sábado, 22 de fevereiro de 2014

Os “zeróis” da Enchente



Os “zeróis” da Enchente

Professor Nazareno*

        Ultrapassando a incrível marca de 18 metros ainda no mês de fevereiro, a cheia do rio Madeira continua inclemente em 2014. Uma espécie de “indústria da seca” às avessas, esse previsível fenômeno da natureza, talvez turbinado e impulsionado pela desastrosa construção das usinas hidrelétricas e outros fatores antropológicos desnuda de vez a hipocrisia e a “cara de pau” de nós, seres humanos. Mais uma vez acuado pela sua notória incompetência para lidar com as intempéries da natureza, o Poder Público aliado a uma sociedade hipócrita e interesseira procura no meio do caos razões para expiar sua culpa, sua tão grande culpa. No Brasil, as pessoas carentes e necessitadas, geralmente com a conivência desse mesmo Estado inútil, fazem suas moradias em áreas de risco e depois do pior, imploram ajuda aos governantes e à mesma sociedade.
O drama vivido pelos ribeirinhos e suas famílias e por todos os atingidos pelo fenômeno poderia nem estar acontecendo: se prevenir é melhor do que remediar, por que somente as pessoas pobres, geralmente com a “compreensão” de autoridades corruptas e incompetentes, fazem suas moradias em áreas de risco e depois do pior, são abandonadas e jogadas à própria sorte? O drama dos rincões secos do Nordeste e do desbarrancamento de morros no Rio de Janeiro infelizmente se repete na calha do rio Madeira na Amazônia brasileira. E no caso de o pior acontecer nada será feito, pois no Brasil, e particularmente em Rondônia, o Poder Público não está e nem nunca esteve preparado para evacuar as pessoas. Está preparado apenas para evacuar NAS pessoas. Mais miserável ainda é quem depende da ajuda dos outros para sobreviver.
Como ninguém conscientizou os ribeirinhos do perigo que corriam, dar esmolas agora não resolverá o drama de ninguém. Igual aos políticos que tanto desprezamos, estamos dando o peixe e se esquecendo de ensiná-los a pescar. Esse negócio de “Páscoa Solidária”, “S.O.S Ribeirinhos”, “Solidariedade a quem sofre”, “Estenda a mão aos alagados”, dentre outras tolices, inventadas sob medida apenas para massagear o ego de pessoas e entidades civis e religiosas, às vezes, pouco ou nada altruístas, serve também para expiar alguma forma de pecado maior cometido em nome do capitalismo selvagem que tanto corrói a nossa hipócrita sociedade. Diante de autoridades inertes, o preço da gasolina e de outros bens de consumo já subiu por aqui e certamente outras mercadorias também terão um “pequeno acréscimo”. É a outra metade do mundo vendendo lenços.
E todos, “por pura bondade”, querem participar desta corrente de solidariedade humana. Não há Facebook que aguente com tantas fotos. Admiramos quanta gente boa existe por aqui. Como estamos num ano político, desconfia-se de tanta boa vontade. Se em Porto Velho não existisse a Vila Princesa, localizada lá pelas bandas do lixão da cidade, os poucos endinheirados que formam a elite local inventariam outra vila com as mesmas características só para poder praticar o seu altruísmo mensal. Pelo visto, esta enchente não está só trazendo águas barrentas e madeiras apodrecidas. Traz também muita alienação, medo, hipocrisia e falta de solidariedade. Mas brevemente vamos evitar o sofrimento pulando na famosa Banda do Vai Quem Quer. Este ano, vamos ultrapassar os 200 mil brincantes. E os atingidos pela catástrofe? “Ora, eu já dei o quilinho de arroz para eles. Sou do bem, deixe-me pular o carnaval em paz”.



*É Professor em Porto Velho.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Porto Velho, fevereiro de 2032



Porto Velho, fevereiro de 2032

Professor Nazareno*

             A enchente do rio Madeira não dá tréguas. Estamos ainda no mês de fevereiro e as previsões são as mais pessimistas possíveis. Cientistas da Unir, a Universidade de Rondônia, junto com pesquisadores do IPCHSRO, Instituto de Pesquisas em Cheias, Hidrologia e Sujeiras do Estado, já emitiram um alerta às autoridades e à sociedade em geral dando conta de que essa enchente de 2032 pode bater a marca dos 20 metros. As barrentas e caudalosas águas do Madeira já invadiram o camelódromo e outras áreas importantes da cidade e avançam sem dó nem piedade sobre a Avenida Rogério Weber no centro da Capital. Há fortes indícios de que em pouco tempo poderão atingir a Avenida Sete de Setembro bem como outras importantes vias levando o caos para todo o centro e causando transtornos ao trânsito e também sérios prejuízos ao comércio.
            A Bailarina da Praça, Prefeita da cidade, convocou uma reunião de emergência com os seus assessores diretos para debater o problema. A mandatária do município afirmou anteriormente que sua maior preocupação é dar total segurança para os moradores da região que estão sofrendo com a inusitada catástrofe. “A Prefeitura de Porto Velho de tudo fará para socorrer as muitas famílias dos bairros Triângulo e adjacências. Se preciso for, criaremos algo inédito nesta cidade: um novo bairro para abrigar todas as pessoas atingidas pelo fenômeno”, afirmou a Bailarina da Praça. Já a Governadora do Estado, Ana da 8, colocou todo o aparato do seu partido, o PT, bem como a infraestrutura disponível para enfrentar o caos. “Vamos mobilizar toda a sociedade civil e os órgãos do Estado para isso”, afirmou a popular Governadora.
            Roberto Sobrinho, Ministro da Integração Nacional, já confirmou que virá em breve a Porto Velho para acompanhar de perto o problema. Sobrinho deixou claro que esta sua atitude não é por ser este ano um ano de eleições. “O Governo Federal sempre esteve preocupado com os destinos de Rondônia e por isso dará todo o apoio necessário tanto à Prefeita da capital quanto à Governadora”, disse o Ministro. Ele adiantou também que em muito breve começarão as obras para finalizar os viadutos na entrada da cidade, assim como não faltarão recursos para realocar as famílias e finalmente terminar a ponte que liga Porto Velho a Humaitá. Roberto Sobrinho deixou claro que a maior preocupação do Presidente Lula é que não falte farinha d’água em Porto Velho uma vez que os moradores do projeto Joana D’Arc já estão isolados.
            Todos são unânimes em afirmar que esta enchente está nos levando ao caos. Fraldas descartáveis, absorventes femininos usados, lixo, imundícies e garrafas pet já estão boiando por toda a área alagada. “Se a cidade tivesse uma boa infraestrutura sanitária com redes de esgoto, água tratada e coletas de lixo, o problema seria menor”, enfatizou a Prefeita. “Mas estamos trabalhando para resolver o mais depressa possível estes pequenos problemas”, concluiu. A Governadora afirmou que pode até suspender as aulas em toda a rede estadual de ensino da capital para usar as escolas como abrigos temporários. “Podemos reduzir o ano letivo para 100 dias e criaremos escolas com cinco turnos diários se preciso for”, enfatizou Ana da 8. A sociedade está muito preocupada com esta enchente, pois a Banda do Vai Quem Quer pode não desfilar, já que não haverá barcos para todos os brincantes. “Sem carnaval e sem a famosa banda, Porto Velho sucumbiria para sempre”, é o que todos afirmam. O Professor Nazareno, pastor evangélico da Igreja “Ungidos por Cristo” já colocou a estrutura de sua rica congregação para ajudar os atingidos. Vereadores, Deputados Estaduais e as autoridades em geral demonstraram preocupação e boa vontade para ajudar a todos. Sairemos desta.



*É Professor em Porto Velho.