sexta-feira, 7 de julho de 2017

Entrevista com o Diabo


Entrevista com o Diabo


Professor Nazareno*


Fiz uma entrevista com o Cão. Isso mesmo. Com o chefe do inferno. Passava da meia noite quando cheguei ao local marcado. A catinga de enxofre e lama podre tomava conta do ambiente. Havia muita sujeira, mofo, umidade e lodo, mas já acostumado à falta de saneamento básico e de esgoto me senti em casa. E até que não fazia muito calor levando em consideração o mormaço em que vivo. Por causa da fama (da má fama) do entrevistado, eu estava tenso. Na hora marcada, eis que aparece o Capeta com a sua esposa, suas duas amantes, seu namorado e vários guarda-costas travestidos de anjos. Quando me viu, o peste foi logo perguntando pela sua ferrovia. “Estão cuidando bem do meu patrimônio?”, perguntou. Disse-lhe que sim e que estava dando muito lucro para a cidade. Ele tem ferrovia, ponte, viadutos, Espaço Alternativo, ruas e avenidas.
            Ele me confidenciou que gostava muito do meu lugar, mas era o povo dali que mais o encantava. “A sua cidade é um endereço muito bom e aprazível porque tudo nele lembra a minha casa”, disse Lúcifer. Tentei em vão lhe dizer que o povo parece anestesiado, enganado e abestado, pois continua elegendo, em todas as eleições, as tranqueiras de sempre. “Tem problema, não! Isso faz parte do acordo que tenho com eles”, afirmou, para o meu espanto. A Câmara de Vereadores da cidade deve ser um exemplo disso, imaginei. Acho que a composição da Assembleia Legislativa é a mesma coisa também. Depois que eu estava mais calmo, ele me falou que no inferno é normal todos os funcionários tirarem férias após cinco ou seis meses de trabalho fictício e que todos os legisladores e ele próprio aprovam isso para a felicidade geral dos governados.
            Ainda meio trêmulo, perguntei-lhe se os políticos do “Mármore Quente” roubam e enganam também o povo dali. “Claro que sim! E é normal!”, disse-me o Chifrudo. E continuou: “roubar e tomar o dinheiro dos impostos pagos pelos otários foi algo inventado neste ambiente”. Aí pensei: deve ser por isso que ninguém diz nada e ainda defende com unhas e dentes os ladrões. Aplaudir corruptos, só nas profundezas mesmo. “O povo do seu município é uma gente que é muito admirada aqui no inferno, pois sempre viveu na merda, mas alegre e feliz de nada reclama”, afirmou o Coisa Ruim. Então eu lembrei: é esse mesmo povo que chama bosta de perfume na esperança de que as fezes algum dia exalem cheiro de flores, de Chanel 5. Ser governado por corruptos, demagogos, mentirosos e denunciados por roubalheira é um orgulho ainda para muitos.
Falei-lhe sobre a crítica situação política do Brasil atual e ele, após retocar a maquiagem, os brincos e trocar de calcinha pela décima vez durante a entrevista, falou-me que os políticos estão todos certos e o povo que “bateu panelas e se vestiu de amarelo” é que devia se envergonhar. Gritei bem alto: “Meu Deus! Então o senhor está certo”. Fui repreendido que se falasse de novo naquele nome proibido, a entrevista seria encerrada. “Não fale o nome do inimigo!”. Acho que fui displicente no momento e pedi desculpas. “Fale-me de Aécio, de Lula, de Dilma, de Sérgio Moro, de Cunha, de Temer, de Jucá, Moreira Franco, Joesley ou de qualquer um Boi que eu fico alegre e feliz.” O Cramunhão confidenciou que nunca perdeu o Arraial Flor do Maracujá nem nenhuma outra manifestação dita de cultura numa das mais atrasadas e bregas províncias do país. Finda a conversa, todos sumiram no meio de muita poeira. E eu acordei na Zona Leste.




*É Professor em Porto Velho.

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