quinta-feira, 31 de maio de 2012


A Justiça e a vergonha 

André Petry – Revista Veja

"Jefferson poderia comprar mais de 130 000
kits de queijo, biscoito e desodorante com
o dinheiro sujo do PT. Mas Jefferson
não é Sueli para dormir no xadrez"

Paulo Maluf e seu filho Flávio estão presos, mas não por muito tempo. Afinal, eles não são Rosimeire Rosa de Jesus. Ela é negra, tem 33 anos e está presa desde 20 de agosto de 2004. O motivo: tentou roubar uma ducha elétrica de um supermercado, em São Paulo. A ducha custa 19 reais. Rosimeire foi condenada a onze meses e vinte dias de cadeia, com um detalhe inacreditável: sem direito a apelar em liberdade. Num país em que assassino, ladrão e traficante podem apelar em liberdade, uma coitada que tenta furtar uma ducha para dar banho quente no filho pequeno tem de ficar presa. A isso dá-se o nome de Justiça brasileira.
Roberto Jefferson perdeu o mandato mas não perderá a liberdade. Quer apostar? Ele botou a mão em 4 milhões de reais em dinheiro clandestino, saído do esgoto do PT. Não furtou um queijo branco, dois pacotes de biscoito e bisnagas de desodorante. Sueli da Silva tem 45 anos, é negra e está presa desde o dia 30 de junho do ano passado devido à tentativa de furtar essas ninharias num supermercado, em São Paulo. Sueli foi condenada a um ano e quatro meses de cadeia. Os produtos que tentou furtar custavam, somados, 30 reais. Jefferson poderia comprar mais de 130.000 kits de queijo, biscoito e desodorante com o dinheiro sujo do PT. Mas Jefferson não é Sueli para dormir no xadrez, ora essa.
Os deputados do mensalão vão ser cassados, mas não vão passar nem uma semana no xilindró. Rosana Evangelista Santos, 36 anos, negra, cinco filhos, ficou bem mais que uma semana na cadeia. Seu crime: tentou furtar dois pacotes de fraldas descartáveis – o preço: 13,80 reais – numa loja chamada Bebê Alegria. A Pastoral Carcerária suspeita que Rosana seja portadora do vírus HIV. Ela foi presa em março passado e, numa vitória incomum para pretos e pobres, conseguiu o direito de responder o processo em liberdade. Nossa Justiça não é o máximo da generosidade?
           Severino Cavalcanti perderá o cargo, o mandato, mas para a cadeia não vai. Emília Ferreira, 23 anos, branca, três filhos, nunca recebeu mensalinho nem mensalão, mas foi presa em 17 de janeiro de 2004. O crime: tentativa de furto de um carrinho de bebê e outros produtos infantis. Emília cumpriu toda a pena: 21 meses de prisão. Foi libertada na sexta-feira passada. No Brasil, só quem é preto e pobre cumpre pena integral. Em 1992, o então deputado Osvaldo dos Reis Mutran, de Belém do Pará, matou um fiscal da Receita e pegou dez anos de cadeia. Cumpriu parte da pena e foi solto. Em 2002, quando ainda deveria estar preso pela sentença original, Mutran, homem de família riquíssima, matou um menino de 8 anos com um tiro na cabeça, crime do qual – pasme, leitor! – acaba de ser absolvido. Mutran, o assassino, cumpre parte da pena, é solto, mata de novo e sai absolvido. Emília, a perigosíssima assaltante de produtos infantis, fica na cadeia até o último dia de sua pena. Emília era primária. Não tinha antecedentes criminais.
Maluf, Jefferson, deputados do mensalão e Severino podem ficar tranqüilos que a Justiça não os abandonará. Rosimeire, Sueli, Rosana e Emília só contam com a advogada Sonia Drigo, que as defende gratuitamente em nome de um sonho: o sonho de fazer com que um dia, quem sabe um dia, a Justiça deixe de nos dar vergonha.

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