terça-feira, 22 de abril de 2014

Brasil 514 anos, do caos ao caos



Brasil 514 anos, do caos ao caos

Professor Nazareno*

       Há exatos 514 anos, com o advento das grandes navegações, acontecia uma das piores desgraças da história da Humanidade: a descoberta do Brasil por navegadores portugueses. Até hoje, mais de meio milênio depois, ainda não se sabe se foi de forma intencional ou uma simples obra do acaso. O fato é que os descobridores portugueses imediatamente se encarregaram de dar à colônia o seu destino cruel: serviria como terra de exploração e também como lugar acolhedor da escória portuguesa: para cá foram enviados ladrões, arruaceiros, prostitutas, malandros, assassinos, estupradores e toda a espécie de delinquentes que habitavam as terras lusitanas. Estava assim projetada a espinha dorsal da futura gente que ao lado de escravos africanos e dos silvícolas nativos formaria a população de um dos países mais problemáticos da atualidade.
            E a nova terra assim continuou, “sem eira e nem beira”, durante mais de três séculos servindo como colônia de um dos países mais fracassados da Europa. Embora toda espécie de colonização seja uma desgraça, principalmente para o colonizado, bem que podíamos ter sido descobertos e colonizados por ingleses, franceses, holandeses ou mesmo japoneses. Teríamos até nos livrado desta língua chinfrim e sem nenhuma importância no mundo moderno: o Português. A partir da Independência em 1822 por um príncipe regente de Portugal, até os dias de hoje, nada se viu de futuro no país. A própria libertação do julgo português se deu muito mais pela vinda da Família Real para cá, fugindo covardemente de Napoleão, do que por bravura de alguém aqui nascido.
            Hoje, com mais de 200 milhões de pessoas à espera de um herói salvador, a rotina do Brasil é a mesma de cinco séculos atrás: o país do futuro. Passamos pela abolição dos escravos, fomos vergonhosamente o último país das Américas a fazer isto, pela Proclamação da República e vimos a implantação do Comunismo, do Nazismo, as duas Guerras Mundiais, a Guerra Fria, a Guerra ao Terror, o neoliberalismo e nada mudou por aqui: temos uma das piores desigualdades sociais do planeta embora sejamos um dos maiores produtores de alimentos, commodities e riquezas do mundo. Mesmo já tendo sido governado por ditadores, coronéis, fazendeiros, trabalhadores, neoliberais e analfabetos, a miséria e a desigualdade social sempre deram o tom à nação.
            O Brasil de hoje é a síntese do atraso e do subdesenvolvimento. Pátria apenas do futebol e do carnaval, seus mais reconhecidos produtos de exportação são “perna de jogador e bumbum de mulheres vadias”. Nunca ganhamos um prêmio Nobel, um Oscar ou qualquer outra comenda internacional de grande relevância. Não temos a bomba atômica, nossas autoridades são pífias e quase também não temos Forças Armadas. Nossa educação, de apenas um único turno para os alunos, é uma das piores que há e praticamente só forma analfabetos funcionais sem nenhuma visão de mundo. Nossa violência não tem parelha, nem em países em guerra. Nosso trânsito é caótico, nossos políticos são os mais ladrões e desonestos que se conhecem. Aqui só se pensa de forma individual. Nossa corrupção é endêmica: quase toda a produção do país é desviada por políticos canalhas que são amados pelo povão analfabeto. O lixo campeia em nossas violentas ruas e avenidas. Pensando bem: os portugueses deviam ter-nos deixado com os índios. Hoje, estaríamos numa situação bem melhor.  E falando Tupi, ou outra língua.




*É Professor em Porto Velho.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Ovo de serpente prestes a chocar



Ovo de serpente prestes a chocar


Professor Nazareno*

          Estou com muito medo mais uma vez: o espectro da censura volta a rondar perigosamente o país. Mesmo não sendo, por enquanto, algo oficial e que por isso não tem nenhum respaldo moral uma vez que a própria Constituição Brasileira, no seu artigo quinto não permite, há várias escaramuças nesse sentido vindo exatamente das entranhas do próprio Governo do PT, de partidos que lhe dão sustentação como o PSOL e o PC do B e de boa parte da opinião pública alienada e manipulada por interesses escusos. Como se não bastasse a absurda tentativa de se criar uma espécie de Conselho Regulatório da Imprensa, ideia acalentada pelo ex-presidente Lula, eis que agora surge com mais força ainda o desejo de calar à força (pelo menos econômica) as poucas vozes destoantes numa democracia que foi conquistada “há pouco tempo e a muito custo”.
A volta da censura só interessa a dois tipos de pessoas: logicamente àqueles que dela se beneficiam e aos ingênuos, a grande maioria dos brasileiros, que ainda acreditam que o Estado só a usaria para alguns poucos fins. Vários casos têm sido verificados no país inteiro ultimamente e que justificam o nosso presente temor. A começar pela aprovação do Marco Civil da Internet e da demissão sumária do jornalista Paulo Eduardo Martins, comentarista da Rede Massa, afiliada do SBT no Paraná. Paulo Eduardo é um crítico ferrenho do governo Dilma e também do PT. Seus ácidos comentários irritaram a cúpula petista naquele Estado e também em Brasília, e o canal de televisão paranaense foi ameaçado de perder todas as verbas publicitárias oficiais. Boatos afirmam que a Rede Massa já teria voltado atrás e recontratado o profissional.
Porém, o caso mais emblemático e que causou uma espécie de comoção nacional foi o “cala boca” imposto pelas autoridades de Brasília à jornalista paraibana Raquel Sheherazade do SBT. Âncora do jornalismo da emissora de Sílvio Santos, Sheherazade nunca poupou críticas contundentes ao Governo Federal e sempre tinha opiniões polêmicas sobre os mais variados temas incluindo política de direitos humanos e justiça com as próprias mãos. Para falar a verdade, nunca concordei com pelo menos 90 por cento das opiniões da jornalista, sempre achei sua posição ultrapassada e anacrônica, mas censurá-la em pleno regime democrático é um absurdo maior ainda. Para quem não concordasse com as teses da comunicadora, o uso do controle remoto seria a melhor arma. Proibida (financeiramente) de dar opiniões, ela agora somente vai ler as notícias.
O medo se justifica ainda mais porque vários artistas nacionais como Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Djavan dentre outros, que ganharam fama e notoriedade combatendo a censura, os desmandos e a feroz Ditadura Militar, recentemente “mostraram as unhas” no caso da proibição das biografias. Quem lutou contra os ditadores chegou ao poder denunciando tudo o que está fazendo agora. A censura é um perigo, uma excrescência, uma anormalidade. Tudo começa com “o filme que para uns pareceu agressivo; a novela com cenas picantes; o político da oposição; o texto que critica as autoridades. Começa-se aceitando que alguém seja censurado, seja calado à força. Depois, não há mais como segurar as consequências desse ato”. O ovo da serpente não pode eclodir, pois teremos a volta das trevas. Ainda no Século Dezoito, Voltaire, famoso iluminista francês, deu-nos uma grande lição sobre Liberdade de Expressão que, parece, não foi aprendida por muitos brasileiros deste século. Será que ainda vivemos num tempo antes do Iluminismo? Deus nos livre de mais esta desgraça.



*É Professor em Porto Velho.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Holocausto no Baixo Madeira



Holocausto no Baixo Madeira

Professor Nazareno* 
               
                As águas do rio Madeira finalmente neste início de abril de 2014 já dão claros sinais de baixada. Depois de alcançar a incrível marca de 19,72 metros em Porto Velho, a histórica enchente ficará para sempre marcada nos corações e mentes de todos os ribeirinhos que pacificamente sempre habitaram durante décadas e até séculos as margens deste caudaloso, imprevisível e indomável rio. Da capital do Estado até a divisa com o Amazonas no rio Maici, dentro dos limites de Rondônia, o único cenário que se vislumbra é o de terra arrasada. Excetuando-se os poucos lugares mais altos como Nova Esperança, Aliança, Tira Fogo e Cavalcante, não restará em pé uma única casa, vila, povoado e até distritos inteiros. Incontrolável em sua fúria, o Madeira continua a sua saga adentrando em quilômetros a mata de igapó que lhe margeia.
            Sem nenhuma culpa pelo Armagedon atual, o “rio das madeiras” apenas segue o seu roteiro já traçado pela mãe natureza. Atiçado e provocado pela ambição humana, culpá-lo por esta catástrofe é o mesmo que dizer que os responsáveis pelo extermínio em Auschwitz-Birkenau, Sobibor e Treblinka durante a Segunda Guerra seriam somente os gases ou as armas usadas nas execuções e não o maldito “bicho homem”. A simpática vilazinha de São Carlos, por exemplo, foi simplesmente varrida do mapa. Não sobrará uma única casa em pé. Cenário de um bombardeio aterrorizante, seus habitantes talvez sejam transferidos para outro lugar ainda incerto. Tudo perdido, destruído, levado pelas águas ou aterrado pela lama inclemente. Só restarão destroços e dor. Muita dor. Poucos quilômetros mais abaixo, Nazaré, a terra das melancias e da alegria, terá idêntico fim.
            Em todo o Baixo Madeira, depois da hecatombe, não restará pedra sobre pedra. Cujubim, Brasileira, Volta do Capitari, Santa Catarina, Pombal, Boa Hora, São José da Praia, Conceição do Galera, Firmeza, Santa Rosa, Espírito Santo, Papagaios, Ilha de Assunção, dentre outras localidades, serão simplesmente extintas e desaparecerão para sempre. Todos estão alagados e submergidos e só se vê a cumeeira de suas humildes casas. Plantações inteiras estão devastadas e nada mais se aproveita. Impossível segurar a dor e o pranto quando se depara com aquela, agora, terra de ninguém. Pior do que os campos de extermínio, essas localidades nem para a História entrarão: seus pobres, humildes e esquecidos habitantes não têm e nunca tiveram importância nenhuma que justifique qualquer espetáculo televisivo. Para o mundo dito civilizado, sequer existem.
            Em Calama a situação não é muito diferente. Beneficiada pela natureza, que lhe presenteou com alguns pedaços de terras gerais, os bravos moradores de lá se organizam e se ajudam como podem. Solidariedade é a palavra de ordem entre quase todos os habitantes da aconchegante vilazinha que teve setenta por cento de suas terras alagadas. Ali é consenso entre os moradores “que estamos diante de um dos maiores desastres ambientais da História da Humanidade”. Nem os animais silvestres escaparam do horror. Por isso, muitas pessoas evitam comer carne de caça, já que “aqueles animais encurralados pelas águas estavam pedindo a Deus que lhes salvassem do afogamento certo”, é o comentário que mais se ouve. Enquanto o Holocausto teve responsáveis que foram punidos, essa enchente não tem culpados. Dois santos apenas podem responder futuramente pelo desastre: São Pedro ou Santo Antônio. A briga agora é saber com qual deles ficará a culpa pela devastação, prejuízos e mortandade jamais vistos por aqui.



*É Professor em Porto Velho.