sábado, 9 de fevereiro de 2013

Carnaval no Buraco Quente



Carnaval no Buraco Quente - Jorge Santos Quintela

Já se ouviu falar de um buraco muito fundo, escuro, úmido, quente e que todos os seus moradores insistiam em chamá-lo de cidade. Não se sabe ao certo como pessoas, seres humanos de verdade, conseguiram chegar até ele e ainda por cima habitá-lo como um lugar qualquer.
Sem história, sem heróis, sem pessoas importantes, esquecido, abandonado, perdido no tempo e sem líderes que pudessem lhe governar satisfatoriamente, esse buraco vivia a sua vida como se fosse um lugar civilizado. A maioria de seus habitantes não conhecia outros lugares, ou buracos, e muitos até acreditavam que era o único lugar habitável do mundo.
Não se conheciam ali outras realidades, só a daquele buraco quente mesmo. Notícias do mundo “lá fora”, quando havia, eram raridades, excentricidades muito difíceis de serem acreditadas. Porém, a duras penas, as pessoas tentavam levar a sua vidinha vazia, sem sentido, oca, inútil, tosca, ignorante e desprovida de qualquer resquício de inteligência e civilidade.
Ainda assim, muitas pessoas, não se sabe como, se divertiam naquele inóspito território. Copiaram, também não se sabe de onde, mais uma excentricidade e batizaram-na de Carnaval. Inventaram também uma brincadeira meio estúpida, mas que fazia um sucesso enorme entre os buraquenses: pessoas que acreditavam serem normais corriam atrás de carros enfeitados para conseguir o maior número de garrafas de cachaça ou de outras drogas e faziam uso ali mesmo no meio da multidão. Para delírio dos presentes, até as autoridades, tentando fazer média entre os estúpidos e dominados habitantes locais, se drogavam também na frente de todos.
Isso é coisa de abestados e alienados”, diziam alguns moradores que não gostavam da estúpida brincadeira e que, por isso mesmo, preferiam sair e se isolar no matagal, numa mistura devassa e promíscua entre homens e mulheres, para adorar seus deuses inventados e fictícios. O fato é que os criadores desta brincadeira alienante, que só faz apologia às drogas e à inutilidade geral e aonde “vai quem quer” são idolatrados como heróis e salvadores da Pátria.
Buraco Quente é administrado somente por médicos de fora. Corruptos, todos muito incompetentes e cuja massa cinzenta se assemelha à de toupeiras cegas. Nunca se entendeu por que seus moradores gostam tanto destes profissionais se o único hospital que há no lugar é um verdadeiro campo de concentração. Deve ser por isso mesmo, já que uma das características desse povo é se divertir com o próprio sofrimento. “Comem carne podre todo dia e ainda riem felizes como hienas”, afirmaram alguns antropólogos que estudaram esta sinistra sociedade.
Sem conhecer muita coisa além do que veem no próprio buraco, alguns buraquenses querendo homenagear os desconhecidos forâneos criaram até um bloco chamado “os de fora” (US DY PHORA, no dialeto local) apenas para aumentar o consumo de drogas e álcool e vender a falsa impressão de alegria e felicidade que não têm e que muitos afirmam que jamais terão.
Como há muitos blocos no buraco, acredita-se que seja para esconder a própria realidade infecta e suja onde vivem. Justiça, dizem que há naquele cacimbão nojento, mas todos os que roubaram e ainda roubam dinheiro alheio e público estão soltos e rindo das autoridades, que nada fazem nem podem, ou não querem, fazer. Mas, iludidos, dizem que vão fazer...
Para esquecer as agruras terríveis de se morar naquele lugar cheio de lodo, catinga e lama e sublimar a sensação de que estão sendo roubadas pelos seus representantes, as pessoas caem na folia e, embriagadas ou drogadas, parecem esquecer suas desgraças cotidianas.
Na outra historinha, a de Rubem Alves, as rãs mataram o pintassilgo, mas nesta os buraquenses se acasalam com quem cai no seu buraco profundo e não dão chances a ninguém para sair daquele ambiente promíscuo sem antes deixar uma penca de descendentes idiotas e imbecis que para viver em paz, começam a amar o carnaval e as suas consequências nefastas.


Jorge Santos Quintela é filho de Porto Velho e acredita que nunca morou em buraco algum.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caríssimo professor, ótimo texto!
continue assim!