Porto Velho, 98
anos: comemorar o quê?
Professor
Nazareno*
Geralmente
quando alguém ou algum lugar está completando anos é motivo de festas e
alegrias. A cidade de Porto Velho, capital de Rondônia e que muitos brasileiros
ainda confundem como sendo a capital de Roraima ou sequer sabem de sua tosca
existência, completou sem nenhuma alegria nem comemorações, no último dia dois
de outubro, a incrível idade de 98 anos. Concebida inicialmente como uma cidade
sem a menor importância, perdida nos cafundós do país e pertencente ao Estado
do Amazonas, o ermo lugar, que ainda não sabe direito a origem do seu esquisito
nome, nasceu com a triste sina de apenas beneficiar quem é de fora, no caso os
bolivianos, com a Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Seu primeiro mandatário, o
Major Fernando Guapindaia, veio de Manaus em 1914 e de lá para cá se alternou
no poder máximo do município uma penca de prefeitos e prepostos sem nenhuma
expressão e que só contribuíram para a derrocada total do lugar. Nenhuma de
suas autoridades, nestes 98 anos, nasceu aqui.
A
cidade é feia como é muito feia também quase toda a sua gente. É suja e não tem
nem nunca teve planejamento urbano nenhum. Vista do alto, se parece com um
cemitério ou uma currutela, daquelas dos garimpos. Segundo o Instituto Trata
Brasil, tem o menor percentual de água tratada e de saneamento básico dentre as
27 capitais do país. Não tem arborização nenhuma e suas ruas são quase todas
tortas e sinuosas. Seus habitantes sofrem o ano todo: no verão é poeira
sufocante em todos os bairros e no inverno ninguém consegue andar com tanta
lama. Seu trânsito, segundo a revista Quatro Rodas, é o pior do Brasil. Isto
numa cidade que tem na área urbana menos de 400 mil habitantes. Um bairro, e
dos pequenos, da cidade de São Paulo. Obras inacabadas existem por todos os
cantos da área urbana. É talvez a única das cidades do Brasil onde viadutos têm
semáforos embaixo. Percebe-se que municípios mais novos como Maringá e Londrina
no Paraná ou a Caxias do Sul dos gaúchos são melhores em quase tudo.
Porto
Velho nunca teve uma administração de vergonha. Este ano, como é ano de
eleições, os habitantes terão ao mesmo tempo uma alegria e uma profunda
tristeza: as comemorações serão por conta da saída do atual Prefeito que para a
alegria de muitos finalmente deixará o cargo, mas em contrapartida todos sabem
que entrará outro pior do que ele. E candidatos não faltam. Todos eles
prometendo transformar a fedorenta e bagunçada cidade na Londres, Paris ou
Milão dos trópicos. E o pior é que quase todo mundo ainda acredita na lorota
absurda, já que há quase uma dezena de novos postulantes à Prefeitura
Municipal. Ao contrário destas lindas, maravilhosas e paradisíacas cidades
europeias, a capital dos rondonienses não tem nada digno para ser visitado.
Aqui, ainda se usa como símbolo um trambolho velho, feio e sem sentido que nada
mais é do que um amontoado de ferrugem de cor preta construído por exploradores
nos idos tempos e que os nativos chamam orgulhosamente de “As Três Marias”.
A
cidade é mal traçada, não tem arborização nas ruas e avenidas, não tem praças,
não tem espaços públicos para lazer, as vielas são cheias de lixo e sujeira
onde é comum se observarem diariamente cachorros e outros bichos mortos apodrecendo
cheios de tapurus e exalando mau cheiro. Vários igarapés cortam a cidade em
vários sentidos. Todos já mortos e contaminados recebem esgotos e dejetos e os
levam até o rio Madeira. Além do mais, é uma das cidades mais violentas do
Brasil. As passagens aéreas para sair são bem mais caras do que para voltar.
Aqui quase nada funciona. Água encanada é um luxo quase inatingível para a
maioria da população e embora seja chamada de “a cidade das hidrelétricas”,
falta energia quase todo dia. Televisão em alta definição existe, mas é de
péssima qualidade, a internet, quando funciona, é mais lenta do que tartaruga.
O calor é infernal e já marcou a incrível sensação de 45 graus centígrados. Na
cidade-inferno, de tão quente e abafada, tem até uma ferrovia do diabo.
Mas
há coisas boas por aqui: é quando chegam as férias. Quem pode pega seus
“paninhos de bunda” e vai passear no litoral ou então gastar seus “quase nada”
no Sul do Brasil ou mesmo no exterior. Futebol, uma marca registrada do
brasileiro, não existe por estas bandas.
Não há estádios nem manifestações autóctones de cultura. Quase tudo é (mal)
copiado. Não existe festa da padroeira, o carnaval tem o desfile uma semana
depois que acabam as festividades de Momo, a Semana Santa é encenada em junho,
muitos políticos roubam e ganham como castigo um mês de férias e as festas
juninas são realizadas em setembro num local incerto e não sabido. Estão
construindo uma ponte muito grande em Porto Velho que ninguém sabe para que
servirá, já que não há estradas nem moradias do outro lado do rio Madeira.
Apesar desta obra faraônica, onde já se gastaram 300 milhões de reais, as
autoridades só falam na Hidrovia do Madeira que levará, via fluvial, o pouco
aqui produzido para Manaus e o restante do país. Estão construindo duas grandes
hidrelétricas para servir aos outros e provocar desastres ambientais na nossa
já castigada natureza. São 98 anos mal vividos por uma população que apesar de
tudo está alegre, feliz e satisfeita e que adora entoar mantras fascistas como:
“não está gostando, saia daqui”, “os críticos da cidade são ingratos, aqui
enriquecem e falam mal de nós” ou o mais bestial de todos, “o caminho do feio,
é por onde veio”. Dizem isto como se a catinga, a desorganização, a
roubalheira, a falta de esgotos, de água tratada, de saneamento básico e as
agruras deste lugar fossem acabar.
*É Professor em
Porto Velho.
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