sábado, 24 de maio de 2014

Tomara que o Brasil perca a Copa



Tomara que o Brasil perca a Copa

Professor Nazareno*

Claro que vou torcer contra a seleção brasileira na Copa do Mundo. Onde está escrito que quem nasceu no Brasil deve necessariamente se alegrar e torcer pela sua seleção de futebol, ou qualquer outro esporte, em uma competição internacional? Devemos, sim, incentivar e nos alegrar com o bom futebol. E isto o nosso país, comparado a outras grandes seleções, ainda não tem suficientemente para ganhar um campeonato desse porte. Não é estranho torcer por outro país, já que não gosto de futebol e depois por que a derrota pode representar uma das melhores coisas já vividas por esta nação nos últimos tempos. E ao contrário do que muitos imaginam, quero que essa Copa seja realizada: com tanto dinheiro público nela investido, cheira a burrice, e a muito mais prejuízo, se qualquer coisa acontecer para inviabilizar o torneio.
O Brasil não deveria ter organizado esta festa. As previsões de desorganização, atraso absurdo nas obras, gastos exorbitantes de verbas públicas, roubalheiras e superfaturamento infelizmente foram todas confirmadas. Porém, protestar agora contra a sua realização é tolice e oportunismo barato.  A chiadeira devia ter acontecido durante a fatídica decisão em 2007, quando o “Molusco Presidente”, a FIFA e o PT empurraram suas vontades “goela abaixo” da população sem nenhuma consulta. A absurda mistura de política com futebol tem um único objetivo: ajudar os petistas a se perpetuarem no poder. A derrota dos canarinhos pode frustrar as pretensões do PT e do Lula e a vitória, certamente, vai reeleger a Dilma já no dia 12 de julho. Igual a ditadores como Médici no Brasil e Jorge Videla na Argentina, os petistas também sabem usar o poder do futebol.
A FIFA pediu oito sedes. Lula e o PT “marotamente” indicaram uma dúzia de cidades. Aumentavam assim o espaço para mais propaganda política. Um disparate sem tamanho indicar lugares em províncias atrasadas, sem futebol e com pouca ou nenhuma organização como Manaus, Natal, Cuiabá e Brasília para serem sedes de uma Copa do Mundo. Qual o legado que os jogos deixarão para estes lugares além de enormes elefantes brancos que ficarão sem nenhuma serventia depois do evento? Até Ronaldo, o tal de "Fenômeno", disse recentemente estar com muita vergonha do atraso nas obras e na desorganização geral nesta Copa do Mundo. Com mais de 30 bilhões de reais gastos, o Brasil vai fazer a competição mais cara da história. A Alemanha gastou apenas 20 por cento desse valor em 2006 e encantou o mundo com muita organização e lisura.
Torcer contra a nossa seleção nesta Copa é a maior prova de civismo que um brasileiro pode mostrar num país onde o amor à nação só acontece de quatro em quatro anos. Com isso, abre-se a possibilidade de derrotar o PT nas urnas e iniciar as mudanças sociais de que tanto precisamos neste lugar desigual e injusto. Uma provável vitória e todos ficam anestesiados aceitando toda e qualquer injustiça. Ninguém terá coragem de sair às ruas para fazer protestos. Hoje dá pena observar carros, casas e ruas enfeitadas com as bandeiras verde-amarelas. Para a maioria, civismo é só isso. O futebol, e apenas isso, faz explodir o amor à pátria, o espírito de brasilidade, a alegria, o otimismo. Além do mais, com a inusitada derrota não existirá coisa mais alvissareira de se ver do que muitos idiotas e imbecis chorando desesperados nas ruas. Por que não torcer pela Argentina ou por um país mais justo, civilizado e desenvolvido? Seria bem mais lógico.



*É Professor em Porto Velho.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Dilemas culturais de Otrop Ohlev



Dilemas culturais de Otrop Ohlev


Professor Nazareno*

Otrop Ohlev é uma paradisíaca cidade localizada nos confins do Cazaquistão, uma antiga república soviética da Ásia Central. Seus habitantes, quase meio milhão de pessoas, por não terem muito nível de escolaridade, sempre viveram de fantasias e ilusões. E quase todos eles adoram fazer juras de amor à cidade, apesar das muitas dificuldades e esquisitices do lugar. Para começo de conversa, em Otrop Ohlev não existe tipo nenhum de cultura. Tudo é (mal) copiado de outros lugares do país. Movimentos autóctones são quase inexistentes. Muitas pessoas letradas afirmam que se existisse cultura entre aquela gente, esta seria incrivelmente inferior às demais. O problema é que as datas das poucas e raras atividades culturais são todas trocadas como se os “otropolhevenses” não seguissem o calendário cristão, tão comum no Ocidente.
Em quase todas as cidades e aldeias cazaques existe festa de santo padroeiro, uma tradição cristã seguida religiosamente em todo o país e até no exterior. Mas contrariando a tradição nacional, Otrop Ohlev tem o padroeiro, mas não a festa. Pelo menos ninguém vivo se lembra deste sinistro evento. Por incrível que pareça e apesar deste país asiático ficar muito longe do Brasil, lá eles sempre gostaram do carnaval, que é festejado, como por aqui, no mês de fevereiro. No segundo mês do ano somente nas cidades grandes, civilizadas e mais desenvolvidas, porque em Otrop Ohlev a “festa de momo” é comemorada solenemente em julho. Muitas pessoas reclamaram da infeliz data por causa da Copa do Mundo de futebol. Porém, “como este esporte não é popular na província, não fará nenhuma diferença”, alertaram as sábias autoridades locais.
Outra tradição cultural do Cazaquistão, muito parecida com as nossas, são as tradicionais festas juninas. Gigantescos arraiais sempre foram montados e organizados para vender todo tipo de gororoba para os incautos. Mesmo no meio da lama, da sujeira e da imundície, estas festas sempre fizeram um sucesso incrível entre os moradores. Só que nesta cidade, esses arraiais não têm lugar nem data definida para acontecer e as autoridades e representantes culturais também nunca se interessaram pelo fato. Em qualquer beira de rua ou biboca, as quadrilhas, formadas às pressas e de todo jeito, dançam seus ritmos matutos e ridículos. Embora muitas pessoas afirmem categoricamente que tais ajuntamentos populares fazem parte da cultura local, este ano, para manter a "tradição de esculhambação", haverá a festa, só que no mês de agosto.
Muitas autoridades de Otrop Ohlev são acusadas de não se preocuparem com a cultura que dizem existir no lugar. O famoso lago Zaysan, também conhecido como Oir Ariedam e que banha a cidade, durante a última enchente histórica cobriu de lama, tapurus, restos de animais mortos e imundícies toda a área do museu “otropolhevense”. Isso aos poucos e lentamente e bem na frente das inoperantes e inúteis autoridades da cultura local. Do jeito que as datas são trocadas nesta atrasada província cazaque, há quem acredite que o próximo ano novo será festejado no mês de abril ou maio. Ninguém notaria a diferença. O Natal, data maior da cristandade, terá sua festa rifada para qualquer dia do ano. Muitos juram que nesta terra bisonha, a Semana Santa já foi comemorada em maio, junho e até julho. Como esperar organização de um lugar cujos habitantes constroem pontes e viadutos sem nenhuma serventia? Prefiro morar em Porto Velho mesmo. Aqui pelo menos as autoridades se preocupam com a cultura. E muito.



*É Professor em Porto Velho.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Abolição: liberdade para o sofrimento



Abolição: liberdade para o sofrimento

Professor Nazareno*

     Hoje é dia 13 de maio. E os negros atuais no Brasil não têm muita coisa para comemorar nesta data. A Lei Áurea não significou absolutamente nada para quem viveu toda a vida trabalhando sem dignidade e esperanças. Último país das Américas a libertar os negros, o Brasil deu a liberdade aos seus escravos e “se esqueceu” de indenizá-los corretamente como fizeram muitas outras nações, inclusive os Estados Unidos. Na maioria desses países, além da liberdade, uma boa quantia em dinheiro ou um pedaço de terra era o que cada negro recebia como pagamento por tantos anos de exploração. Era pouco, mas dava para começar e tocar a vida a partir daquele momento. Inconformada com a abolição dos escravos, a elite branca brasileira “se vingou” dos negros ao mandá-los solenemente para o olho da rua “com uma mão na frente e outra atrás”.
Mas o pior ainda estava por vir: na hora de contratar os negros como mão de obra assalariada, a elite branca do centro-sul do país deu preferência aos imigrantes desempregados da Europa e do Japão e para isso vários navios foram fretados pelos ricos brasileiros com o objetivo de trazer os novos trabalhadores brancos. “Os negros são preguiçosos demais” teriam dito alguns latifundiários quando alguém deu a ideia de contratar os antigos escravos para tocar as lavouras cafeeiras e a riqueza produzida no país. A elite brasileira sempre foi burra como disse o ex- presidente Fernando Collor, e se esquecer de que os negros discriminados, analfabetos, desempregados, escorraçados e violentados estavam morando no meio de todos nós foi a maior prova desta burrice, além de falta de patriotismo e por que não dizer de humanidade também.
Como podiam e aos poucos, os nossos afrodescendentes foram se integrando ao cotidiano do Brasil. Sempre discriminados e vivendo à margem da sociedade, muitos desejavam voltar à vida que levavam nas senzalas. “Pelo menos lá se tinha um prato de comida diária, água fresca para beber e um teto para se abrigar da chuva e do frio”, devia ser o pensamento de muitos deles. O Brasil é um país racista, sempre foi. Caso contrário não teria feito isto com quem participou efetivamente da produção de quase tudo o que havia por aqui. Ainda hoje sentimos as consequências deste verdadeiro Holocausto que fizeram com os nossos antepassados de cor. E essa história de que somos uma pátria multirracial é conversa fiada. Na maioria das vezes essa diversidade racial se deu por meio de estupros que o homem branco cometeu contra as negras.
Por isso, nesta fatídica data não há nada para se comemorar por aqui. Os negros foram proibidos de falar os seus idiomas originais, proibidos de professar a sua religião e em muitos casos obrigados a “viver a vida dos brancos exploradores e opressores”. Se a Princesa Isabel tivesse mandado fuzilar todos os negros, talvez tivesse poupado tanto sofrimento aos mesmos. Vítimas de racismo até hoje, quando conseguem ser bons jogadores de futebol ou se destacar em outros esportes, são achincalhados e humilhados mundo afora. Porém, nada justifica tentar consertar um erro histórico cometendo outros erros no presente. É o caso das cotas raciais e de outros mimos criados sob medida por governos demagogos para aumentar ainda mais o preconceito contra esses nossos irmãos. E como o Brasil é um país multirracial, devemos entender que estamos todos no mesmo barco e nas mesmas águas turvas. Brancos, negros, imigrantes, latinos, orientais ou índios. Todos brasileiros e vivendo em função de uma única causa: o Brasil. Sonho?



*É Professor em Porto Velho.