sábado, 14 de novembro de 2015

“Quem semeia ventos...”



“Quem semeia ventos...”


Professor Nazareno*

           
        “Meu nome é Bashir Al- Mouhhamad. Tenho 25 anos, sou operário de construção e nasci na cidade de Qatana na República da Síria. Próximo à fronteira com o Líbano, o meu torrão natal sofre constantes bombardeios desde que se iniciou a sangrenta guerra civil que dilacera o meu país. Sou de uma família muito pobre. Meu pai era lavrador e minha mãe sempre cuidou das tarefas de casa. Éramos 12 filhos que, apesar das dificuldades, sempre tínhamos o que comer e o que vestir. De tradição muçulmana, a nossa cultura sempre foi respeitada por todos os que nos conheciam. Talvez por não entender bem, nunca nos metemos em política. Pouco falávamos sobre este assunto nas mesquitas e também em casa quando fazíamos as nossas orações. Sou casado com três esposas e destes relacionamentos nasceram cinco filhos, todos seguidores de Alá.”
        “Há quase dois anos, no entanto, um caça “Rafale” da Força Aérea francesa em voo rasante disparou vários mísseis que atingiram em cheio o quarteirão e a casa onde morávamos. Foi uma carnificina. Pedaços de pessoas voaram por todos os lados e o sangue banhou a nossa humilde rua. Gritos de horror e medo tomaram conta de todos nós. Desespero, choro e agonia voltavam a nos assustar toda vez que os jatos franceses retornavam em voos rasantes. Neste ataque covarde, perdi meu pai, minha doce mãe e quase metade de meus irmãos. Só uma de minhas esposas escapou ilesa. As outras duas morreram na hora. Perdi três filhos e o mais novo, Kalled Faiçal ficou com sérios ferimentos. A minha filha mais velha, Aisha Laila, de 13 anos, foi dividida em duas pelas bombas assassinas. Em minhas mãos, sua cabeça de adolescente ainda sangrava.”
        “Minha família nunca fez nada de mal contra nenhum francês, russo, norte-americano ou europeu. Não entendo porque o governo da França mandou seus aviões matarem as pessoas que eu tanto amava. Meus parentes nem sabiam da existência desses países. Muito triste e desolado, me mudei para Damasco, a capital do meu país, com a minha única esposa e os filhos que me restaram. Porém, a matança e as carnificinas continuaram sem dó nem piedade. São muitos grupos que guerreiam pelo poder na Síria. Têm as tropas do nosso Presidente, Bashar al-Assad, têm os seus opositores, tem o Estado Islâmico, os curdos também estão na briga assim como nações estrangeiras como Rússia, Estados Unidos, França e Inglaterra. Todos vendem armas modernas, aviões e tanques que diariamente ajudam na matança dos inocentes sírios.”
        “Outro dia presenciei um terrível bombardeio em um bairro residencial de Damasco. O sangue escorria em meio aos escombros. Só crianças despedaçadas eram quase três dezenas. Mães choravam desesperadas. Velhos, mulheres e jovens mutilados e aos prantos gritavam de dor. O horror estava em seus rostos sofridos. Aquilo era a visão do inferno. Mas o mundo não noticiou nada daquele bombardeio em que duas escolas e um hospital foram alvos. Alepo, a segunda mais importante cidade da Síria tem destino igualmente cruel. A rotina diária são as bombas matando cidadãos comuns e inocentes. Várias outras localidades do meu país são castigadas por chuvas de mísseis. Aqui aprendemos a conviver com a morte. O mundo não quer respeitar a nossa religião, a nossa língua, a nossa cultura, a nossa riqueza e os nossos costumes. Mais de 250 mil pessoas já perderam a vida nesta estupidez. Quando pararão de trucidar a nossa gente?”





*É Professor em Porto Velho.

Nenhum comentário: