sábado, 29 de junho de 2024

Reuniões ocultas de condomínios

Reuniões ocultas de condomínios

 

Professor Nazareno*

 

           Neste ano de 2024 haverá eleições em todos os condomínios do Brasil para a escolha dos novos síndicos. Por isso, o burburinho é muito grande entre boa parte dos condôminos. O TRE, Tribunal Reformador das Exclusões, já esteve em campo induzindo com propagandas falsas todos os eleitores a votarem para escolher os seus representantes. No Brasil, infelizmente, votar para a escolha de qualquer síndico de condomínio é uma tarefa obrigatória e não optativa, embora sejamos uma democracia cantada em prosa e verso. E quem não votar, terá punição, ainda que branda. Os candidatos a síndico e também para o Conselho Fiscal dos respectivos condomínios estão bem otimistas. Assim, muitas reuniões são marcadas constantemente entre muitos dos candidatados para que se possam decidir, com antecedência, os destinos de todos os moradores desses residenciais.

        No Condomínio “Esperança da Pobreza”, localizado num dos rincões do país, o resultado do pleito já está praticamente decidido. Quem vai ganhar as próximas eleições serão os candidatos da direita e da extrema-direita. Todos os 21 conselheiros daqueles apartamentos, por exemplo, estão alinhados com o atual síndico. Não há oposição nem também nenhum candidato da esquerda. Esse síndico atual não pode, por lei, concorrer a um terceiro mandato, mas quer ser futuramente um ‘inspetor de quarteirão’ e por isso está depositando todas as suas fichas em seus escolhidos. Assim, todos eles convocam para se reunir e se reúnem para convocar. Reuniões e mais reuniões de conchavos são marcadas. Numa delas, discutem-se como serão os discursos na futura campanha para continuar enganando os moradores, que em última análise é quem sustenta o condomínio com taxas.

      No “Esperança da Pobreza” nada nunca funcionou direito, mas por incrível que pareça, quase todos os moradores dali estão alegres e felizes com a administração de agora. Não há fornecimento de água potável, não há arborização, não há esgotos ou uma boa coleta de lixo no residencial. O síndico atual está construindo uma guarita nova no mesmo lugar da velha e vai inaugurá-la vergonhosamente um mês depois do fim da atual campanha eleitoral. E ninguém contesta nada! Esse administrador é um verdadeiro “mito” entre os tolos inquilinos. A direita e a extrema-direita fizeram direitinho a cabeça dos habitantes daquela “morada do satanás”. Nessas reuniões fica hipocritamente decidido que a partir das próximas eleições, “tudo deve mudar naquele condomínio”, mas para ficar “tudo do mesmo jeito”. Ou seja, os administradores vão continuar sempre no poder.

            O “Esperança da Pobreza” não tem sequer um “Built to Suit” para atender aos seus moradores. Fala-se que vão construir um, talvez só no próximo pleito. Haverá, agora, vários candidatos ao Conselho Fiscal e também alguns candidatos a síndico que devem prometer, durante as campanhas eleitorais deste ano, que vão fazer um novo hospital em tempo recorde. Os moradores acreditam e ainda aplaudem aquelas falsas promessas. E muitas pessoas dali estão esperançosas com o único “açougue” que têm. “Nada de fazer rede de esgotos nem de saneamento básico no residencial. Sempre fomos felizes assim: comendo merda e esperando dias bem melhores”, dizem alguns dos alegres residentes-eleitores. Antes de acontecer o pleito propriamente dito, quase todos os candidatos ao Conselho Fiscal já decidiram, se eleitos, dar total apoio ao novo síndico ou até mesmo síndica que será eleito(a). Falam até que o “campo de pouso”, ali perto, terá muitos voos.

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

terça-feira, 18 de junho de 2024

Estuprada e depois condenada


 

Estuprada e depois condenada

 

Professor Nazareno*

 

            Rondônia Acomodada da Silva é uma linda jovem de apenas 15 anos de idade. Mora numa pequena cidade do interior do Brasil e trabalha como doméstica em uma residência bem perto de sua casa. Certa noite, já bastante cansada, quando voltava do seu trabalho, Rondônia foi seguida por dois homens desconhecidos. Apressou seus passinhos de menina/moça, mas foi logo alcançada pelos seus algozes. Não deu tempo sequer de gritar. Foi dominada, amarrada, despida e depois estuprada pelos dois meliantes. Depois de terminado o “serviço” os dois tinham a certeza de que Rondônia morreria ali mesmo, pois deram-lhe vários golpes na sua cabeça. Mas a pobre garota escapou por milagre. Socorrida por acaso por algumas pessoas que passavam por ali, o martírio dela continuou pelo resto de sua vida. Rondônia engravidou e a pedido de seus pais, ela decidiu abortar.

            A pobre Rondônia não tinha a menor ideia de quantos meses estava grávida. Seus pais até procuraram ajuda no posto médico da cidade, mas de nada adiantou. Então, por conta própria e seguindo a indicação de alguns vizinhos e conhecidos, deram-lhe algumas “garrafadas” de ervas abortivas. Depois de interromper a gravidez, o estado de saúde da menina piorou e a solução foi procurar ajuda médica “de qualquer jeito”. A partir daí o caso tomou outras proporções. O delegado da cidade abriu o devido inquérito e Rondônia teve que responder a um longo processo. “Aborto é crime. E principalmente nesse caso gravíssimo, quando o feto já estava com mais de 22 semanas de gestação”, disse o delegado a seus pais. E assim foi feito. Rondônia foi presa, julgada e condenada a uma pena de quase 20 anos de prisão. Seus dois estupradores foram presos e também julgados.

            Cada um deles foi sentenciado a pouquíssimos anos de cadeia e como eram réus primários e também muito ricos, seus advogados recorreram e eles estão cumprindo a pena em liberdade. Apesar de ter sido estuprada e violentada, Rondônia continuou presa e sofrendo horrores no presídio feminino da capital para onde foi levada depois. Este acontecimento pode até parecer esdrúxulo e surreal. E não aconteceu na Indonésia, Afeganistão, Síria ou Arábia Saudita, países muçulmanos e misóginos. Mas poderá acontecer em breve no Brasil se o Projeto de Lei (PL) do Aborto for aprovado no nosso Parlamento. Um deputado federal da Frente Evangélica e da Bancada da Bíblia, um bolsonarista de carteirinha, é o responsável maior por esta “inovação”. É quase a mesma tolice que fizeram com o show da cantora Madonna no Rio. Um festival só de bizarrices.

            Dar uma punição a uma mulher vítima de estupro muito maior do que a pena dada aos seus estupradores é algo praticamente só visto na extrema-direita raivosa que temos em nosso país. Isso pode ser a síntese do bolsonarismo evangélico mais radical que se instalou em nossa política. É a teoria da terra plana, do negacionismo da ciência, do estado com religião, do índex de livros nas escolas, da criminalização do Comunismo e da misoginia clara e explícita. Os problemas do Brasil são muitos e precisam de soluções urgentes. Um parlamento é muito importante em qualquer regime democrático, mas os parlamentares precisam mostrar serviço e resolver as dificuldades de seus eleitores. Ao sair da cadeia, a jovem continuou sendo estuprada e teve muitos outros filhos. Embora com eleitores e cidadãos acomodados, Rondônia não devia mais ser violentada. Nem na ficção muito menos na realidade. E seus filhos continuam votando nos pais estupradores.

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

terça-feira, 11 de junho de 2024

O Madeira caminha para o fim

O Madeira caminha para o fim

 

Professor Nazareno*

 

            O outrora pujante e majestoso rio Madeira em Rondônia caminha inexoravelmente para o seu melancólico fim. Os negacionistas do aquecimento global e das mudanças climáticas continuam discordando sem, no entanto, apresentar argumentos convincentes para o que defendem, mas a realidade pode ser constatada fazendo-se uma pequena observação nesse outrora curso de água que já foi o décimo oitavo maior rio do mundo. Em 2014 o velho Madeira, descontrolado por duas grandes hidrelétricas que lhe fincaram em seu já moribundo leito, chegou a quase 20 metros na grande e histórica enchente. Porém, há três anos consecutivos, não tem mais enchentes nem água suficiente para permitir pelo menos a tranquilidade na navegação. Estamos ainda no mês de junho e o seu nível hoje é de apenas uns 6 metros, quando deveria ter pelo menos o dobro de água.

      Nesta mesma época do ano, em tempos anteriores, por exemplo, o mais importante rio dos rondonienses abundava de tanta água. Ainda assim, passou por severas vazantes como em 2022 e 2023. Acredita-se que neste ano a seca será a mais severa de todas. E não adianta dizer que mais esta tragédia é apenas um desígnio de Deus. A Amazônia e os outros biomas nacionais como um todo padecem pela cruel e assassina mão do homem. As hidrelétricas no leito do sofrido e devastado Madeira só aumentaram o sofrimento daquele curso de água. E que benefícios vieram para o povo daqui? Nenhum. Nada. Até a única concessionária de energia do estado foi privatizada (na verdade, presenteada pela classe política local) para desespero de muitas pessoas. Em Rondônia pagamos uma das taxas mais caras de energia do país e o serviço prestado não está à altura do que se paga.

            O iminente desaparecimento do rio Madeira é uma clara consequência do que os rondonienses fizeram e também permitiram fazer com o seu combalido meio ambiente. As recentes tempestades que destroçaram o Rio Grande do Sul provavelmente têm muito a ver com o que se faz de perversidade com a natureza. Não só aqui em Rondônia, mas também em toda a região amazônica. A ganância do agronegócio, que devasta sem dó nem piedade, mas não consegue sequer matar a fome de todos os brasileiros, tem dado a sua contribuição nefasta para piorar a situação de calamidade climática de hoje. E engana-se quem pensa que a morte do Madeira será o fim de tudo. É, infelizmente, só o começo do que ainda vão fazer com o que resta de natureza. Insatisfeitos com o que já causaram, muitos rondonienses clamam pela reabertura da BR-319 e também pela volta do garimpo.

            As hidrelétricas não só interferiram no volume de água das enchentes e vazantes do rio, mas também destruíram a piracema e o tradicional e lindo espetáculo da natureza lá na ex-cachoeira do Teotônio. Antes de tudo isso, Porto Velho não tinha água tratada nem rede de esgotos. Depois de tudo isso, Porto Velho continuou sem água tratada e também sem rede de esgotos. E a classe política se elegendo todo ano de eleição como se nada de anormal estivesse acontecendo. Antes do agronegócio destruir a natureza, havia muita fome em Porto Velho, em Rondônia e também no Brasil. Depois da destruição, a fome continua sendo uma de nossas maiores mazelas. É só vergonha! Com a Lei Kandir, exportar comodities sem pagar impostos, é o que importa. Fome e miséria são problemas pequenos, coisas de intelectuais, apenas. A morte do rio Madeira é só uma consequência da estupidez humana. E sem ele, muitos rondonienses sairão daqui e só o terão em fotos.

 

 


*Foi Professor em Porto Velho. 

sexta-feira, 7 de junho de 2024

Um pobre pode ser de direita?

Um pobre pode ser de direita?

 

Professor Nazareno*

 

            O Brasil é um país rico. Muito rico mesmo. Esta semana passou a figurar entre as oito maiores economias do mundo. Tem um PIB, Produto Interno Bruto, superior a 2,3 trilhões de dólares. Ultrapassa, portanto, países tradicionais e civilizados como a Itália e o Canadá. Há mais de 50 anos que o nosso país figura no topo desta relação, que sempre foi liderada pelos Estados Unidos, Japão, Alemanha e Reino Unido. E hoje já conta com a China e a Índia como países emergentes de PIB também muito alto. Embora rico, o Brasil é um país de uma população pobre. Muito pobre mesmo. Esse PIB descomunal que temos sempre esteve concentrado nas mãos de uma elite reacionária e privilegiada que nunca cansou de mandar em todos a sua volta. Essa minúscula elite manda na política, nos governos, nos negócios, nas pessoas, nas leis, nas terras e até no destino dessa gente.

O Brasil tem 203 milhões de habitantes. Uns 3 milhões pertencem à elite ou estão lutando bravamente para chegar ao topo da pirâmide financeira. O restante são pessoas pobres e miseráveis que mal têm o que comer. Até há pouco tempo, havia no país cerca de 35 milhões de famintos. Em termos de política ideológica, os ricos e poderosos são, evidentemente, da direita e da extrema-direita. Os pobres e miseráveis geralmente não entendem nada de política nem de sociedade e geralmente comungam das mesmas aspirações políticas e ideológicas de seus algozes. Não é à toa que com democracia ou sem democracia, foram os ricos e poderosos que sempre estiveram no poder determinando todo tipo de política para gerir essa sociedade paupérrima. Privados de bons serviços públicos, sem escolarização e escravos da burguesia, os pobres são obrigados a obedecer.

Se a direita e a extrema-direita querem manter tudo do mesmo jeito sem mexer em nenhum de seus muitos privilégios e nem na exploração contínua da mão de obra que lhe produz toda a riqueza, para que mudar, então? Assim, mecanismos são criados para manter o pobre sempre cada vez mais pobre e subserviente aos mais ricos. É a velha fórmula da Casa Grande e Senzala que nunca deixou de existir em nossa injusta e cruel sociedade. Pobre não tem ideologia nem preferência política. Geralmente segue por obrigação e por conveniência o que lhe mandam seguir. Rondônia, por exemplo, é um dos estados mais pobres e miseráveis da nação. Mas é talvez o mais direitista e reacionário do país. Em Porto Velho, sua suja e imunda capital, quase toda a mídia é de direita e para as próximas eleições não existe um candidato sequer que seja da esquerda ou progressista.

O problema é que a esquerda do Brasil também é outra porcaria. Usa o pobre e a pobreza como fetiche para seus discursos vazios e mentirosos. De um modo geral, muitos brasileiros se dizem de direita e de extrema-direita, já outros se dizem de esquerda ou de centro. Só que todos eles são vassalos da elite endinheirada que sempre ditou as regras do jogo. O Brasil nunca teve um governo que beneficiasse os mais pobres, o trabalhador, aquele que produz a riqueza com o seu trabalho. Somos a oitava potência econômica do mundo e pagamos um salário de apenas 265 dólares enquanto Portugal paga quase 800 dólares. Nem o pobre nem o rico precisam ser de esquerda ou de direita respectivamente. Devia ser mais humano e fraterno e para isso precisa melhorar mais sua leitura de mundo e aprofundar mais seus poucos conhecimentos. Já pensou se os pobres do Brasil lessem e entendessem Eduardo Galeano, Paulo Freire, Karl Marx, Gramsci, Nietzsche ou Voltaire?

 

 



*Foi Professor em Porto Velho.

sábado, 1 de junho de 2024

Uma esquerda de direita

Uma esquerda de direita - II

Professor Nazareno*

 

Este ano de 2024, a Bolívia tem eleições municipais. Os milhões de tolos e manipulados eleitores do país vão escolher os seus novos prefeitos e vereadores. Ação esta que em nada mudará as suas miseráveis vidas. Mas como no país andino, que diz ser uma democracia, votar é uma obrigação e não um direito ou uma opção, todos eles devem ir às urnas para apenas sacramentar uma possível boa vida para os poucos candidatos que serão eleitos. Em Trinidad, a abandonada capital do departamento do Beni, a vida sempre foi uma dureza para os seus imbecis, brocos e ignorantes habitantes. Trinidad não tem declaradamente políticos de direita nem de esquerda. Apenas um bando de salafrários sem caráter e desonestos que a cada quatro anos se juntam para dilapidar o pouco dinheiro fruto do trabalho da população pobre e humilde. Ser político virou uma atividade de vida.

Há no lugar apenas uma meia dúzia de pessoas, geralmente de fora da província, com algum poder aquisitivo e que se autodenominam de extrema-direita. Como têm algum dinheiro num lugar de pessoas muito pobres e miseráveis, mantêm o domínio sobre toda a sociedade. Por isso, essa elite nefasta indica os seus candidatos para quase todas as eleições. O poder continua, dessa forma, sempre nas mãos dos mais ricos e abastados. Ali esquerda praticamente não existe. Talvez nem 30 por cento dos eleitores simpatizam com alguma ideia ou candidato dessa vertente política. Porém, muitos dos mal intencionados candidatos de Trinidad dizem para todo mundo que é de esquerda somente para ter acesso a esses poucos, mas ainda fieis, eleitores progressistas. Não só na capital como em todo o departamento o que prevalece são ideias conservadores de direita e de extrema-direita.

A qualidade de vida na capital Trinidad é péssima. Levas e mais levas de pessoas pobres, rotas e famintas são vistas diariamente pedindo esmolas em suas sujas e imundas ruas. Não há arborização, não há água tratada nem sequer saneamento básico. Tudo ali é igual ou muito pior do que Porto Príncipe no Haiti ou até mesmo comprável àquelas cidades dos países da África subsaariana. Não há mobilidade urbana, não tem aeroporto decente, nem porto no grande rio que banha a cidade. Os poucos ricos do lugar até que vivem bem, enquanto a maioria do povo vegeta e passa necessidades. Mas quase todos esses miseráveis são eleitores da direita e da extrema-direita, pois muitos dizem que “é preciso obedecer a quem sempre pode dar uma sombra”. O povo de Trinidad gosta mesmo é de adular só os cidadãos nascidos fora do lugar. E quase também só vota neles.

Trinidad é uma cidade repleta de direitistas ignorantes e de ignorantes direitistas. A maioria da população da capital do pobre departamento tem apenas a (des) informação primária. Nada entende de política, de administração pública, de sociedade organizada, de governança. Por conta disso, o povão, sem leitura de mundo, vai votar sempre nos candidatos indicados pela elite política local. E os eleitos apenas cuidam dos seus próprios interesses. Os muitos escândalos de roubo, de corrupção e de apropriação do dinheiro público são noticiados quase todo ano. O povo é lembrado somente na véspera das eleições, para ser iludido novamente. Em vez de direito ou dever, o voto no Beni, e principalmente em Trinidad, é uma desgraça que só mantém o status quo desses pobres e miseráveis eleitores. E em 2024 não vai ser diferente. Muitos colunistas e até “jornalistas” são financiados por políticos e pela elite abastada apenas para manter a direita no poder.

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.