terça-feira, 18 de junho de 2024

Estuprada e depois condenada


 

Estuprada e depois condenada

 

Professor Nazareno*

 

            Rondônia Acomodada da Silva é uma linda jovem de apenas 15 anos de idade. Mora numa pequena cidade do interior do Brasil e trabalha como doméstica em uma residência bem perto de sua casa. Certa noite, já bastante cansada, quando voltava do seu trabalho, Rondônia foi seguida por dois homens desconhecidos. Apressou seus passinhos de menina/moça, mas foi logo alcançada pelos seus algozes. Não deu tempo sequer de gritar. Foi dominada, amarrada, despida e depois estuprada pelos dois meliantes. Depois de terminado o “serviço” os dois tinham a certeza de que Rondônia morreria ali mesmo, pois deram-lhe vários golpes na sua cabeça. Mas a pobre garota escapou por milagre. Socorrida por acaso por algumas pessoas que passavam por ali, o martírio dela continuou pelo resto de sua vida. Rondônia engravidou e a pedido de seus pais, ela decidiu abortar.

            A pobre Rondônia não tinha a menor ideia de quantos meses estava grávida. Seus pais até procuraram ajuda no posto médico da cidade, mas de nada adiantou. Então, por conta própria e seguindo a indicação de alguns vizinhos e conhecidos, deram-lhe algumas “garrafadas” de ervas abortivas. Depois de interromper a gravidez, o estado de saúde da menina piorou e a solução foi procurar ajuda médica “de qualquer jeito”. A partir daí o caso tomou outras proporções. O delegado da cidade abriu o devido inquérito e Rondônia teve que responder a um longo processo. “Aborto é crime. E principalmente nesse caso gravíssimo, quando o feto já estava com mais de 22 semanas de gestação”, disse o delegado a seus pais. E assim foi feito. Rondônia foi presa, julgada e condenada a uma pena de quase 20 anos de prisão. Seus dois estupradores foram presos e também julgados.

            Cada um deles foi sentenciado a pouquíssimos anos de cadeia e como eram réus primários e também muito ricos, seus advogados recorreram e eles estão cumprindo a pena em liberdade. Apesar de ter sido estuprada e violentada, Rondônia continuou presa e sofrendo horrores no presídio feminino da capital para onde foi levada depois. Este acontecimento pode até parecer esdrúxulo e surreal. E não aconteceu na Indonésia, Afeganistão, Síria ou Arábia Saudita, países muçulmanos e misóginos. Mas poderá acontecer em breve no Brasil se o Projeto de Lei (PL) do Aborto for aprovado no nosso Parlamento. Um deputado federal da Frente Evangélica e da Bancada da Bíblia, um bolsonarista de carteirinha, é o responsável maior por esta “inovação”. É quase a mesma tolice que fizeram com o show da cantora Madonna no Rio. Um festival só de bizarrices.

            Dar uma punição a uma mulher vítima de estupro muito maior do que a pena dada aos seus estupradores é algo praticamente só visto na extrema-direita raivosa que temos em nosso país. Isso pode ser a síntese do bolsonarismo evangélico mais radical que se instalou em nossa política. É a teoria da terra plana, do negacionismo da ciência, do estado com religião, do índex de livros nas escolas, da criminalização do Comunismo e da misoginia clara e explícita. Os problemas do Brasil são muitos e precisam de soluções urgentes. Um parlamento é muito importante em qualquer regime democrático, mas os parlamentares precisam mostrar serviço e resolver as dificuldades de seus eleitores. Ao sair da cadeia, a jovem continuou sendo estuprada e teve muitos outros filhos. Embora com eleitores e cidadãos acomodados, Rondônia não devia mais ser violentada. Nem na ficção muito menos na realidade. E seus filhos continuam votando nos pais estupradores.

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

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