terça-feira, 7 de novembro de 2023

Punido por falar verdades

Punido por falar verdades

 

Professor Nazareno*

 

            Um inusitado crime aconteceu em uma fazenda de Sapezal, cidade localizada a 480 quilômetros de Cuiabá no Mato Grosso. Um rapaz, provavelmente rondoniense, foi esfaqueado pelos amigos por que estaria falando mal de Rondônia. Não há detalhes desse absurdo caso de xenofobia às avessas, mas certamente nada justificaria tamanha violência e crueldade. E até por que a vítima não estava falando mal de Rondônia, lugar de origem de todos eles. Talvez estivesse até reclamando, e com alguma razão, que o Estado “mais a oeste” é tão rico e tem no agronegócio a sua base econômica, mas mesmo assim eles estavam trabalhando em outro Estado. Devia ter falado também da origem de Rondônia e do grande desastre ambiental, que desmatou grande parte da floresta amazônica, para abrir a BR-364 e até hoje não produzir riquezas suficientes para matar a fome dos pobres.

            Deve ter falado também que a sua terra natal é quase toda da direita e da extrema-direita bolsonarista, apesar da fome e da miséria que existem no Estado. “São mais de 18 milhões só de cabeças de gado, mano!”. “E por que há tanta fome e tanta gente pobre?”. Provavelmente a vítima falou, e não muito bem, da Assembleia Legislativa do seu Estado e também da Câmara de Vereadores de Porto Velho. “Como pode dos 21 vereadores, todos serem a favor do prefeito da cidade? Que putaria é essa?”, pode ter questionado. “Rondônia tem muito político ladrão. Uns até são filmados contando dinheiro em sacos de lixo de plástico e mesmo assim são eleitos e reeleitos sem nenhum problema”, observou. “E eles gostam também de aumentar os impostos dos pobres e miseráveis”. Se falou da corrupção, pode ter despertado a ira de seus colegas de trabalho. Isso é perigoso.

            Tomara que este pobre rapaz não tenha falado nada sobre a insólita Porto Velho, capital de Roraima. Já pensou que raiva ele não iria despertar nos rondonienses e também nos “rondonienses de coração?”. Uma cidade porca, imunda, podre, suja, fedorenta, mal planejada, feia, malcheirosa, quente, sem árvores, largada, longe, abandonada, xexelenta, sem esgotos, sem água tratada, sem planejamento urbano, violenta, repleta de favelas, sem mobilidade urbana, sebosa, dentre outros adjetivos nada abonadores não pode mesmo ter elogios de ninguém. Ainda assim, muitos otários elogiam a “capital dos destemidos pioneiros” e por isso deram uma facada no pobre rapaz. Espero que o infeliz trabalhador esfaqueado não tenha falado da rua torta nem da nova rodoviária enviesada e horrorosa que estão construindo para ser inaugurada durante as eleições do próximo ano. Um horror.

            Será que ele falou do “açougue” João Paulo Segundo e do novo HEURO, “Build to Suit”, do governo do Estado? Se fez isso, livrou-se de ter levado um tiro de bazuca ou até mesmo de canhão. Muitos dos pobres de Rondônia não gostam de ouvir essas coisas. Já levar uma facada por falar as verdades sobre a Zona Leste da cidade de Porto Velho pode não ser um ato raro nestes dias tensos... Porém, um assunto tabu mesmo é a possível recuperação da BR-319 ligando Porto Velho ao Careiro, próximo a Manaus. Se ele disse que essa desnecessária estrada será o fim de toda a Amazônia, “cutucou a onça com vara curta”. Dizer que a 319 vai trazer a miséria, o garimpo ilegal, o desmatamento, as invasões de terras é autodestruição. Falar sobre a ponte do suicídio seria “chover no molhado”. E se ele falou da UNIR, uma universidade sem hospital universitário? Vamos torcer pela recuperação deste cidadão. E eu? Será que eu já me livrei de algumas facadas?

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

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