Madeira,
cadê tuas águas?
Professor
Nazareno*
Sumiram!
E estão incrivelmente diminuindo a cada ano que passa. Devem estar represadas
nas duas grandes hidrelétricas que, sem o meu consentimento, fincaram em meu
leito: Santo Antônio e Jirau. E pelo que sei, lá ainda não está faltando água para
gerar energia elétrica nelas, enquanto à jusante, o desespero já toma conta dos
ribeirinhos. Daqui a pouco tempo estarei totalmente assoreado, moribundo e
morto como muitos dos rios do Nordeste: sem um só fio de água em meu leito.
Ouço falar que já estão até cavando poços artesianos em algumas das localidades
que antes eu banhava com bastante água potável. Mas de certa forma estou feliz,
pois sei que isso que fizeram comigo foi para o bem dos meus irmãos de Porto
Velho e de Rondônia. Eles agora têm muita energia boa e barata. Sem mim, essa “fartura”
seria impossível. Morri, mas para dar vida ao povo daqui.
Depois
que as hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau chegaram à Rondônia, as coisas
só melhoraram no estado e também na capital. Porto Velho não para de crescer e
de se desenvolver em todos os sentidos. Vejam, por exemplo, a qualidade de vida
que se tem por aqui depois dessas usinas. Por isso, acredito que o meu
sacrifício e a minha morte não serão em vão. A área ribeirinha no baixo Madeira
virou um paraíso com tanta bonança e tanta prosperidade. As pessoas que
gritavam a todo pulmão “Hidrelétricas, já!” deviam receber
um prêmio por terem acreditado no progresso e na abundância. Hoje a população
daqui terá uma rodoviária nova, terá um “Built to Suit”, tem
arborização e tudo indica que em pouco tempo terá quase 3% de saneamento básico
e de rede de esgotos. Água potável? Mesmo com pouca oferta estarei à disposição
para suprir toda a demanda local.
Sou
um pobre rio em extinção ou em vias de desaparecer para sempre, mas muito tranquilo
por ter ajudado meus conterrâneos em todas as suas necessidades. Vejam o caso
da Ceron, a antiga Centrais Elétricas de Rondônia. Foi substituída pela
altruísta e idônea Energisa. Com esta holding de energia elétrica atuando neste
pujante estado, vê-se diariamente jorrar “mel e leite” das
ruas de todas as cidades que ela tão bem ilumina. Em Porto Velho, para se ter
uma ideia, às vezes não se sabe o que é dia nem o que é noite. Em alguns
bairros, as pessoas têm que usar óculos escuros durante a noite para não
ficarem ofuscadas com tanta claridade. E o preço que se paga par isso? Quase
nada! Só que o restante do Brasil não pode saber nada disto, para evitar uma
explosão de turistas e também de imigrantes buscando a felicidade nestas longes
terras. Todo cuidado é pouco.
Porém,
com pouca água em meu leito, a navegação pode ficar comprometida. A ligação com
Manaus pode correr risco. Mas não terá problema algum: as mesmas pessoas que
clamaram pelas hidrelétricas clamam agora pela recuperação da BR-319. A
produtiva classe política de Rondônia poderia até ajudar nesta tarefa. “Tá
na cara” que essa vital estrada só vai trazer mais desenvolvimento e muito mais
riqueza para Porto Velho. Acho até que deviam matar todos os rios da região e neles
se colocavam asfalto para turbinar a indústria automobilística do país. Mesmo
moribundo e agonizando à beira da morte certa, gostaria que o garimpo de ouro
logo voltasse para as minhas águas. Já pensou a minha felicidade em ver toda
aquela “fofoca” que tanto enriquece as pessoas pobres daqui? O mercúrio
em minhas entranhas me enobrece e mostra ao mundo toda a minha utilidade. Em
meu epitáfio gostaria que desenhassem um barco ou até uma canoa como lembrança.
*Foi Professor em Porto Velho.
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