sábado, 13 de julho de 2024

Madeira, cadê tuas águas?

Madeira, cadê tuas águas?

 

Professor Nazareno*

 

            Sumiram! E estão incrivelmente diminuindo a cada ano que passa. Devem estar represadas nas duas grandes hidrelétricas que, sem o meu consentimento, fincaram em meu leito: Santo Antônio e Jirau. E pelo que sei, lá ainda não está faltando água para gerar energia elétrica nelas, enquanto à jusante, o desespero já toma conta dos ribeirinhos. Daqui a pouco tempo estarei totalmente assoreado, moribundo e morto como muitos dos rios do Nordeste: sem um só fio de água em meu leito. Ouço falar que já estão até cavando poços artesianos em algumas das localidades que antes eu banhava com bastante água potável. Mas de certa forma estou feliz, pois sei que isso que fizeram comigo foi para o bem dos meus irmãos de Porto Velho e de Rondônia. Eles agora têm muita energia boa e barata. Sem mim, essa “fartura” seria impossível. Morri, mas para dar vida ao povo daqui.

            Depois que as hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau chegaram à Rondônia, as coisas só melhoraram no estado e também na capital. Porto Velho não para de crescer e de se desenvolver em todos os sentidos. Vejam, por exemplo, a qualidade de vida que se tem por aqui depois dessas usinas. Por isso, acredito que o meu sacrifício e a minha morte não serão em vão. A área ribeirinha no baixo Madeira virou um paraíso com tanta bonança e tanta prosperidade. As pessoas que gritavam a todo pulmão “Hidrelétricas, já!” deviam receber um prêmio por terem acreditado no progresso e na abundância. Hoje a população daqui terá uma rodoviária nova, terá um “Built to Suit”, tem arborização e tudo indica que em pouco tempo terá quase 3% de saneamento básico e de rede de esgotos. Água potável? Mesmo com pouca oferta estarei à disposição para suprir toda a demanda local.

            Sou um pobre rio em extinção ou em vias de desaparecer para sempre, mas muito tranquilo por ter ajudado meus conterrâneos em todas as suas necessidades. Vejam o caso da Ceron, a antiga Centrais Elétricas de Rondônia. Foi substituída pela altruísta e idônea Energisa. Com esta holding de energia elétrica atuando neste pujante estado, vê-se diariamente jorrar “mel e leite” das ruas de todas as cidades que ela tão bem ilumina. Em Porto Velho, para se ter uma ideia, às vezes não se sabe o que é dia nem o que é noite. Em alguns bairros, as pessoas têm que usar óculos escuros durante a noite para não ficarem ofuscadas com tanta claridade. E o preço que se paga par isso? Quase nada! Só que o restante do Brasil não pode saber nada disto, para evitar uma explosão de turistas e também de imigrantes buscando a felicidade nestas longes terras. Todo cuidado é pouco.

            Porém, com pouca água em meu leito, a navegação pode ficar comprometida. A ligação com Manaus pode correr risco. Mas não terá problema algum: as mesmas pessoas que clamaram pelas hidrelétricas clamam agora pela recuperação da BR-319. A produtiva classe política de Rondônia poderia até ajudar nesta tarefa. “Tá na cara” que essa vital estrada só vai trazer mais desenvolvimento e muito mais riqueza para Porto Velho. Acho até que deviam matar todos os rios da região e neles se colocavam asfalto para turbinar a indústria automobilística do país. Mesmo moribundo e agonizando à beira da morte certa, gostaria que o garimpo de ouro logo voltasse para as minhas águas. Já pensou a minha felicidade em ver toda aquela “fofoca” que tanto enriquece as pessoas pobres daqui? O mercúrio em minhas entranhas me enobrece e mostra ao mundo toda a minha utilidade. Em meu epitáfio gostaria que desenhassem um barco ou até uma canoa como lembrança.

 

                         

                        *Foi Professor em Porto Velho.

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