quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Dilma não foi cassada



Dilma não foi cassada

Professor Nazareno*

           
     Passaram-se exatos 52 anos e cinco meses para o Brasil presenciar outro golpe em sua frágil democracia. Antes, em 1964, a elite nacional, sem nenhum escrúpulo ou peso na consciência, usou os militares como “bucha de canhão” para golpear as instituições democráticas e apear do cargo um presidente constitucional mergulhando o país numa longa noite de terror e agonia que durou 21 anos seguidos. Hoje, essa mesma elite usou a Constituição e pretextos jurídicos para golpear não as instituições, mas cassar o mandado de uma presidente democraticamente eleita dois anos antes com 54 milhões de votos. A atual elite não é muito diferente daquela: num ato de pura vingança, os perdedores das últimas eleições presidenciais juntaram-se de forma vergonhosa a notórios corruptos para tentar barrar todas as investigações da Operação Lava Jato.
            Vivi os dois momentos, infelizmente. No primeiro, não tinha discernimento para entender as atitudes insanas dos golpistas. Na escuridão, o medo e a incerteza se seguiram. No segundo, misturei ao mesmo tempo uma estranha sensação de tristeza e de alegria. Tristeza, por ter que presenciar, numa democracia, golpistas se articulando para tomar o poder “de qualquer jeito”. Alegria, por ver um partido político que era a única esperança nacional, virar pó diante de sua fanática militância. O PT, Partido dos Trabalhadores, cavou sua sepultura ao se aliar covardemente à elite que tanto criticava apenas para chegar ao Planalto. O seu insano projeto de poder ajudou-o a ser devorado pela mesma elite. Pior: os petistas não aprenderam com a traição. Nas eleições deste ano ainda estão coligados com os “golpistas” em pelo menos 1683 municípios brasileiros.
       Mas engana-se quem pensa que a ex-presidente Dilma Rousseff foi cassada. Quem foi cassado foi apenas o seu mandato. Como ex-presidente, ela continuará com muitos privilégios. E se quiser, pode até concorrer nas atuais eleições municipais já que, numa manobra tipicamente brasileira e totalmente fora da Constituição, não perdeu os direitos políticos. Num gesto de pena, já que a mandatária não cometeu crime algum, a sua inabilitação política foi “esquecida” pelos golpistas. E como quem não comete crime não deve ser condenado, configura-se aí o golpe que querem negar. Se esse impeachment tivesse sido algo realmente sério, a Constituição Federal deveria ter sido cumprida à risca. Já pensou se ela quiser concorrer pelo PT à prefeitura de Porto Velho, a capital de Roraima? E ela pode, já que aqui todos os acrianos votariam em peso nela.
               E Dilma, a guerreira incansável do povo brasileiro, não se fez de rogada nem se deu por vencida, ainda.Eles pensam que nos venceram. Haverá contra eles a mais determinada oposição que um governo golpista pode sofrer. Essa história não acaba assim. Nós voltaremos”, afirmou convicta, logo após o festivo processo. Depois dessa jabuticaba política o que devo dizer futuramente a meus netos? Simples: direi que não compactuei com a farsa e que fiquei sempre ao lado da democracia, por quem temi e ainda temo, pois não se sabe o que vem pela frente. Um pacote de maldades como vingança? Ou devo dizer que “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”? Como meus netinhos vão entender que apenas 61 pessoas puderam decidir e mudar o que mais de 54 milhões determinaram antes? Melhor: direi que tive a certeza de que a nossa bandeira não seria mais vermelha. Eles, como os reacionários, ficarão felizes.





*É Professor em Porto Velho.

domingo, 28 de agosto de 2016

O povo ainda gosta do PT



O povo ainda gosta do PT

Professor Nazareno*

            A ex-presidente Dilma Rousseff deve deixar brevemente o governo em definitivo. Lula e grande parte dos dirigentes petistas devem passar por “maus bocados” devido a suas participações no Mensalão e também no escândalo da Petrobras. O PT, o outrora forte Partido dos Trabalhadores, deve encolher drasticamente nas próximas eleições municipais. Muitos candidatos petistas estão simplesmente mudando as cores do partido e com vergonha de dizerem que pertencem à sigla. A “demonização” do primeiro partido de esquerda a chegar ao poder supremo no Brasil em 502 anos de história virou rotina entre as classes dominantes e os reacionários de carteirinha. A preocupação de muitos candidatos atualmente não é mostrar suas possíveis realizações se eleitos, mas apenas “descer o malho” em cima dos candidatos da estrela vermelha.
            Não se pode aqui tecer loas ao PT e a seus seguidores, pois ninguém roubou mais (nem menos) do que seus dirigentes e filiados. Os governos petistas se aliaram vergonhosamente à elite que tanto criticavam e fizeram coisas até piores do que ela, mas só deixarão o poder por meio de um golpe parlamentar urdido pela direita conservadora com o aval de um Congresso Nacional repleto de maus feitores e de políticos escroques, quase todos alinhados com o pensamento conservador. O povo, como sempre, ficou de fora. Nas últimas eleições presidenciais há menos de dois anos, Dilma e o PT tiveram nada mais nada menos do que 54 milhões de votos. Só que 367 deputados federais e pouco mais de 50 senadores vão decidir o destino da primeira mulher eleita presidente do país. Ruins de votos, caciques do PMDB e do PSDB assumem o poder em definitivo.
            Em Porto Velho, apesar do ódio e da rejeição que muita gente ainda nutre pelo ex-prefeito Roberto Sobrinho e pelo PT, a primeira pesquisa do Ibope mostrou o que muitos “coxinhas” não esperavam: Sobrinho dispara na frente de todos os outros candidatos com expressivos 22% da preferência popular. Claro que se o petista for eleito mais uma vez prefeito de Porto Velho, a direita dará um jeito de tomar-lhe o poder para entregar a quem não teve os votos do povão, como está fazendo a nível nacional. E não adianta dizer que a pesquisa foi comprada e que os entrevistados eram pessoas pouco confiáveis. O que foi que o PT fez na capital dos rondonienses para merecer tamanha aprovação? Se a administração petista foi um desastre, como explicar estes números? Por que os conservadores não aceitam o óbvio? Doeria bem menos!
            O povo não gosta de sofrer como muitos pensam, gosta de quem lhe dá ouvidos e atenção. E o PT, mesmo roubando, prevaricando, mentindo, iludindo, sacaneando, sempre esteve ao lado dos mais pobres e oprimidos. Deixou-os andar de avião, mandou-os para as universidades públicas, deu-lhes médicos, casas, matou-lhes a fome, deu-lhes voz e destaque. O PT não é um bom partido político, mas qual das atuais agremiações políticas do Brasil o é? O PSDB é elitizado ao extremo e com o seu neoliberalismo oco despreza o pobre e a pobreza. O PMDB, com o Michel Temer, está no terceiro Presidente da República sem ter tido um único voto popular para isso e praticamente nada fez de bom para o Brasil. Os partidos nanicos só servem para alugar suas siglas. O povo sabe que o PT não presta, assim como todos os outros partidos do país, mas ainda o ama e lhe quer. E se o PT não tivesse imitado a elite, quem lhe teria tomado o poder?


*É Professor em Porto Velho.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Uma ofensa às favelas



Uma ofensa às favelas

Professor Nazareno*

            Entrevistas com os candidatos a prefeito de Porto Velho publicadas em um site de notícias local deram o que falar. Indagados se a “capital dos destemidos pioneiros” se parecia com uma favela, todos eles responderam em tese que não, como se favela fosse o pior dos mundos, um lugar que deveria a todo custo ser evitado. Pelas respostas indignadas, até parece que os políticos portovelhenses não precisam do voto dos favelados e que favela (ou comunidade) é o verdadeiro inferno na terra. Não levaram em conta, talvez, que moradores destas localidades além de ser parte de seus eleitores, são na maioria das vezes cidadãos honestos, honrados, probos e trabalhadores decentes que merecem todo o respeito. Pior, sob determinados pontos de vista comparar Porto Velho a uma favela é um total desrespeito, um acinte e uma injustiça às favelas.
            Em limpeza, saneamento básico, coleta de lixo e oferta de água tratada, por exemplo, a capital dos rondonienses é um lugar inabitável, miserável e inóspito se observarmos algumas favelas do Brasil. A sujeira e a imundície das ruas e avenidas daqui nos colocam em posições nada invejáveis. O Instituto Trata Brasil divulga anualmente o ranking do IDH das cem maiores cidades do país. Este ano, para se ter uma ideia, Porto Velho ficou na posição 99ª ganhando apenas de Macapá, capital do Amapá. Com apenas 2,7% de esgoto e pouco mais de 30% de água tratada, é como se os aproximadamente 500 mil moradores daqui morassem em Porto Príncipe no Haiti ou em qualquer outra cidade da África subsaariana. Nenhuma favela do Brasil praticamente apresenta números tão dantescos e absurdos como esses. Somos o esgoto do Brasil.
            Heliópolis, a maior favela de São Paulo, tem segundo a Unas, União de Núcleos, Associações e Sociedade de Moradores de Heliópolis e São João Clímaco mais de 75% de infraestrutura urbana. A Sabesp comprova que ali há 100% de abastecimento de água e 77% de coleta de esgoto e de acordo com a Secretaria de Serviços Urbanos da capital paulista quase 100% da favela tem iluminação pública. Esses números nem de longe podem ser comparados com os da capital de Rondônia. Seríamos felizes se fôssemos uma favela. No Rio de Janeiro, a Rocinha, maior favela do Brasil, tem números de saneamento básico que também impressionam. De acordo com o IBGE, pelo menos 78% das residências daquela comunidade estão ligadas à rede de esgotos ou águas pluviais, 91% à rede geral de distribuição de água e 96% aos serviços de limpeza.
            Já em Belo Horizonte, Minas Gerais, a favela Aglomerado da Serra tem números também excepcionais se comprados aos de nossa capital. Pelo menos 93% dos moradores daquela localidade têm água encanada, 95% têm energia elétrica e a coleta de lixo chega a 60%. Por tudo isso, Porto Velho é muito pior do que uma favela. Sem nenhuma qualidade de vida, violenta (são 98 assaltos por dia), sem planejamento urbano, sem arborização, quente, sem água tratada, sem esgotos, cheia de obras eleitoreiras e inacabadas este município devia ser transformado em distrito ou então entregue aos bolivianos para ver se tinha mais sorte. A “cidade cem anos” é mais velha do que Maringá, Londrina, Palmas, Goiânia e Brasília. Os futuros administradores têm muito que fazer por este lugar, mas não farão. E nem serão cobrados pelos moradores, que deviam se acanhar e não permitir mais ofensas às urbanizadas favelas do Brasil.



*É Professor em Porto Velho.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Um choque DIGESTÃO



Um choque DIGESTÃO

Professor Nazareno*

            Em 2012 estive na Escandinávia e visitei uma cidade “pra lá” de surreal na Noruega. Trata-se de Bergen, situada na costa oeste do país entre os gelados fiordes do Atlântico Norte. Com cerca de 500 mil habitantes, é um daqueles lugares ermos e sem sentido que jamais pensaríamos que pudesse existir. Mas existe. Só que é uma espécie de cu do mundo, sem eira nem beira. Apesar da prosperidade daquele país escandinavo, em Bergen não tem qualidade de vida e seus moradores não têm do que se orgulhar. A cidade é uma desgraça só. No rápido verão, a poeira das ruas tortas e sem asfalto toma conta dos pulmões das pessoas. A fumaça das queimadas é um tormento naquela região pobre e inóspita. No inverno é só lama e podridão. Bergen terá eleições este ano assim como toda a Noruega. O problema até agora é o baixíssimo nível dos candidatos.
            Infelizmente todos os políticos que querem ser prefeito dali não apresentam a menor condição para administrar a cidade escandinava e nenhuma outra cidade também. As promessas características e mentirosas já começaram. Os tolos e simplórios eleitores “berguenses” acreditam em todo tipo de papo furado alheio. Um dos candidatos, por exemplo, prometeu um choque DIGESTÃO para arrumar a cidade. Isso talvez pelo fato de o município ser uma merda. Ou então é por que quando ganhar, ele vai espalhar toneladas de fezes por todos os cantos da imunda municipalidade. Já outros dizem que é por que os habitantes locais há tempos esperam ansiosamente por uma chuva de bosta e o esperto candidato estaria só antecipando os fatos. Ironia: um dos pratos favoritos ali é um peixe que se alimenta de excremento humano. Já os outros candidatos são hilários.
            Há alguns deles que já puxaram até cadeia, mas mesmo assim gozam de muita popularidade entre os estúpidos eleitores. Acusados de corrupção, incompetência, desmandos e desvios de dinheiro público chegaram até a trocar de nome e mudar a aparência só para enganar a tosca opinião pública local. Na Noruega a corrupção é tão grande que já faz parte da cultura do país. Até membros da mais alta corte da nação são acusados de ilicitudes. O sistema político norueguês é viciado e cheio de falhas, por isso em Bergen tudo é encarado com a maior naturalidade do mundo. Candidatos compram votos e eleitores vendem votos na maior cara de pau. Financiamento de campanha na cidade, e em todo aquele país escandinavo, sempre foi a “casa da mãe Joana”. Todo mundo sabe quem dá e quem empresta grana para o pleito, mas ninguém se incomoda.
            Por ser o “furico do mundo”, a capital do oeste norueguês não tem atração turística nenhuma. Há, no entanto, inúmeras obras inacabadas espalhadas pela cidade como que atestando a incompetência dos homens públicos locais. Porém, em tempos de eleições como agora, muitas dessas obras estão sendo tocadas “a toque de caixa” para dar a impressão de que na cidade as autoridades trabalham em benefício da população. Muitos noruegueses sequer sabem da existência desta cidade tão distante dos grandes centros do país. Morar em Bergen é como se fazer um estágio para o inferno. Tudo ali é diferente. A cidade não tem nem nunca teve cultura e nem uma única manifestação de saber e civilidade. A discussão política que mobiliza a todos no momento é para saber se Bergen é uma favela ou não. Essa comparação é um total desrespeito às favelas, claro, mas muitos habitantes locais acham que a cidade é um jardim florido. Pode isso?



*É Professor em Porto Velho.