Fumaça
Bolsonárica
Professor
Nazareno*
“Odnum
od Uc” sempre foi um lugar muito atrasado,
subdesenvolvido, incivilizado, brega, distante dos grandes centros e tradicionalmente
esquecido pelos governantes. Um grotão encravado numa das regiões mais ricas e
prósperas do mundo, o insólito município é capital de uma província igualmente
atrasada e subdesenvolvida. Antes até tinha florestas tropicais e hoje, devido
ao desmatamento sem controle, padece sob uma fumaça sufocante resultante das
criminosas queimadas que abundam na região. Respirar ali tornou-se uma das
tarefas mais difíceis para um ser humano. A destruição do meio ambiente sempre
foi uma coisa muito normal, mas ultimamente o caos tomou proporções
catastróficas. Como sempre, as autoridades nada fazem e o povo, alegre e feliz
em meio à fuligem, faz apenas alguns comentários e ri de sua própria desgraça.
O povinho de “Odnum od Uc” é uma gente sem futuro.
Desconhecedor de sua própria existência, ele comemora as festas juninas no mês
de agosto e geralmente celebra a semana santa em pleno mês de junho. Sem
qualquer resquício de cultura ou de conhecimento formal, costuma eleger seus
representantes sem nenhum critério. Atualmente o prefeito do lugar, que fora
eleito prometendo amar, beijar e acariciar a fétida cidade, goza de uma
popularidade ímpar mesmo não tendo demonstrado a competência nem a boa vontade
para prover de transporte escolar os alunos da zona rural e da área ribeirinha.
Certamente ele deve usar óculos escuros para não ter que ver a fumaça tóxica e
criminosa que atormenta seus munícipes. Quando o ar fica irrespirável, pega um
avião e vai para Paris, Disney, Barcelona ou outro lugar onde há civilização.
Incrível, mas em “Odnum od Uc” existe Poder Judiciário, Ministérios Públicos e
inúmeros outros órgãos que se dizem de defesa do exaurido ecossistema local
como várias secretarias de meio ambiente, IBAMA, Sema, SIVAM, Sipam dentre
muitos outros inócuos cabides de emprego. Recentemente a Assembleia Legislativa
local aprovou a proibição do uso de canudinhos de plásticos, mas sempre fez
vistas grossas à fumaça criminosa e à constante degradação do meio ambiente. O
fogo arde impune e ninguém faz nada a não ser respirar tranquilamente esse
oxigênio dos infernos. A idiotice e o comodismo parecem ser características dessa
gentinha. Para muitos, o lugar já foi considerado o “suprassumo da merda”, mas isso é uma tremenda injustiça com as
fezes, pois quem já viu excremento exalar fumaça tóxica todo ano e ninguém
reclamar?
Recentemente os matutos de “Odnum od Uc” fizeram uma farra de
peixe na capital do país na vã esperança de transformar consumidores de boas
comidas e de paladar apurado em apreciadores de gororoba. A vergonha só não foi
maior porque a sinistra guloseima foi gratuita. Dizem até que o maior mandatário
do país teria apreciado “aquela comida de
beiradeiro”. Enquanto isso, entra ano e sai ano e a fumaça das queimadas
que manda doentes para os precários hospitais da região é uma rotina infernal,
apesar dos churrascos de peixe e da proibição dos canudinhos de plástico.
Porém, o suplício sufocante está apenas no começo. A partir de agora, é
proibido, por exemplo, publicar que os desmatamentos na Amazônia crescerem
quase 300 por cento em relação ao ano anterior. Eufóricos, os habitantes de “Odnum od Uc” não veem a hora da
esperada chuva de bosta em sua cidade. E a fumaça já pode ser um prenúncio.
*É
Professor em Porto Velho.
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