domingo, 29 de maio de 2016

Ballet sem muito glamour



Ballet sem muito glamour

Professor Nazareno*

            Pela segunda vez em menos de um ano, não se sabe ainda o porquê, o Ballet Nacional da Rússia se apresentou em Porto Velho, a longínqua, quente, feia, brega e desarrumada capital de Rondônia. Só que desta vez foi diferente. Havia palco um pouco mais decente: era o suntuoso e badalado Palácio das Artes de Rondônia. Depois da desratização e do combate aos cupins que infestavam aquela casa de shows e já com o alvará definitivo, os russos apresentaram para uma minúscula plateia, que sequer ocupou metade das cadeiras disponíveis, o espetáculo “Stars of the Russian Ballet”. Diferente também foi o evento encenado pelos visitantes. Não foi como no ano passado com lindas coreografias e danças quando pelo menos 40 dançarinos apresentaram pela primeira vez aqui “O lago dos cisnes” na Boate Talismã 21 na zona leste desta capital.
Oito, isso mesmo, só oito dançarinos este ano fizeram a festa para os atônitos espectadores rondonienses. A impressão é que os russos que vieram o ano passado tiveram medo de encarar mais uma vez a “capital das sentinelas avançadas”. Também pudera: dançar um espetáculo grandioso e reconhecido no mundo inteiro em uma casa de pagode deve ter sido algo inusitado para aqueles artistas. Além disso, o preço de 260 reais em média para ver “pessoas dançando” não combina com a situação de penúria de uma cidade extremamente pobre e miserável como Porto Velho. Público aqui só mesmo para música brega, pagode, sofrência, sertanejo universitário e duplas caipiras que cobram em média 30 ou 40 reais por ingresso. Ballet deve ser outro nível. Pior: quantos por aqui entenderiam o significado de Spartacus, Giselle, Carmen ou Dom Quixote?
Se o preço não tivesse sido drasticamente reduzido pela metade, infelizmente a plateia teria sido menor ainda. E mesmo não tendo sido um ballet de repertório, a excelência e a competência dos dançarinos russos valeram a pena. O problema é que no mesmo dia e hora “Os gigantes do samba” com Belo e Alexandre Pires estavam se apresentando na zona leste. Será que numa cidade de matutos e beiradeiros como Porto Velho o Ballet pode competir com o pagode? A Talismã 21 não coube de tanta gente. Ouvi dizer que ficaram pessoas do lado de fora. Guardadas as devidas proporções, assistir a um espetáculo de ballet requer certa postura diferenciada. Infelizmente não vi uma única bolsa Louis Vuitton lá dentro do Palácio das Artes. Yves Saint Laurent ou Dolce & Gabbana nem pensar. Só mesmo as compradas na Bolívia ou na Rua Jatuarana.
Para desgosto geral, pessoas desarrumadas, mal vestidas e totalmente fora de moda foi o que mais se viu dentro do teatro rondoniense. Bem diferente de Viena, Áustria, quando lá estive no “Wiener Staatsoper” e assisti a um belo espetáculo de ballet e de música clássica. O glamour, o charme, o encanto, a beleza e a elegância eram facilmente notados. Aqui, a iluminação não combinava com as coreografias e a música sempre começava depois que os bons bailarinos haviam começado a dançar. Como se não bastasse, havia o medo de ser roubado ou mesmo levar um tiro no estacionamento de fora do teatro. Escuridão, lama, calor extremo, poeira, violência, pouca cultura e medo nas ruas definitivamente não combinam com a boa música e a dança de alta qualidade. Apesar de tudo isso, progredimos: saímos de uma casa de pagode na periferia e entramos em um teatro. Não se sabe até quando. A paciência dos russos pode acabar.

           
           
*É Professor em Porto Velho.

terça-feira, 24 de maio de 2016

Enganei-me: não foi golpe



Enganei-me: não foi golpe

Professor Nazareno*

            Não, nunca, jamais, em momento algum da minha vida acreditei que o processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff e do PT foi um golpe. Tratou-se aquilo, claro, de um impeachment. Tudo dentro da lei, tudo seguindo os trâmites legais, tudo dentro dos conformes, tudo prezando pela legalidade e pela legitimidade. Tudo dentro da Constituição e dos mais modernos códigos de ética e de moral. O povo, sempre o povo, na sua incontida alegria aplaudindo euforicamente cada fase. Primeiro foi aquela “festa cívica e patriótica” de 17 de abril na Câmara dos Deputados quando se deu início ao rito de afastamento de uma governante eleita nas urnas com mais de 54 milhões de votos. Ali os 347 sábios, politizados e amados Deputados Federais determinaram com uma votação livre, espontânea e consciente o fim do governo Dilma. A lei triunfou.
            Como alguém de bom senso ousa afirmar que foi golpe? Alguém, por acaso, viu tanques nas ruas? Alguém viu quaisquer declarações vindas de dentro dos quartéis? Houve mobilização de tropas? A Rede Globo cansou de anunciar em seus jornais que tudo transcorreu dentro da lei e da ordem. A Folha de São Paulo e a revista Veja também disseram fartamente aos seus leitores que não foi golpe. Aqui em Porto Velho, por exemplo, não houve um só site de notícias ou emissora de rádio e TV que não tenha dito o mesmo. Então não foi golpe, ora. Até o articulista Valdemir Caldas e o jornalista Sérgio Pires também afirmaram convictamente em seus muitos e inteligentes textos que não foi uma tomada de poder. “Foi tudo dentro dos trâmites legais e constitucionais”. Como não acreditar cegamente em suas opiniões coerentes, imparciais e consistentes?
            Uma prova mais do que cabal de que a retirada da presidente Dilma do cargo foi um processo lícito e normal de impeachment é que a direita brasileira, os conservadores e reacionários jamais fariam algo “por debaixo dos panos”. A elite do Brasil, mesmo um pouco inconformada com as políticas sociais e econômicas do governo petista, jamais faria algo para “virar a mesa” como foi injustamente acusada nas redes sociais. Os risonhos jovens e até marmanjos, que se vestiram com as cores da seleção nacional de futebol e foram às ruas apoiar a derrubada da presidente eleita, não vão ficar com o mico de ter participado e dado apoio, junto com muitos políticos ladrões e desonestos, a um golpe arquitetado só para anistiar corruptos, canalhas e bandidos. Fiquem tranquilos e continuem postando nas redes sociais. Romero Jucá é uma pessoa de bom coração.
            O senador de Roraima é do bem. Michel Temer é do bem. Renan Calheiros é do bem. Aécio Neves também está do lado certo. Eduardo Cunha, outro abençoado. Os deputados da bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia) também são pessoas idôneas. Os parlamentares que derrubaram “constitucionalmente” a presidente Dilma só queriam colocar o nosso país nos trilhos do progresso e do desenvolvimento. Só um cego que não percebe isso. Esse negócio de que eles queriam dar um golpe para encerrar a Operação Lava Jato com o objetivo escuso de livrar suas próprias cabeças é “conversa para boi dormir”. Claro que ninguém acreditaria nesta lorota infame. O governo democrático e legítimo de Michel Temer está de “vento em popa” e brevemente retomará a ordem, o otimismo e a bonança para todos os brasileiros, principalmente os mais pobres e humildes. Como golpe se até o representante dos EUA na OEA já negou?




*É Professor em Porto Velho.

domingo, 22 de maio de 2016

Aceitando o contraditório



Aceitando o contraditório

Professor Nazareno*

O filósofo Nietzsche disse certa vez que os inimigos têm grande importância na nossa vida, à medida que “só nos desenvolvemos intelectualmente a partir do momento em que nos envolvemos com quem tem opiniões e condutas diferentes das nossas”. Seguindo este raciocínio, percebe-se que é muito bom mesmo termos contatos com direitistas e esquerdistas, respectivamente “coxinhas e mortadelas” em relação à atual crise política que o país está passando.  O problema é que a escassez de argumentos existentes em cada um dos referidos grupos impressiona qualquer indivíduo que tente enveredar por esta seara. O Brasil tem aproximadamente 205 milhões de habitantes e acredita-se que pelo menos 80 por cento deles são indivíduos estúpidos, ocos de ideias, sem leitura de mundo ou conhecimento político e filosófico para um excelente debate.
A primeira e vazia discussão é se a saída da Dilma Rousseff do governo foi golpe ou impeachment. Os esquerdistas e petistas dizem que foi golpe, embora admitam que quando o direitista Collor, há 24 anos, foi expulso do poder, a história era outra. Por isso, em 1992 houve impeachment. Hoje, os “coxinhas” e reacionários juram que foi impeachment e pronto. Tudo estava dentro da lei e por isso não se pode levar em conta, portanto, a atuação desastrosa e folclórica dos parlamentares brasileiros durante a aprovação do fato político. O alívio é que o “desgoverno” e a roubalheira petista não vão mais existir por pelo menos seis meses. Pior: as ações empreendidas pelos novos mandatários são defendidas “com unhas e dentes” nas redes sociais pelos seus apoiadores. E, claro, refutadas com argumentos de sobra pelos atuais oposicionistas.
Muitos amigos e contatos meus nas redes sociais, por exemplo, urravam desesperadamente pela saída da petista do poder. Chamados de direitistas e conservadores, afirmavam que estavam apenas contra a corrupção e o desmando no país. Suas postagens eram, portanto, compreensíveis naquele momento. Só que, consumado o golpe parlamentar e a tomada do poder pela elite, suas postagens continuaram com o mesmo teor idológico. Para muitos desses “novos coxinhas”, Temer e sua equipe encarnam o que de melhor há em nossa política. E até estranham o fato de os novos mandatários serem “compreensivos” demais com os novos opositores. “Lula tem que ser preso, os petistas têm que ser todos mortos”, gritam euforicamente ignorando o fato de que no novo governo tem sete ministros investigados na Lava Jato.
Pior é a postura da imprensa “lambe-botas” do país. Muitos “escrevedores” se esmeram em propagar as boas novas que somente eles veem nos novos governantes. Aqui, tem jornalista já com ciúmes até da Marcela Temer. O delírio direitista beira o ridículo e é apenas um puxa-saquismo asqueroso. Mas, parafraseando o filósofo alemão, é muito importante mesmo ter contato com estes programas e publicações: dessa forma, fica-se sabendo como pensam os fascistas e retrógrados. Como não ler a Veja, a Folha de São Paulo ou assistir à Rede Globo, por exemplo? Em Rondônia, quase não há sites ou programações na mídia que não tenham já aderido à nova ordem do país. A falta de perspectiva e grana sujeita profissionais, às vezes até competentes, a venderem suas posições ideológicas por qualquer preço, infelizmente. O maniqueísmo torpe aniquila a possibilidade de debate e dialética. Até quando só veremos um lado da atual situação?


*É Professor em Porto Velho.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Novo governo, novas regras



Novo governo, novas regras

Professor Nazareno*

Com a chegada de um novo governo ao poder máximo no Brasil, é normalíssimo que as regras da sociedade possam também mudar para o bem de toda a nação. Com amplo apoio popular e aceitação em todos os setores da vida nacional e também euforicamente festejado nos mais longínquos recantos internacionais, o governo de Michel Temer à frente dos nossos destinos imprimirá um ritmo de bem-aventurança e otimismo jamais vistos nestes 516 anos de História. E as mudanças já começam a ser vistas em todos os quadrantes da vida cotidiana. A participação feminina na política, por exemplo, ganha um merecido descanso. Ressurge agora no horizonte, “a voz de um homem, uma ação da razão, sem a emoção da feminilidade, mas uma voz masculina, grossa, autêntica, firme, determinada, onde se observa que é macho e não fêmea”.
Os negros também não participarão do novo governo por uma razão muito simples: eles nunca tiveram o total controle das finanças nacionais e por isso podem não saber lidar de maneira correta e justa com os números. Além do mais, durante mais de três séculos foram muito bem governados pelos brancos sábios. Naquele tempo, nenhuma reclamação de maus tratos, tortura, perseguições ou mesmo de preconceito racial foi notificada pela História. A contribuição afrodescendente já foi dada ao país. Já somos uma democracia racial há muito tempo, “graças às nossas lindas escravas”. Os quilombolas, as danças afro, os ritos, a umbanda, o candomblé e outras manifestações folclóricas de grande importância cultural e antropológica lhes tomarão todo o tempo se forem permitidas nesta nova conjuntura política. Os brancos saberão dar conta de tudo.
As demais minorias assim como os LGBT também serão “poupadas”. Se quiser, podem até participar do “Ministério da Cura Gay” que será criado e terá um pastor evangélico como ministro. Infelizmente, as Passeatas do Orgulho Gay serão proibidas por absoluta falta de verbas. O conceito de família voltará a ser o tradicional com homem, mulher, (amante) e filhos. Nada de união estável ou Estado laico. O Brasil será uma República Cristã evangélica com participação de católicos. Todo cidadão deverá ter obrigatoriamente uma religião. Nada de ateus, agnósticos ou outra denominação que não louve a Cristo, ao paraíso e à salvação acima de tudo. O Facebook será monitorado, infelizmente. Só terá direito a usá-lo quem publica postagens favoráveis ao novo governo. Professores, poetas, dramaturgos e alguns artistas não poderão ter opiniões.
Claro que não se trata de censura como pensam alguns pessimistas. É só precaução mesmo. A mídia será toda “acompanhada de perto” e as notícias terão novo vocabulário. Revista Veja, Rede Globo e Folha de São Paulo serão órgãos da mídia oficial e representarão o Brasil. Que órgãos e jornalistas representarão agora a mídia oficial de Rondônia? Manifestação pública terá dois nomes: se a favor do governo, será chamada de caminhada cívica e heroica, cujos participantes são nacionalistas e pessoas do bem. Se for contra, terá somente baderneiros, arruaceiros e desocupados. Os jornais da TV só poderão transmitir coisas boas e otimistas para as nossas crianças. O futebol, óbvio, será incentivado e todas as manifestações culturais levarão em conta só os princípios positivistas, religiosos e familiares. Música só se for Gospel. Com estas mudanças, o mundo nos verá de forma diferente. E tudo será melhor. Graças a Deus!




*É Professor em Porto Velho.