terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Bucolismo em meio à agitação



Bucolismo em meio à agitação

Professor Nazareno*


Parece mentira: estamos em 2015 e ainda existe um lugar bem próximo de Porto Velho que não possui um único automóvel andando por suas arborizadas e limpas ruas. Tem plantados no meio de suas largas avenidas jambeiros enormes e mangueiras frondosas onde se ouve diariamente o canto alegre da passarada selvagem. A sombra é comum em toda a área urbana. Não é uma cidade propriamente dita, mas um charmoso distrito que pertence à capital. Isolado e esquecido, mas rodeado pela imponente floresta amazônica e à beira do majestoso e estuprado rio Madeira, lá está ele como a desafiar a modernidade e suas maléficas consequências. Muito anterior à criação de Porto Velho, ainda durante o longínquo Primeiro Ciclo da Borracha, desafia heroicamente o progresso e mantém com garra a sua cultura e os seus costumes através dos tempos.
Não conheceu a tração animal, a indústria, o progresso, nem as grandes rodovias, mas em muitos aspectos conseguiu superar a cultura e o modo de vida de muitos lugares que se dizem civilizados. Seus pacatos habitantes, entre duas e três mil almas apenas, conseguem como ninguém conciliar a vida pacata do campo com os hábitos das grandes cidades. Seus jovens não usam a internet e, claro, nem as redes sociais, mas têm celulares de última geração para escutarem suas músicas e assistirem a vídeos. Facebook, WhatsApp, You Tube bem como várias outras doenças sociais dos meios urbanos não existem por lá. A garotada adora pescar, caçar, nadar e jogar bola no acanhado estádio da comunidade. Diferente de Porto Velho, já exportou jogadores até para o futebol europeu. Os habitantes mais velhos desdenham dos costumes da cidade.
Televisão existe há tempos por lá. O Jornal Nacional, por exemplo, é exibido pontualmente às 18h e 30m. Um mimo que nem a “moderna” Porto Velho conhece nestes tempos de horário de verão. As novelas e toda a programação são mostradas nos horários dos grandes centros do país. As notícias são exibidas na hora em que acontecem e nada é gravado para enganar os telespectadores. Notícias de Porto Velho não existem nem têm como chegar. Há coisa melhor do que esta? As belas jovens do lugar jogam futebol como ninguém. É comum ver algumas delas durante os intervalos das partidas amamentando seus filhos que ficam à beira do gramado torcendo. Muitas sabem nadar, andar de canoa, tarrafear e também vão à mata para buscar tucumã, açaí, bacaba e pupunha. Beiradeiras e excelentes donas de casa. Pobres meninas da cidade!
Muitos dos habitantes deste lugar não se conformam com a enchente histórica do rio Madeira. Para a maioria deles a culpa foi da ganância do “bicho homem”. As terríveis alagações que provocaram o “holocausto dos ribeirinhos” em 2014 e que ameaçam voltar neste ano poderiam ter sido evitadas. Nenhum tipo da assistência prometida pelas mentirosas autoridades foi concretizado e o sofrimento e a angústia de muitos continuam até hoje. A medicina do lugar não é muito avançada, claro. Porém o inusitado é que a única médica da comunidade lava suas próprias roupas numa demonstração de humildade. Atendimento em domicílio e a prática de uma medicina preventiva também fazem parte das suas atribuições. Os portovelhenses precisam descobrir lugares bucólicos assim para ao menos tentar melhorar a qualidade de vida e o IDH de sua cidade. São oito horas de ida e 14 de volta. Jamais direi que lugar é este.



                                 
*É Professor em Porto Velho.

Nenhum comentário: