quarta-feira, 15 de julho de 2015

Desafiei o Professor Nazareno



Desafiei o Professor Nazareno


Professor Nazareno*

           
Outro dia andando solitário pelas ruas de Porto Velho e sem muito que fazer, eis que encontro o famigerado “professorzinho de araque” chupando um picolé de açaí. Procurei me conter, segurei minhas emoções e me controlei. Tive delírios homicidas e juro que se andasse armado teria lhe dado um tiro certeiro. “Seu filho de uma égua! Vamos conversar e colocar os assuntos em dia. Preciso desabafar com você”, disse-lhe logo de cara. “Não entendo essa sua teimosia de querer falar sobre a Banda VERSALHE”. Ele me olhou e calado, baixou a cabeça. Eu continuei: “há quase quatro décadas você mora aqui e sempre ouviu falar desses meninos”. “Não seja burro, cara. Os garotos da VERSAILLES são a mania nacional, são o circo que abastecesse o pão que falta em Porto Velho e em Rondônia. Por que só você é que não percebe isso?
 “Por que se faz de cego?”. Não vou entender nunca: “você fala mal da política, da cidade, dos políticos, da cultura, de tudo...”. “Parece que não está satisfeito com nada. Em Porto Velho existem uns 50 professores de Redação e de Gramática bem melhores do que você, seu traste!. E nenhum deles vive transtornando a vida de ninguém. Quantos textos os bons e competentes professores da Unir, por exemplo, têm escrito ultimamente? Veja a professora SULINA ANTAS, uma intelectual de primeira linha, você já leu um único texto dela? Ela é uma rondoniense de coração. E feliz. E os professores das faculdades particulares? Eles também não fazem textos. Por que você, seu imbecil, não faz como eles e para logo com esta sandice de escrever merdas? Todos estão felizes sem produção literária alguma. Por que você não os imita? Seja feliz!”
Sem dar uma única palavra, o velho e odiado professor respirou fundo como se sentisse cada alfinetada que eu lhe dava na alma. E continuei: “veja os jornalistas daqui. São quase todos felizes escrevendo só o que os leitores deles querem ler e ouvir”. A felicidade é uma máxima dentro das redações. “E agindo e escrevendo assim, você vai ter problemas. Qual o dono de escola que quer um professor de produção de textos verídico como você? Um professor que produz textos? E os donos de sites de notícias? A maioria quer você bem longe de suas redações. O Rondoniaovivo mesmo, já faz umas duas semanas que não publica suas indecências. Você pode ter sido demitido pelo Paulo Andreolli, seu estúpido! Escreva sobre mulheres que gozam e gritam. Escreva sobre homens que não lavam o pinto. Escreva sobre o lindo trabalho dos políticos.”
Como que reconhecendo que falar sobre a Banda VERSAILHES não foi um bom negócio na “terra do Rock”, o estúpido e aloprado mestre bocejou e continuou a me ouvir. “Aprenda a gostar de Boi e de Rock, seu tonto, siga a Banda do Vai Quem Quer, vá ao Arraial Flor do Maracujá, dance quadrilha, curta a VERÇAILHE e admita que amar a cultura de um povo é o maior ato de civilidade”. E não parei: “você vai ficar desempregado e pouco reconhecido até pelos amigos mais chegados”, disse-lhe convicto. “Se tiver que fazer textos, faça só os que agradam. Seja Gospel. Você será amado pelos intelectuais e por toda a sociedade”. Desapontado, o infeliz jogou fora o picolé preto, limpou a poeira do traseiro e disse que daquele momento em diante iria só escrever poesias líricas. Sei, não. Mas parece que sem muito esforço e com carisma domei uma fera que tanto tem atormentado as boas e honestas famílias portovelhenses.




*É Professor em Porto Velho.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

A Banda Versalle brilhou. E daí?




A Banda Versalle brilhou. E daí?


Professor Nazareno*

              Não gosto de Rock e muito menos “conheço quem conhecia” essa Banda Versalle de Porto Velho, sensação e finalista do Reality Show Superstar apresentado na Rede Globo, que operou o milagre de transformar “do nada” desconhecidos jovens em cantores de renome. Virou modismo afirmar ser fã de uma banda cujo nome poucas pessoas sabem o significado. Deste momento em diante, pasmem, Rondônia e Porto Velho, que nunca foram “terra de nada”, viraram de uma hora para outra a “terra do Rock”. Mas talvez por pouco tempo, como fogo de palha. “Quer dizer que lá em Roraima e em sua capital Rio Branco, as crianças ganham guitarras de presente assim que nascem?”, devem perguntar atônitas muitas pessoas do Sul do país. “O sonho de todo menino ‘no Norte’ deve ser querer ser roqueiro”, acham outras, ainda perplexas.
            Mas não sejamos injustos: os rapazes até que têm talento. Consegui ouvir por inteiro uma de suas músicas. “Vinte graus e um cobertor”, foi a que mais me chamou a  atenção. Com um único erro de gramática normativa e 14 versos pobres distribuídos por três estrofes, não se pode dizer que é uma música daquelas que marcarão época. Mas o título deve ter empolgado os jurados, que provavelmente ficaram curiosos com o fato de se usar cobertor sob um calor horroroso de vinte graus. Rock nunca fez parte da cultura de Porto Velho nem de Rondônia, todos sabemos, mas a incrível performance desta banda até que nos trouxe, não sei por que, um certo alívio na alma. Acostumados com poeira e fumaça sufocantes no verão, lama podre no inverno, sujeira, carniça no meio das ruas, roubos e corrupção sem fim na política, parece que chegou a nossa vez de rir.
            E coisas estranhas andam mesmo acontecendo por aqui ultimamente. A licença do “maior teatro sem alvará do país” finalmente foi liberada. Assim, os russos e outras companhias de dança do mundo já podem apresentar sua arte sem que tenhamos de assistir a eles sentados em duras e desconfortáveis cadeiras de plásticos e sem direito sequer de ver os pés dos bailarinos. O Arraial Flor do Maracujá, pelo menos neste ano de 2015, parece que teve patrocínio oficial com local e data definidos. A rondoniense e boa Orquestra Villa Lobos já consegue fazer magníficas apresentações, ainda que gratuitas infelizmente, no novo teatro. Porém, o mais inusitado para nós é saber que os muitos políticos daqui estão mais comportados e parece que não querem mais roubar o Erário. Estamos já há seis meses sem escândalos na política. Isto, sim, um milagre!
            Esse inesperado brilho da Banda Versalhe é um daqueles acontecimentos que não vão acrescentar nada em nossas vidas e nem subtrair. É mais ou menos como o Genus ter sido campeão de futebol em Rondônia este ano e ter trazido para a capital a supremacia do futebol estadual depois de “não sei quanto tempo”. O Flor do Maracujá, por exemplo, é o maior “arraial sem santo do Norte do país”. A Banda do Vai Quem Quer é o maior bloco de foliões de toda a Amazônia. E daí, qual a vantagem nisso? A Versalle ficou conhecida nacionalmente, mas não terá público local que a sustente e por isso será sempre “do Norte”. Sem patrocínio e só dependendo daqui, corre o risco de desaparecer. Já ouvi muitos perguntarem: por que ela não se apresenta de graça em Porto Velho? É bom vibrar com a Versalle, pois nos fará esquecer os viadutos, o Espaço Alternativo, a ponte escura, o Nazif e tantas outras mazelas sociais. E chega de Boi, né?




*É Professor em Porto Velho.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Eu, prefeito de Porto Velho?



Eu, prefeito de Porto Velho?
Professor Nazareno*

O ex-prefeito de Porto Velho e talvez futuro candidato ao cargo, suplente de senador e advogado Odacir Soares, afirmou recentemente que a nossa cidade precisa de uma revolução de competência. Disse também que o muito dinheiro que vem para fazer benfeitorias na capital volta por falta de projetos. Se fosse por isso, administrar Porto Velho seria uma das tarefas mais fáceis no mundo. Não gosto da política, mas eu, o odiado Professor Nazareno, até que gostaria de ser prefeito daqui, já que vejo muitas coisas erradas e por isso tenho condições de transformá-la numa cidade bem melhor. E a tarefa é fácil mesmo, uma vez que para onde se olhe, há problemas que quase não se veem em outro lugar. Acho que estava equivocado quando outro dia propus o slogan “Desista de Porto Velho” em oposição ao outro falido mantra: “Abrace Porto Velho”.
Eleito autoridade maior da capital dos “destemidos pioneiros”, começaria logo mandando retirar o adjetivo “Internacional” que está equivocadamente grafado na fachada do aeroporto da cidade, já que não se pode conviver com mentiras públicas. A seguir, determinava a destruição completa da Praça das Três Caixas d’Água, que todos acham ser o símbolo da cidade. Feias, tortas, velhas e na iminência de cair e matar pessoas inocentes, “os trambolhos pretos” não despejariam mais ferrugem no meio da rua. Além do mais, naquele local bem que poderia existir uma nobilíssima favela. A lendária Estrada de Ferro Madeira Mamoré seria definitivamente extinta. O que restasse de trilhos seria doado para os moradores proteger a frente de suas casas. As locomotivas que ainda estão inteiras seriam todas transformadas em ferro-velho e vendidas a quilo.
Na arborização, eu como prefeito, inovaria. Arrancava as poucas árvores da cidade e mandava plantar só louro-bosta em todas as praças e avenidas. Já pensou a fragrância todo final de tarde? A cidade toda cheirando a merda seria um deslumbre só. Por isso, o pouco de esgoto sanitário que ainda existe por aqui eu mandaria desmanchar para combinar com o fétido ambiente. O Espaço Alternativo, na minha administração, seria totalmente modificado. A partir de então determinava a cobrança de ingressos para quem fizesse uso do mesmo e todo o dinheiro arrecadado seria doado aos políticos. A ponte escura do rio Madeira, claro, seria implodida. Quem quiser cruzar o “Madeirão” que o faça nadando mesmo, já que natação faz bem à saúde. Os viadutos ficariam intocáveis. Eles seriam uma singela homenagem a nós, os políticos e as autoridades.
Na área do transporte coletivo não precisaria mudar nada: não se mexe no que está bom. Eu só aumentaria o valor da passagem. As duas inúteis hidrelétricas seriam desmanchadas, já que o preço da nossa energia só aumenta. Banda do Vai Quem Quer, Arraial Flor do Maracujá, Expovel dentre outras “grandes manifestações de cultura” seriam incentivados comigo. Criaria também a Univel, Universidade de Porto Velho, pública e ligada ao município. Para lá só contrataria professores da Unir, a “outra universidade”. Óbvio que eu administraria a capital sem a Câmara Municipal, afinal não se sabe mesmo para que serve um vereador. Faria uma enorme estátua do Jeca Tatu para simbolizar a cidade. E como sou de família só de gente honesta, “os meus” seriam todos contratados pela Prefeitura para melhor servir aos munícipes. O maior problema, no entanto, seria eu mesmo: como morar num lugar em que as pessoas votaram em mim?




*É Professor em Porto Velho.

domingo, 5 de julho de 2015

Rondônia e frio: tudo a ver



Rondônia e frio: tudo a ver

Professor Nazareno*

            A forte massa de ar polar que penetrou esta semana no sul da região amazônica dando origem ao conhecido fenômeno da friagem trouxe também uma das maiores certezas de que se tem notícia por estas bandas: as “baixas temperaturas” têm tudo a ver e sempre combinaram com Porto Velho, sua gente e com o quente Estado de Rondônia. Todos os anos, os requintados, bem informados, intelectuais, exigentes, limpos e asseados habitantes da “capital das sentinelas avançadas” esperam por este atípico fenômeno da natureza. A chegada do inverno no hemisfério sul sempre foi comemorada anualmente com muita alegria e sorrisos por parte da população rondoniense. Aqui não é verão nesta época do ano, todos sabem disto. Com os ventos mais frios, a alegria abunda nas pessoas, o humor melhora e todos se sentem naturalmente mais felizes.
            Povo riquíssimo em ancestralidade e conhecimentos de mundo, “os destemidos pioneiros” dão um show de criatividade e de elegância nesta atípica época do ano. Grossas, cheirosas e caras mantas e vestes são logo retiradas do guarda-roupa e passam a fazer parte do natural desfile de glamour pelas ruas e avenidas da capital. Na Avenida Jatuarana, uma espécie de Champs Élysées da zona sul da cidade, é notório o deslumbre de moda, charme, elegância, beleza e bom gosto que encantam a todos. Cidadãos alegres e impecavelmente limpos se confraternizando com os transeuntes é uma rara cena que já faz parte da nossa rotina. Lindas, jovens e encantadoras mulheres da alta sociedade local, todas bem maquiadas e com suas roupas requintadas dão o tom deste lugar que mais se parece com um paraíso e não com uma cidade apenas amazônica.
Muitas pessoas, óbvio, principalmente os nativos, acham deliciosos esses três dias de friagem, pois podem tomar com os amigos um Cabernet Sauvignon acompanhado de Bruschettas deliciosas, e, claro, usando um lindo e novo casaquinho quente trazido de São Paulo ou mesmo da Europa durante as últimas férias. Na Avenida José Amador dos Reis, na romântica e paradisíaca zona leste da cidade, a cena não é diferente do restante da capital. A alegria estampada no rosto das pessoas dá o tom idílico de Éden que esta cidade vive nestes dias. Não se sabe ainda o porquê, mas nesta época “fria” do ano os políticos daqui ficam mais alegres e felizes, já que os roubos e assaltos ao Erário diminuem bastante. Mas não posso falar sobre esse assunto, pois determinismo geográfico só com professores “formados com orgulho” em Londrina/PR.
O frio daqui também nos traz boas mudanças de hábito. A culinária na capital dos rondonienses, por exemplo, atrai turistas do mundo inteiro neste período do ano. O cheiro inconfundível de sopas deliciosas e finas iguarias “empesta” a cidade com o seu aroma inconfundível e peculiar. Toda esta felicidade associada ao perfume natural das muitas flores em nossas inúmeras praças, e com um ventinho gelado soprando, cria a sensação de estarmos em Vancouver, Munique ou Geneve. Além disso, a produção intelectual nas muitas e reconhecidas universidades locais praticamente triplica. Jornalistas, consultores, profissionais liberais e até humildes professores fazem discursos em praças públicas incentivando a boa leitura para os nossos jovens. Os médicos, muitos deles já formados por aqui mesmo, já não mais reconhecem só a virose como uma doença telúrica. “Frio, por que insistes em ficar tão pouco tempo entre nós”?




*É Professor em Porto Velho.