sábado, 28 de outubro de 2017

Confissões de um bandido

Confissões de um bandido


Professor Nazareno*

            
         Miguel das Beiradas sempre foi um bandido de carteirinha. Filho de uma família de classe média e muito ambicioso nunca escondeu seu desejo de ficar rico nem que fosse à custa dos outros. Hoje, administra um cabaré da periferia que tem muitas putas e a fama de sempre atender mal aos seus clientes. O dito puteiro sempre foi a salvação moral das famílias da redondeza e por isso conta com a permissão de todos para funcionar. Miguel não deveria ser o administrador daquele inferninho, mas através de suas artimanhas conseguiu chegar facilmente à liderança daquela Casa da Mãe Joana. É odiado por quase todos que vivem ali. Tem menos de três por cento de popularidade, mas insiste em ficar no comando daquele antro de perversão. Miguel e seus comparsas sempre acreditaram ser os salvadores do bordel, por isso não vão sair tão fácil dali.
            Outro dia, muito irritado com algumas críticas, o bandido desabafou: “as senhoras da alta sociedade, alguns políticos, a mídia, os empresários, os reacionários em geral, a Igreja e muitas pessoas de bem bateram panelas para que eu assumisse o comando dessa zona e agora muitos começam a me fazer críticas”. E continuou: “a verdade é que este prostíbulo nunca teve organização, nunca teve justiça social, nunca teve preocupação com os mais necessitados e toda a riqueza que produziu sempre foi parar nas contas dos mais ricos, dos mais ladrões e dos corruptos, por que querem que eu faça o milagre de consertar as coisas em tão pouco tempo”? Questionou com certa razão. Ele ficará à frente do lupanar de quinta categoria mesmo que funcionários e clientes não aceitem. Não há, por enquanto, ninguém hábil para comandar aquele lugar.
            “Esse meretrício não terá jeito nunca. As quengas daqui são passivas demais, muitas vezes elas trabalham de graça e ainda têm que pagar pelos preservativos”, falou o escroque político com certo conhecimento. Realmente: no harém nada funciona. Ninguém contesta nada. Todo mundo é roubado, vilipendiado, humilhado e todos ficam à espera de um salvador da pátria que nunca chega. O mundo inteiro olha para o rendez-vous com ar de pouca credibilidade. “Eu vou mudar as leis deste putanato para colocar as coisas em ordem”, costuma bradar na mídia o impopular mandatário. “Darei incentivo ao trabalho escravo, cortarei empregos, venderei a preço de banana as riquezas que temos, diminuirei o salário de todos e criarei privilégios somente para os meus amigos”, costuma se orgulhar, certo de que nada vai lhe acontecer na Justiça.
            E continuou: “todo mundo sabe que neste covil nunca houve justiça social ou qualquer outra coisa que beneficiasse os mais pobres e carentes, por que só agora me cobram essas sandices?”, questionou enfaticamente. Por se tratar de um inexpressivo conventilho de mundanas tudo ali funciona “a meia boca”. Os três poderes estão totalmente desmoralizados, os políticos desacreditados, em algumas partes o crime organizado manda no Poder Público, a baderna e o caos ameaçam tomar conta de tudo, o descrédito é geral, mas ainda assim não há a menor possibilidade de convulsão social. Nesta casa das tias, de acordo com a lei, só três coisas não se podem fazer: dirigir embriagado, se envolver sexualmente com menores de 18 anos e atrasar pensão judicial. O resto, em tese, é tudo permitido: roubar o Erário, desviar verbas da Educação, mentir para ser eleito e enriquecer ilicitamente. Em que outro bacanal ou motel se vê isso?





*É Professor em Porto Velho.

domingo, 22 de outubro de 2017

Progresso para trás


Progresso para trás


Professor Nazareno*

            
          Depois do golpe parlamentar dado em 2016 na ex-presidente Dilma Rousseff e no PT, o Brasil incrivelmente começou uma estranha caminhada para trás em todos os setores. Os batedores de panelas, que era uma forma de se protestar contra os desmandos dos políticos, simplesmente deixaram de existir num momento em que as falcatruas e os acordos espúrios continuaram com força. Temer se livrou da primeira denúncia, Aécio Neves, depois de julgado no STF, foi anistiado pelos senadores, a exploração do trabalho escravo ameaça voltar ao país e os paneleiros, conformados, se calaram. Será que bateram panelas somente para o Brasil regredir? Mais uma vez Temer dá sinais de que vai escapar da segunda denúncia e enquanto for presidente não será investigado. O bordão “fora, Dilma!” foi o único responsável pelo “fiquem, corruptos!”.
            Uma onda conservadora, retrógrada e reacionária parece querer tomar conta do país inteiro. Capitaneada em sua maioria por líderes religiosos e “defensores da família” essa atual onda fascista invade áreas onde “há pouco tempo e há muito custo” se conseguiram vitórias esperançosas. Se mais de 62 por cento dos eleitores hoje desejam a volta da ditadura, significa que “tempos escuros” podem estar perigosamente se aproximando da sociedade brasileira. Nas escolas, nos teatros, na mídia, na política, na música e também no nosso cotidiano, os “arautos das boas novas” ameaçam sem arrodeio com a volta da censura e do obscurantismo. Querem proibir peças teatrais e livros didáticos. Exposições sofrem restrições. Em vez de progredir, a sociedade regride e parece querer voltar à Idade Média e reeditar os tristes tribunais da Santa Inquisição.
            O anacronismo político infelizmente também se verifica em muitos fatos onde antes havia mais progresso e mais debates de ideias. O dogmatismo estéril está tomando o lugar da dialética. A cada dia que passa, as coisas ficam muito mais caducas. Toda sociedade evolui de forma natural, mas no Brasil dos últimos tempos tudo parece voltar estranhamente no tempo. Hoje, por exemplo, está muito mais difícil viajar de avião do que há alguns anos. Passagens bem mais caras e muitas paradas até o destino final é o que se tem observado. Piorou e muito. Em Porto Velho, no porto do Cai N’água, há pouco tempo tínhamos um lindo terminal rampeado, moderno e de fácil embarque de passageiros. Hoje temos no barranco escorregadio e íngreme uma ridícula escada de madeira. Passou o tempo e aqui tudo só piorou. Ideias senis trazem também o atraso.
            Outro sintoma de subdesenvolvimento e progresso enviesado: com o horário de verão, até a TV aberta em Rondônia transmite o Jornal Nacional da Rede Globo com uma hora de atraso. Ou seja, como há trinta ou quarenta anos as notícias ainda chegam atrasadas ao nosso Estado. Pouco antes, era tudo ao vivo. Regredimos de novo. Com internet, assiste-se às notícias no portal e dispensa-se o noticiário atrasado. Duvido que em Curitiba ou na Serra Gaúcha jornal seja transmitido com atraso. O Jornal Alto Madeira de Porto Velho fechou as portas depois de cem anos de existência. O lamento foi geral como se as notícias virtuais não existissem. Será que queriam a permanência de um jornal de papel? No mundo inteiro revistas e jornais impressos estão sendo substituídos pela rede. O pensamento reacionário e as ideias anacrônicas são comuns até nas postagens das redes sociais. Aqui, o que parece não mudar nunca é o jeito de votar.




*É Professor em Porto Velho.

domingo, 15 de outubro de 2017

Professor sem vergonha


Professor sem vergonha


Professor Nazareno*

            
          O Brasil tem um dos piores sistemas de educação do mundo. A prova disto está na pouca ou nenhuma leitura de mundo de grande parte de sua população. Burrice é mato num país com mais de 207 milhões de pessoas. Muitos alunos, após doze ou treze anos de escola, mal conseguem escrever o próprio nome. As escolas brasileiras de um modo geral formam só analfabetos funcionais. As públicas geralmente “ignorantizam”, sabotam e “desinstruem” seus alunos, e por isso formam uma massa de alienados e imbecis. Já nas escolas particulares, a situação é um pouco melhor: elas formam apenas os gerentes dessa ignorância e dessa imbecilidade. Ao professor, nesse contexto de fundo de poço, cabe pouca utilidade, embora ele seja cantado em prosa e loas pelos políticos e pelos mais “espertos”. Dia 15 de outubro é um dia somente para lamentos.
            Ser professor no Brasil não é tarefa fácil. Há mais de quarenta anos que milito neste batente e sei as agruras da sala de aula. Pouco reconhecido, sem condições de se especializar, mal remunerado e perseguido em todos os flancos, muitos desses “mestres sem mestrado” se equilibram como podem para ganhar a vida. Se um aluno é bom geralmente é por que é muito inteligente e dedicado. Se é ruim, fraco, desleixado e sem conhecimentos pergunta-se logo: quem é teu professor, criatura? No Brasil, onde a família já decretou falência há muito tempo, cabe aos professores a tarefa de ensinar e educar filhos alheios. E professor não é educador. Uma mãe, sozinha, educa por cem professores. Um aluno, sozinho, quando ler e busca conhecimentos vale por cem mães. Mas todos infelizmente “abrem mão” de suas obrigações e esperam só pelo professor.
            Alunos despreparados, mal educados, sem leitura de mundo, muitos deles oriundos de famílias falidas e sem a menor infraestrutura social são a matéria prima destes profissionais já estressados. Raros são aqueles alunos de boa procedência e que dão valor à profissão. Raríssimos são os que admitem querer seguir a espinhosa faina. Médicos, engenheiros, advogados, psicólogos, políticos e até policiais desdenham de seus mestres nesta data ridícula. Dia do professor? Deem refrigerantes e outros açúcares aos miseráveis para que morram mais cedo vítimas de diabetes. Se o mestre cai em desgraça, geralmente muitos de seus ex-alunos se lembram de alguma coisa errada que ele fez lá no passado e logo se candidatam para depor contra o infeliz. Triste, mas muitos pupilos sem caráter sentem uma espécie de prazer ao ver seu ex-mestre na pior.
            Mesmo assim, nenhum professor devia sentir vergonha de sua profissão. No mundo desenvolvido e civilizado, todos eles são valorizados e sua palavra é uma sentença respeitada. No Japão, ele vale mais do que o próprio imperador. Já no Brasil, são muitos os exemplos de professores agredidos por seus alunos. Em muitos casos já houve até morte desses profissionais, que não têm quase nenhum reconhecimento da sociedade. Nas greves, o miserável apanha sem dó da polícia. Os outros aparelhos repressores do Estado também não lhes poupam. Militarização absurda das escolas, implantação do projeto escola sem partido, censura pura e simples a livros escolhidos por eles, como aconteceu em Ariquemes, dentre muitas outras excrescências é o que se tem visto. Piedoso, criou o Conselho de Classe só para aprovar alunos ineptos. Não é fácil lidar com educação num país de povo imbecil e sem instrução. Mas não desisto!




*É Professor em Porto Velho.

domingo, 8 de outubro de 2017

Catalães, paraíbas e beiradeiros


Catalães, paraíbas e beiradeiros


Professor Nazareno*

            
            O Reino da Espanha vive momentos tensos e turbulentos por causa do desejo de independência da Catalunha. Com aproximadamente oito milhões de habitantes e uma área territorial equivalente à de Alagoas, essa próspera comunidade autônoma alimenta há séculos a vontade de se separar em definitivo do governo central espanhol. Na contramão das ordens emanadas de Madri os separatistas catalães insistem na secessão. Reclamam que mandam muito mais recursos do que recebem. O PIB daquela rica e industrializada região espanhola é de quase um trilhão de reais. Além do mais, os catalães têm língua, História e cultura próprias e Barcelona, sua principal cidade, é reconhecida no mundo inteiro como um dos mais importantes destinos turísticos. Fato: a autodeterminação desse povo mediterrâneo parece ser apenas uma questão de tempo.
            Mas os espanhóis não vão ceder facilmente, pois a separação catalã pode abrir precedentes para outros povos que habitam o território do país: os bascos, que também lutam há anos pela sua pátria, não perderiam a oportunidade. Com uma língua própria, o Euskera, uma cultura e uma História que lhes identificam, além de um ódio secular talvez ainda mais forte aos castelhanos, esse povo não abriria mão de morar no seu próprio e amado País Basco, o Euskal Herria. Ainda há os galegos da Galícia, que falam uma língua muito próxima do nosso Português e nunca negaram o desejo de se separar do governo madrileno. Todos esses povos, além dos asturianos, têm uma forte identidade nacional que os separa dos castelhanos, que veem como estrangeiros. Talvez por isso, renasce no Brasil a onda separatista do Sul do país e também de São Paulo.
            Nenhuma separação daria certo no Brasil. Aqui, além da mesma língua, cultura e História, em todos os Estados a brasilidade é idêntica. Afora um sotaque ligeiramente diferente do outro, o povo do Brasil é um só miscigenado entre brancos, negros e índios. A violência, os péssimos serviços públicos, a indolência e os políticos ladrões são as mesmas pragas que nos perseguem há séculos. Claro que a região Sul do Brasil é mais civilizada e desenvolvida do que todas as demais. Óbvio que o PIB de São Paulo é infinitamente superior a qualquer outra unidade da Federação, mas isto não lhes autoriza a viver de forma independente. Já pensou se Rondônia e a Paraíba, por exemplo, quisessem se separar do restante do país? Não sobreviveríamos uma semana. Paraíbas e beiradeiros não são como bascos, galegos ou catalães. Morreríamos de fome logo, logo.
            É sabido que os Estados das regiões Sudeste e Sul do Brasil sustentam o restante do país. Norte, Nordeste e Centro-Oeste só dão prejuízos à Federação e vivem praticamente da exportação de mão-de-obra e dos seus recursos naturais. A preguiça verificada em muitos destes Estados do Brasil condenaria qualquer povo à fome e ao desespero. Porém, a pujança do Sul foi devido à escravidão e a de São Paulo, principalmente, ao suor de muitos nordestinos. Em Rondônia não há língua diferente, não há cultura própria, muito menos produção de riqueza suficiente para que se viva de forma independente. Na Paraíba é a mesma coisa. A única coisa que diferencia estes dois Estados do restante é o sotaque, muito feio por sinal. Muitos dos políticos de Rondônia e da Paraíba não são honestos. Empata com o Brasil. A violência e o descaso nos serviços públicos nos iguala com o Sul e com São Paulo. Secessão por aqui? Nunca.




*É Professor em Porto Velho.

domingo, 1 de outubro de 2017

Porto Velho: favela de 103 anos


Porto Velho: favela de 103 anos



Professor Nazareno*

           
     Porto Velho, a esquecida e abandonada favela, está aniversariando. Com todo o respeito às favelas, completamos 103 anos. “A velha e doente prostituta continua sendo estuprada e ainda tem que pagar pelo preservativo”. Sem nunca ter sabido ao certo a origem do seu esquisito nome, a cidade acumula neste século de infeliz existência uma série de características bastante peculiares no país e que para nada servem: tem a maior área territorial dentre as capitais brasileiras superando países como a Bélgica, Israel e Eslovênia. É a mais populosa cidade fronteiriça nacional com pouco mais de 500 mil habitantes e é a única capital que faz fronteira com o exterior. Maior município do oeste brasileiro tem o título de cidade onde mais se morre por raios. Como se vê, até a fúria da natureza manda suas descargas para cima do lugar como se aqui fosse amaldiçoado.
            E a cidade é amaldiçoada mesmo, pois em todo este tempo de desventuras, nunca teve um único filho a lhe administrar. Parece uma praga, pois todos os seus prefeitos foram importados e que nunca demonstraram amor ao torrão alheio e distante. Até o atual prefeito, que é de Pernambuco, trabalhou apenas seis meses, tirou férias e foi visitar Disney e Paris em vez de ir a Calama, Abunã, Bandeirantes ou outros distritos mais necessitados. A coisa está tão deprimente por aqui que o porto no rio Madeira, que dá nome à capital, é hoje um barranco escorregadio, escuro, sujo e íngreme como que sugerindo uma infeliz semelhança com a maltratada urbe. Enfim, um porto muito velho mesmo. Triste ironia: hoje os mais ardorosos defensores daqui moram fora e de lá mandam “loas” dizendo hipocritamente que amam o que já há tempos abandonaram.
            Com menos de 3% de rede de esgotos e só com 31% de água tratada, no verão a fumaça das criminosas queimadas dá o tom todo ano ao visual urbano. Desflorestada e sem nenhum planejamento, a capital mais suja do Brasil é cortada por antigos igarapés que já viraram esgotos pútridos escorrendo a céu aberto. Sem porto, sem rodoviária decente e com um aeroporto que quase não tem voos, Porto Velho está repleta de obras eleitoreiras inacabadas. Talvez por isso, muitos forâneos que para cá vêm, sempre voltam ao seu lugar de origem para acompanhar o nascimento de seus filhos ou para celebrar o casamento sempre longe daqui, que escolheram para ganhar dinheiro. Férias de fim de ano? A cidade se esvazia para lotar as praias do Nordeste e também o centro-sul do país, mesmo tendo as passagens aéreas mais caras do que qualquer outro lugar.
            Em 2009 a jornalista Eliane Brum da revista Época escreveu que “Porto Velho é uma cidade que não é daqui”. Nem daqui nem de nenhum outro lugar. Hoje ela não reconheceria mais a currutela fedorenta. Está muito pior do que antes e a cada ano que passa a situação só piora. “Diferente de outras capitais amazônicas, quase não se veem índios. Praças e espaços públicos são escassos, as calçadas são desiguais e pontuadas por lixo. A atmosfera é pesada e triste. Não parece um lugar para pessoas. Ou pelo menos para exercer a cidadania. Assemelha-se a uma cidade de passagem”, escreveu Eliane. A “antessala do inferno” ainda precisa melhorar e muito para ficar ruim. Escura, apesar das três hidrelétricas, violenta, sem mobilidade urbana, suja e sem árvores lembra uma terra arrasada. Para se amar Porto Velho tem que ser cego ou então não ter senso crítico. Quase sem infraestrutura, o lodaçal é sua marca maior. Até quando, Deus?





*É Professor em Porto Velho.