Carnaval
no Buraco Quente - Jorge
Santos Quintela
Já se ouviu falar de um buraco
muito fundo, escuro, úmido, quente e que todos os seus moradores insistiam em
chamá-lo de cidade. Não se sabe ao certo como pessoas, seres humanos de
verdade, conseguiram chegar até ele e ainda por cima habitá-lo como um lugar
qualquer.
Sem história, sem heróis, sem
pessoas importantes, esquecido, abandonado, perdido no tempo e sem líderes que
pudessem lhe governar satisfatoriamente, esse buraco vivia a sua vida como se
fosse um lugar civilizado. A maioria de seus habitantes não conhecia outros
lugares, ou buracos, e muitos até acreditavam que era o único lugar habitável
do mundo.
Não se conheciam ali outras
realidades, só a daquele buraco quente mesmo. Notícias do mundo “lá fora”,
quando havia, eram raridades, excentricidades muito difíceis de serem
acreditadas. Porém, a duras penas, as pessoas tentavam levar a sua vidinha
vazia, sem sentido, oca, inútil, tosca, ignorante e desprovida de qualquer
resquício de inteligência e civilidade.
Ainda assim, muitas pessoas, não
se sabe como, se divertiam naquele inóspito território. Copiaram, também não se
sabe de onde, mais uma excentricidade e batizaram-na de Carnaval. Inventaram também
uma brincadeira meio estúpida, mas que fazia um sucesso enorme entre os
buraquenses: pessoas que acreditavam serem normais corriam atrás de carros
enfeitados para conseguir o maior número de garrafas de cachaça ou de outras
drogas e faziam uso ali mesmo no meio da multidão. Para delírio dos presentes,
até as autoridades, tentando fazer média entre os estúpidos e dominados
habitantes locais, se drogavam também na frente de todos.
“Isso é coisa de abestados e
alienados”, diziam alguns moradores que não gostavam da estúpida
brincadeira e que, por isso mesmo, preferiam sair e se isolar no matagal, numa
mistura devassa e promíscua entre homens e mulheres, para adorar seus deuses
inventados e fictícios. O fato é que os criadores desta brincadeira alienante,
que só faz apologia às drogas e à inutilidade geral e aonde “vai quem quer”
são idolatrados como heróis e salvadores da Pátria.
Buraco Quente é administrado
somente por médicos de fora. Corruptos, todos muito incompetentes e cuja massa
cinzenta se assemelha à de toupeiras cegas. Nunca se entendeu por que seus
moradores gostam tanto destes profissionais se o único hospital que há no lugar
é um verdadeiro campo de concentração. Deve ser por isso mesmo, já que uma das
características desse povo é se divertir com o próprio sofrimento. “Comem
carne podre todo dia e ainda riem felizes como hienas”, afirmaram alguns
antropólogos que estudaram esta sinistra sociedade.
Sem conhecer muita coisa além do
que veem no próprio buraco, alguns buraquenses querendo homenagear os
desconhecidos forâneos criaram até um bloco chamado “os de fora” (US DY
PHORA, no dialeto local) apenas para aumentar o consumo de drogas e álcool e
vender a falsa impressão de alegria e felicidade que não têm e que muitos
afirmam que jamais terão.
Como há muitos blocos no buraco,
acredita-se que seja para esconder a própria realidade infecta e suja onde
vivem. Justiça, dizem que há naquele cacimbão nojento, mas todos os que
roubaram e ainda roubam dinheiro alheio e público estão soltos e rindo das
autoridades, que nada fazem nem podem, ou não querem, fazer. Mas, iludidos,
dizem que vão fazer...
Para esquecer as agruras
terríveis de se morar naquele lugar cheio de lodo, catinga e lama e sublimar a
sensação de que estão sendo roubadas pelos seus representantes, as pessoas caem
na folia e, embriagadas ou drogadas, parecem esquecer suas desgraças cotidianas.
Na outra historinha, a de Rubem
Alves, as rãs mataram o pintassilgo, mas nesta os buraquenses se acasalam com
quem cai no seu buraco profundo e não dão chances a ninguém para sair daquele
ambiente promíscuo sem antes deixar uma penca de descendentes idiotas e imbecis
que para viver em paz, começam a amar o carnaval e as suas consequências
nefastas.
Jorge
Santos Quintela é filho de Porto Velho e acredita que nunca morou em buraco
algum.
Um comentário:
Caríssimo professor, ótimo texto!
continue assim!
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