99
anos na antessala do inferno
Professor
Nazareno*
Porto Velho está completando 99 anos de fundação. E não é uma data para
festas nem para alegrias, infelizmente. Também não é implicação minha falar mal
mais uma vez deste lugar onde resido há mais de 30 anos, pagando impostos e
criando meus filhos. A realidade fala por si só. Com quase 500 mil habitantes e
uma área superior à Bélgica, esta cidade apresenta, segundo o Instituto Trata
Brasil, uma das piores qualidades de vida dentre as capitais brasileiras. Entre
os municípios do país acima de 300 mil habitantes, ficamos em último lugar
quando o assunto é água tratada e saneamento básico. E o problema não é a pouca
idade como muitos afirmam. Maringá, no interior do Paraná, tem pouco mais de 50
anos e desponta como uma das melhores cidades do Brasil. Caxias do Sul na Serra
Gaúcha e Uberlândia em Minas Gerais, idem.
Viver em Porto Velho sempre foi um desafio para quem aqui nasceu e
também para quem decidiu aqui morar. No inverno (chuva), é lama em todas as
ruas e recantos da cidade. No verão, a poeira, associada à fumaça das queimadas,
é a nossa companheira inseparável. A situação é tão ruim que um dos atuais
vereadores chegou a dizer que “em Porto Velho, que está abandonada
pela atual administração, é um pé na lama e poeira no olho”. Na verdade, esta capital sempre esteve abandonada
pelo Poder Público desde a sua fundação. E já começou de forma errada: quando
se perceberam as dificuldades para atracar as embarcações na cachoeira de Santo
Antônio, onde está o marco zero da cidade, decidiu-se imediatamente mudar de
local. Porto Velho ironicamente era para ter-se desenvolvido onde hoje é um
cemitério, o “Tonhão”.
Suja, fedida, sem saneamento básico, sem água tratada, sem planejamento
urbano, sem arborização, sem praças, sem recantos de lazer, violenta e
pontilhada de lixo nas ruas perde feio até para Porto Príncipe, capital do
Haiti, que foi devastada por um terremoto. Ficamos atrás também de muitas
cidades da África subsaariana quando o tema é IDH e qualidade de vida. E não é
difícil perceber o que há por trás deste caos. Nós habitantes temos muito pouco
zelo pela nossa cidade. Não reciclamos o nosso lixo nem colaboramos com nada.
Isso associado a uma penca histórica de políticos ruins, ladrões e
incompetentes que sempre estiveram à frente de tudo. O atual Prefeito, está há nove meses no Poder
e até agora praticamente não deu o ar da graça e não fala nada. “É como se
não tivéssemos ninguém nos administrando”, é o que se ouve com frequência.
Lamento que muitos moradores se enfureçam com estas declarações, mas se
trata da mais pura verdade. A revista Época quando denunciou o fato foi
infantilmente criticada. E geralmente quando alguém levanta a voz para
denunciar as mazelas, o falatório é geral. Sentimento telúrico, bobo e infantil
não resolve problemas. Parece até que muitas pessoas aceitam viver no lixo e na
imundície característicos da cidade. A minha saída daqui, como muitos querem,
não vai mudar em nada esta triste situação. É preciso identificar o problema na
sua origem e cobrar providências dos responsáveis, mas parece que nos
faltam coragem e visão política. A Câmara de Vereadores, por exemplo, poderia
ser mais cobrada pelos eleitores. Concluir obras inacabadas como os viadutos, a
ponte sobre o Madeira, a rodoviária nova ou a construção de um hospital de
pronto-socorro decente, dentre outras benfeitorias, são mais urgentes do que
sentimentos toscos que não levam a nada. Nosso comodismo não permite que se
deem os parabéns a Porto Velho. Só os pêsames mesmo. Eu já não aguento mais as
alagações, os buracos nas ruas, a poeira, a escuridão e o trânsito infernal. Será
que nada disso vai mudar um dia? Como posso me orgulhar de morar numa das
antessalas do inferno?
*É Professor em Porto Velho.