidas ou amenizadas pelos que são eleitos a cada quatro anos. Não entendo: por que somos obrigados a votar se não temos respostas para todos esses problemas? E enquanto parte da mídia endeusar esses políticos, nada mudará.

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.