quarta-feira, 12 de maio de 2010

O João Paulo Segundo ainda é "um açougue"


“Comadre Safira estava no João Paulo II”


Professor Nazareno*


Poucos rondonienses conhecem a Comadre Safira. Eu conheço. Ela tem uns 70 anos e nasceu na Ilha de Assunção no rio Madeira. Além de negra, é rondoniense nata e tem um trabalho prestado a esta terra muito maior do que qualquer Governador, autoridade de Estado ou político. Seu nome completo é Maria Safira de Paula Pimenta. Parteira experiente, já fez segundo as suas contas, muito mais de 300 partos. E ainda continua fazendo. Além do mais é uma “médica” pediatra, ortopedista, ginecologista, e todos os “istas” que se imaginem. Mora no bairro São Francisco em Calama numa casinha simples, de tábuas e coberta de palhas e cuja cozinha ainda tem piso de paxiúba, sem banheiro, água encanada, ou qualquer conforto que nós conhecemos e veneramos. Porém, muitos ainda dependem de seus honrosos trabalhos.

Com problemas circulatórios, ela adoeceu. Perna esquerda inchada, dificuldades para andar, teve que se deslocar até Humaitá no Amazonas. Quiseram-lhe amputar a perna. Teimosa, não deixou. Na sua mente ainda restava Porto Velho. Ainda restava o Hospital João Paulo Segundo. Incrível, mas ela confiava no nosso único hospital de pronto socorro. Minha comadre viu poucos hospitais em sua vida... Internada naquele moquifo durante 16 dias, fui visitá-la. Vi o que sabia, mas não acreditava que pudesse existir nem nos países em guerra. Contei 18 “leitos” esparramados pelo chão sujo daquilo que insistem em chamar de hospital. Não vi pessoas, mas rebotalhos, restos de gente que há muito perderam sua essência, sua dignidade, suas esperanças. Não vi ninguém de posses, só habitantes da periferia. E todos eleitores da Dilma, Cassol, Serra...

Mas tive tempo de dizer para a minha comadre que os rondonienses vão construir um estádio de futebol em Porto Velho com o pomposo nome de Terceiro Milênio e se descrito em números, os dados de mais esta obra faraônica serão os seguintes: capacidade para 40 mil pessoas, sendo 5.000 para autoridades, imprensa e pessoas com deficiência; camarotes com 1.000 lugares; sala para a imprensa com 200 lugares, “Business Seats” com 1.100 lugares, Tribuna de Honra com 100 lugares; Camarotes vips com 1.500 cadeiras; “Business Seats” (Vip) com 220 lugares. Além da estrutura que atende modalidades desportivas, outros ambientes serão construídos para receber diversos eventos. Ela não sabe o que é nada isso. Poucos rondonienses sabem. Nem os mais letrados. É tudo em inglês. Talvez só os nossos moto-taxistas saibam.

Disse a ela acreditar que não haja dinheiro público envolvido nesta aventura tresloucada. Só dinheiro vadio, aquele que os donos não têm pena de gastar. De fato, construir estádio de futebol numa terra onde não há futebol é o mesmo que instalar fábrica de geladeira no Pólo Norte. Será que Genus e Shallon levarão 40 mil idiotas para lá? Depois da ponte sem estrada, só faltava essa lorota para encantar os rondonienses. De coisas que não funcionam já temos o Ginásio de Esportes (?) Cláudio Coutinho que só serve mesmo para shows, alojamentos e exposições de flores. Ainda bem que ela não perguntou por que faltava tanta energia na “cidade das hidrelétricas”. Não saberia responder e muito menos por que estão fazendo este “oba-oba” com o dinheiro do PAC. Será que é por que somos otários mesmo já que acreditamos em tudo?

Antes de me despedir disse-lhe que este ano tem eleições e que já vi muitos políticos sanguessugas rondonienses fazendo campanha nas “barbas da Justiça” e tendo até apoio da mídia. Ela me disse que em Calama tem muitas sanguessugas também. Ela melhorou e quando a vi novamente, estava no barco a caminho de sua humilde terra. Não entendeu que é imoral e indecente construir besteiras com o dinheiro público e ainda me perguntou aos gritos para quê serviriam as sanguessugas. Disse-lhe, também gritando, que só depois das eleições é que o povo iria saber, pois sentiria na carne a conseqüência do voto. O barco “Caçote” sumiu entre a floresta e as águas barrentas do Madeira. Minha comadre está feliz, pois parece que fez algumas amigas lá no João Paulo Segundo: se não me engano, seriam a esposa de um desembargador, a filha de um juiz aposentado da capital, e uma parenta de um ex-governador, todas também internadas lá.


*Leciona na escola João Bento da Costa em Porto Velho.


9 comentários:

José Maria Botelho disse...

Nada me assuta mais nessas terras de Rondonia. Desde que Pedro Alvares Cabral aportou na América, abaixo do Equador e que Ney Matogrosso cantou que "não existe pecado rasgado ao sul do equador" - não sei se a referencia é ao Equador geográfico ou se é ao equador corporal, dele -, tambem desde que os sem terras do sul (do Br) aqui aportaram, tambem aqui, aprontaram. So sei que cada dia que passa Rondonia se parece mais com uma paisagem onde vivem elefantes. Para os agriculturores daquelas paragens os elefantes não são nada atrativos, são ameaças à vida. Em Rondonia, a manada de elefantes (brancos) cresce de mandato para mandato político. Entretanto os sonhos de viver numa sociedade justa, em segurança, convivendo de maneira cidadã no mais alto sentido do termo são ofucados pelo pesadelo dos elefantes "branco" que, após o brilho da inauguração se ofuscam no esquecimento.

Criar elefante branco é mais alta ambição, da qual se vangloriam "nossos" políticos: Cieps, no RJ, Hospital de Base ary Pinheiro, em Ro, a 5.ª ponte na cidade de RB, Acre, etc..........

Que pena.

Fladinho Twinks disse...

Texto muito bom, passei até para o WORD, depois imprimi e levei para a escola. Meus amigos gostaram ! Seria melhor se isto fosse apenas uma obra literária, de mentirinha... Mas não é!

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pedro Paulo Pantoja disse...

Comentando onde ninguem comenta. Professor, a palavra tem sim o poder, use e abuse mais não deixe que se percam por ai...Precisamos de palavras e ações. Vamos dividir o tempo em ações e palavras...por isso voto no cassol... quanto ao JP II...bom...esse só ta faltando gerência competente e com coragem...isso eu sei...agora...vergonha mesmo essa idéia de estadio eim...Abraços grande Marcos.!!!
comentário extraído do site www.rondoniaovivo.com.br

Forasteiro do Sul disse...

Pois é Professor, é dificil mudar uma cultura que não quer né???? Mas mesmo assim continue escrevendo. Só lamento as coisas que acontecem em Porto Velho, pq é tanto dinheito do PAC e não fizeram nada e a população ja se deu por satisfeita né.

comentário extraído do site www.rondoniaovivo.com.br

Juniel Silva Lima disse...

Dizer que o JP II está apena precisando de gerência é brincadeira, né? Fiquei internado lá no JP II antes da reforma (construção da fachada e escrita do letreiro). Dou graças a Deus por que os profissionais que alí trabalham, pelo menos a maioria, são, com a força da palavra, "profissionais". Passei quinze dias em tratamento e mais quinze esperando uma cirurgia, para meu braço e meu joelho que nunca aconteceu, pois quando finalmente surgiu oportunidade meus ossos já estavam grudados novamente.É uma questão tão simples de se resolver, é só construir um outro pronto socorro e ficaria tudo resolvido, lógico que teria que contratar pessoal, comprar equipamentos, mas isso seria uma gota de gasto no oceano tendo em vista o que vão gastar construindo esse estádio que so vai servir mesmo para abrigar as pessoas que fugirem das enchentes, deslizamentos ou outros desastres que ocorrerem na capital. O hospital de cacoal, o governo enche a boca para dizer que finalmente foi entregue à população, mas esquece de dizer que não foi ele quem construiu e sim a empreiteira que constrói as usinas como forma de compensação social. E o povo mais uma vez está sendo enganado... Por que quer. Por que não procura se informar... E vão votar nos mesmo carniceiros que nunca resolvem os problemas da falta de saúde, de educação, saneamento iiiiiiiiiiiiii a lista vai longe...
comentário extraído do site www.rondoniaovivo.com.br

Ivanilson Frazão Tolentin disse...

È professor essa história do estado me faz lembrar Dias Gomes, em o Bem Amado, onde o prefeito construiu um cemitério e nunca conseguiu inaugurar, pois ninguém morria na cidade. Ou seja, não precisa ter feito. Mas o triste é que no mundo real e, nesse caso, no João Paulo, morrem pessoas por falta de atendimento adequado e por falta de responsabilidade de políticos que promentem o paraíso na campanha e, depois dela, entregam o inferno para o povo. O pior é um governador que ignorou a saúde e a educação ser considerado um administrador competente. Isso só acontece mesmo no Brasil e, em especial, em Rondônia. Mas vamos ver se esse ano as coisas são diferentes em outubro. Mais uma vez, gostei do texto. Parabéns!

comentário extaído do site www.rondoniaovivo.com.br

Anônimo disse...

Concordo com seu texto, apesar das ofensas que você faz aos rondonienses. É verdade que aqui muita coisa deve ser mudada, mas porque VOCÊS, que vieram de outras cidades e que se dizem muito mais espertos do que o povo que mora neste estado, fazem alguma coisa para mudar. Afinal, vocês também moram aqui. Como você mesmo disse: 'Falar é fácil'.

Marcos Alberto disse...

Excelente texto, mas esta é a realidade dos hospitais "PÚBLICOS".
Quanto pior melhor para a época das eleições.

Comentário retirado do site www.rondonoticias.com.br