sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Problema social se resolve com diálogo


A Ponta do Abunã não é questão de Polícia


Professor Nazareno*


A recente “Guerra no fim do mundo” da PRF, Polícia Rodoviária Federal e os moradores de alguns vilarejos localizados numa estreita faixa de terra entre as divisas dos estados de Rondônia, Acre, Sul do Amazonas e a fronteira com a Bolívia expôs para a nação e a opinião pública através da mídia falada e escrita, de maneira vergonhosa e deprimente, a pífia atuação das autoridades dos estados envolvidos, o descaso de políticos interesseiros que tudo prometem em épocas de eleições e principalmente a falta de estratégia, bom senso e competência da soldadesca envolvida nos lamentáveis conflitos que ocorreram há pouco mais de uma semana na Ponta do Abunã.

Além da velha, ridícula e esfarrapada desculpa de desbloquear a BR 364 e garantir o direito constitucional de ir e vir, mantra adotado por toda espécie de polícia do Brasil, a PRF inovou no seu repertório de sandices ao anunciar através do seu Superintendente Regional RO/AC, André Santos, que a atuação se deu também para evitar possíveis atos terroristas que seriam perpetrados contra instalações do Governo Federal como torres de energia que abastecem o vizinho estado do Acre além de outros possíveis alvos. “A operação foi um êxito”, anunciou o policial. Só faltava esta: além de toda a sorte de desgraças, Rondônia agora também virou o Oriente Médio.

O policial se esqueceu de informar que quando acabou a munição, os seus 40 homens ficaram à mercê de mais de duas mil pessoas enfurecidas que estavam lá apenas para reivindicar os seus mais elementares direitos. A isso certamente se chama falta de estratégia para lidar com distúrbios sociais. Além do mais, chamar de terroristas pessoas trabalhadoras, honestas e de boa índole é tão absurdo quanto querer medir forças com quem não as tem. Pior ainda é uma corporação como a Polícia Rodoviária Federal ignorar que aquela gente é sofrida, humilhada e esquecida pelas autoridades e pelo Estado e que em vez de “porradas” merecem apenas mais atenção.

Com a absoluta certeza, a população daquela área é constituída de gente boa, ordeira e politizada na sua grande maioria. Não só deram um bom exemplo ao restante do Brasil de como se deve lutar pelos seus direitos e pressionar um Estado inoperante como praticamente garantiram a vida dos policiais envolvidos nos conflitos. Se a contenda fosse numa favela do Rio de Janeiro, por exemplo, a corporação estaria agora contando os seus mortos. Os habitantes de Extrema e Nova Califórnia agiram certo. Eles querem apenas sair do absurdo isolamento a que são submetidos. Querem serviços básicos que lhes foram prometidos em campanhas eleitorais e nunca foram cumpridos.

No Brasil, a idéia absurda da elite, que sempre teve o comando de todas as corporações, é a de que qualquer problema social deve ser resolvido no “ponta-pé, no soco e na força bruta”. Isto, felizmente, já faz parte do nosso passado recente. É preciso usar o diálogo até a exaustão para só em último e extremo caso usar a força policial. A lei e o bom senso devem prevalecer sempre e em qualquer circunstância. E para que isto aconteça tanto Porto Velho quanto Rio Branco devem envidar esforços para tentar resolver os problemas daquela gente. Polícia tem que agir para garantir a ordem enfrentando bandidos, ladrões e terroristas, quando de fato estes existirem.


*O professor Nazareno leciona em Porto Velho.


3 comentários:

Valdemar Neto disse...

Segundo algumas autoridades este é o motivo que impedia a emancipação da Ponta do Abunã:

"Art. 18, parágrafo 4º - A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-á por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após a
divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei."

***

A BR-364 foi desbloqueada e com isso os ânimos se acalmaram, embora estejam em estado de latência. As promessas de resolução foram lançadas; resta vê-las em prática. O TSE tem que se posicionar para que o plebiscito aconteça. Caso contrário, os "terroristas" vão atacar novamente e o "caos" retornará. Em relação a atitude da PRF, tenho que dizer que foi ridícula. Acharam que estavam lidando com "baderneiros". Grande engano! Encontraram um povo unido, forte e que lutou pelos seus direitos. Acharam uma população revoltada com sua situação e que estava usando o último recurso cabível para se livrar do descaso. Viva a atitude do povo da região de EXTREMA! Viva a coragem desse povo! Parabéns a todos eles! Torço para que o plebiscito ocorra e que a emancipação seja concretizada.

Karla disse...

Lamentável a atuação dos policiais em questão. Pobres coitados que têm de cumprir ordens superiores sob uma dura realidade coercitiva. Sem preparo físico e mesmo psicológico, é nisso que dá!
Quase me convenço da "nobre" causa da PRF - afinal, conheço um policial que por pouco não esteve neste espetáculo. Segundo ele, havendo munição de verdade (pois gastaram apenas as de borracha) deixaram de usá-las para resguardar a vida daqueles manifestantes. Por consequência tiveram que fugir da população enfurecida. "Heróico"!
Porém, prof. Nazareno, seus argumentos sempre tão bem desenvolvidos conseguem me trazer à triste realidade de um Brasil desordenado e deprimente quando se trata de questões socialmente conflituosas.
"Chega de herói, herói é o povo." Osvaldo - MAB/PB.

Anônimo disse...

Oi professor. Gostei de suas redações, com um olhar crítico ao cenário nacional e estadual.
Sou aluno do curso de geografia (UNIR), e fico envergonhado com essa situação que a universidade está passando. Quanto ao evento que ocorreu na Ponta do Abunã, mais uma vez Rondônia é inserida no cenário nacional como um Estado de baderna e descaso. Chamar trabalhadores onestos e índios, que lutam pela preservação de sua cultura, de terroristas é inadimicível. Contudo fico feliz em saber que existe, no Estado de Rondônia, um professor que não fique somente retido na sala de aula. É o mesmo Naza do meu tempo de estudante de terceirão do JBC. PARABÉNS!!