quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Rondônia para otários



Rondônia para otários


Professor Nazareno*

Calama, a bucólica vilazinha do Madeira já tem médico. Não só médico, mas uma equipe completa com dentista, psicólogo, fisioterapeuta, nutricionista e vários outros profissionais da saúde. Remédio na sua unidade de atendimento é o que não falta. Tem também laboratórios para detectar malária e tem soro antiofídico para resolver imediatamente todos os acidentes com cobras peçonhentas. Imaginem que tem até um lindo e funcional porto rampeado. O cemitério da vila foi todo cercado com um muro de dois metros de altura e construíram lá no alto São José um lindo campo de pouso para atender às emergências. Essa rotina de progresso e desenvolvimento também é vista em outras localidades do baixo Madeira como São Carlos e Nazaré bem como em todos os distritos da BR 364. Os 52 municípios do Estado também desfrutam dessas benesses.
Em Rondônia, a rotina de progresso e desenvolvimento é uma realidade a olhos vistos. Porto Velho, a outrora imunda e suja capital do Estado, é uma espécie de jardim encantado com flores, praças, recantos de lazer, saneamento básico, água tratada, mobilidade urbana e quase zero de violência. A ponte do rio Madeira não é mais escura à noite. Turistas se encantam com o brilho das luzes refletindo nas águas turvas do rio. A rodoviária da capital é um deslumbre só. Banheiros higiênicos, funcionários sorridentes e bom atendimento com ônibus sempre chegando e saindo no horário certo. Pontualidade é a rotina sempre a ser seguida naquele limpo e aconchegante ambiente. Igarapés cheirosos e cristalinos cortam as ruas sempre floridas e cheias de crianças brincando. Porto Velho é um paraíso com coelhinhos saltitantes e borboletas azuis.
O “açougue” João Paulo Segundo é uma referência em vários tipos de doença. Cientistas do MIT e da Universidade de Oxford, por exemplo, lhe fazem visitas rotineiras para aprender com os médicos que ali trabalham como prestar excelentes atendimentos e como salvar tantas vidas de pessoas humildes e carentes. A Unir, Universidade de Rondônia, já conta com um lindo e enorme hospital universitário. Formandos em Medicina, muitos alunos dali ensinam a seus colegas estrangeiros como erradicar várias doenças. O aeroporto local faz voos regulares para a Europa e os Estados Unidos. O porto do Cai N’água é uma espécie de ajuntamento de turistas e viajantes. De Cabixi a Calama, de Machadinho do Oeste a Extrema o que se observa é o respeito à natureza aliado à produção de grãos com esforços em prol dos mais pobres.
Rondônia é uma potência que salvará o mundo, afirmam muitos especialistas. A cultura em expansão mostra a riqueza do Estado. O acanhado estádio Aluízio Ferreira foi todo reformulado e hoje tem capacidade para mais de 30 mil torcedores sentados confortavelmente. O ginásio Cláudio Coutinho recebe semanalmente jogos de todas as modalidades esportivas. Anitta e Rafinha Bastos já fazem suas apresentações artísticas em Porto Velho sem risco de xenofobismo barato. As nossas hidrelétricas fornecem energia abundante para alavancar o progresso do país. A educação no Estado é de tempo integral e as escolas são verdadeiros laboratórios de novas ideias e de pesquisas em todas as áreas do saber. O governo do Estado e a Prefeitura de Porto Velho não têm mais um só funcionário comissionado em seus quadros e a capital já desbanca em IDH qualquer cidade europeia. Acordem, otários! Já começou a campanha eleitoral por aqui.





*É Professor em Porto Velho.

domingo, 26 de agosto de 2018

A República dos Canalhas


República de Canalhas


Professor Nazareno*


Sou um notório ladrão, pois quando estive no poder, consegui desviar muitos reais para a minha conta particular e também para beneficiar meus familiares e amigos. Quando governava, fiz conchavos com empreiteiros e sempre governei somente pensando naqueles que financiaram a minha campanha. Nunca fiz nada pelos pobres e desassistidos, pois o voto deles é certo. É muito fácil enganar um sujeito sem leitura de mundo e sem informações. Basta falar algumas palavras bonitas que eles não entendem e está armada a arapuca. Eles, os pobres, ficam loucos e se apaixonam logo pelos nossos discursos eloquentes. Muitos chegam até a brigar por causa de nós, os políticos. Com pouco dinheiro, consegue-se arrumar alguns puxa-sacos para nos defender. Fazer campanha para pessoas estúpidas e despolitizadas é uma das coisas mais fáceis que há.
Já fui investigado em várias operações da Polícia Federal e mesmo assim sou candidato pela milésima vez. E vou ser eleito de novo. Mesmo que eu não pudesse me candidatar, colocaria um parente meu ou um amigo para concorrer que de qualquer maneira eu estaria eleito, pois sempre “ajudei” os mais pobres. Ainda que eu estivesse preso, governaria de dentro da cadeia. Nada foi provado contra mim e nem será. O meu partido nunca sairá do poder, pois faz coligações “a torto e a direito”. Depende apenas das conveniências. Governando, compro o voto dos parlamentares e todas as minhas emendas e proposições virarão lei. Não lutarei pelas comunidades mais carentes e afastadas do centro do poder. Eles que procurem suas melhoras. São livres para isso. Mesmo assim, haverá quem me defenda nas eleições. Tenho seguidores aguerridos.
Não sou ateu, mas sei usar a religião de maneira muito útil. Estou na missa, no culto e vou à umbanda. Converso até com os ateus. Líderes religiosos me apoiam incondicionalmente e convencem sem muitas dificuldades todos os seus fieis a votarem em mim. Sou casado pela terceira vez e tenho dois filhos “por fora”, mas defendo intransigentemente a família. Isso dá votos, pois muitos imbecis e trouxas adoram todos os candidatos que defendem a família. A mulher não devia participar da política nem das decisões que só cabem a nós homens. Mas não assumo esta postura publicamente para não perder o apoio e, claro, o voto feminino. Os negros, índios e quilombolas deviam reconhecer o seu lugar na sociedade, mas igualmente não digo isso para ninguém ouvir. Eles são muitos e o voto deles é muito importante para o meu projeto.
Sou favorável à pena de morte e à justiça com as próprias mãos. Odeio esse negócio de direitos humanos. Mas é preciso ter muito jogo de cintura para lidar com essas coisas. Nesta época não se pode perder votos à toa. Todo preso vai trabalhar para custear suas despesas. Nas escolas, que continuarão com turno único em meu governo, todos os alunos serão obrigados a cantar o hino nacional diariamente e a prestar continência aos seus superiores. Isso vai revolucionar o ensino no país. Ideologia de gênero, participação popular, orçamento participativo, esquerdas, novos tipos de família e outras “baboseiras” não mais serão ensinados a nenhum estudante. Governarei para o povo e com o povo. Sou o novo na política. Posso até ter feito bobagens quando estive à frente do último governo, mas o eleitor não tem memória suficiente para ver isso. Serei eleito facilmente com o voto dos mais humildes. A democracia não é um bom regime?




*É Professor em Porto Velho.

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Xenofobia e truculência em Roraima

Xenofobia e truculência em Roraima


Professor Nazareno*

A cidadezinha de Pacaraima no extremo norte do Brasil deu recentemente para o Brasil e para o mundo a pior lição que se podia dar com relação a bons modos com os visitantes. Levas de pessoas iradas e dominadas pelo ódio cego agrediram imigrantes venezuelanos, incendiaram seus miseráveis acampamentos e os expulsaram de volta ao seu país. Toda a truculência dos brasileiros foi feita hipocritamente ao som do hino nacional. A confusão se deu porque dois venezuelanos foram acusados de roubar um supermercado local e de agredir seu dono. A acusação pode até ser verdade, já que cerca de 65 por cento da violência registrada na cidade envolve cidadãos do país vizinho. Porém, essa crueldade dos nossos cidadãos não se justifica, uma vez que “justiça com as próprias mãos” nos remete ao terror da Idade Média e ao Código de Hamurabi.
Um dos maiores produtores de petróleo do mundo, a Venezuela vive dias difíceis com o fracasso do bolivarianismo. O país está num colapso sem precedentes em sua História. Por isso, grande parte de seus 32 milhões de habitantes emigra do país em busca de melhores dias. A maioria vai para países de língua espanhola como Colômbia, Peru e Equador. Alguns vêm para o Brasil. Há registros de que pouco mais de 50 mil cidadãos de lá tentam a sorte no nosso país. A estupidez em Pacaraima não se  justifica por vários motivos: a imagem do Brasil de país bom acolhedor de todos os povos cai por terra. E num mundo cada vez mais globalizado, receber bem significa ter seus cidadãos também bem recebidos em qualquer parte do mundo. É tradição nossa acolher de maneira cortês e educada todo e qualquer cidadão estrangeiro em busca de refúgio.
Estranho isso ter acontecido. O Brasil é um país de imigrantes. O Estado de Roraima assim como Rondônia são lugares cuja população é formada por imigrantes. Brasileiros, assim como qualquer outro povo, emigram sempre que problemas sociais, políticos e econômicos atingem seus países. A Europa vive hoje o drama dos refugiados e esse fato sempre acontece e vai acontecer entre os povos. Muitos brasileiros fizeram fortuna vivendo no exterior depois que emigraram. O nosso Ministério das Relações Exteriores não gostou quando a truculência do governo de Donald Trump nos Estados Unidos separou pais e filhos, todos imigrantes ilegais. Governo nenhum, quer ver seus cidadãos sendo massacrados em outro país. Por isso, o governo de Nicolás Maduro exigiu do Brasil que desse tratamento adequado aos seus cidadãos em solo brasileiro.
O ódio em nosso meio parece ter virado uma rotina desde o fatídico golpe de 2016. Armar a população, rejeitar a mulher, o negro, os homossexuais e quilombolas têm sido mote de campanhas políticas, infelizmente. O Brasil avança em direção ao passado.  E retaliações já começaram a aparecer. A Bolívia, imaginem só, já proibiu o ingresso em seu país de cidadãos brasileiros que não tenham cartão de vacinação contra o sarampo, por exemplo. Eu não tenho e por isso não posso ir ao país vizinho. Se o Brasil continuar a receber mal os cidadãos de outros países, pagará com mesma moeda. O episódio de incivilidade de Roraima denigre sobremaneira a nossa imagem lá fora. Como festejar o “Brazilian Day” como fazemos nos EUA? Quando há a ameaça de se deixar a ONU ou se incita o ódio a outros povos nós perdemos créditos no mundo civilizado. Por isso, “é sempre preciso amar ao outro como se não houvesse amanhã”.




*É Professor em Porto Velho.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Por que Lula lidera?


Por que Lula lidera?


Professor Nazareno*

            Segundo as últimas pesquisas divulgadas pelo Ibope, Lula está à frente de todos os concorrentes à Presidência da República com folgados 37 por cento das intenções de voto. Isso é mais do que o dobro do segundo colocado. E continua subindo na preferência popular. Pode, segundo alguns analistas, levar a fatura ainda no primeiro turno das eleições. Só que Lula não é candidato, pois além de estar preso em Curitiba, deve cumprir pelo menos 12 anos da pena a que foi condenado por lavagem de dinheiro e corrupção no caso do Tríplex do Guarujá. Há ainda vários outros processos a que terá de responder. É, portanto, ficha suja e por isso não poderá concorrer a nada. Está fora de toda e qualquer disputa eleitoral. Mas ainda assim, para desespero dos reacionários, dispara nas pesquisas e desbanca todos os outros presidenciáveis. Milagre? Fenômeno?
            Enfim, qual o fato “tão fora do comum” que está fazendo com que grande parte do eleitorado brasileiro queira votar num presidiário? Será que a Operação Lava Jato fracassou na sua tentativa de querer ser a palmatória do mundo? Será que o juiz Sérgio Moro e sua equipe não conseguiram se livrar da acusação de que só prendem petistas e deixam os tucanos livres? Aécio Neves, Alckmin, Beto Richa e José Serra continuam incólumes. Nada até agora parece que lhes incomoda. Lula é um notório corrupto e se não roubou, pelo menos deixou roubar. E muitos roubaram mesmo, sem dó nem piedade. Com a anuência e o patrocínio dos petistas e sempre com o Lula à frente, instalaram o Mensalão, saquearam o Estado, montaram um dos maiores esquemas de ladroagem ao Erário, quebraram a Petrobras. Lula e o PT fizeram muito mal ao país.
Há suspeitas inclusive de que seus filhos ficaram todos ricos e milionários depois que o “sapo barbudo” subiu e ascendeu na política. Mas por que a adoração em massa ao ex-presidente? Boa pergunta. Os atuais presidenciáveis poderiam procurar saber onde reside tanta popularidade do Lula e começarem, se eleitos, a fazer o que ele fez quando passou oito anos à frente do poder. Lula e o PT fizeram a sua sucessora, que foi eleita e reeleita até ser retirada do Planalto à força num golpe inusitado. O metalúrgico deixou o poder com mais de 80% de popularidade, algo jamais visto neste país. Michel Temer, o “vampiro impopular” colocado no lugar da Dilma depois do golpe de 2016, patina hoje com menos de três por cento de popularidade. PSDB, MDB e outros tantos partidos golpistas querem hoje é distância do atual presidente do país.
Lula lidera as pesquisas e se pudesse ser candidato ganharia ainda no primeiro turno porque sempre olhou para os pobres. Não tinha medo deles. Estava com eles em todos os seus programas como Fome Zero, Universidade para todos, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, transposição do rio São Francisco, Programa de Aceleração do Crescimento, dentre outros. O eleitorado do Brasil tem mais de 80% de pobres e miseráveis e Lula, mesmo tendo roubado deles, não se esqueceu dos mesmos. Apenas deu-lhes migalhas, por isso muitos deles hoje matam e morrem por Lula e pelo PT. Valorizar o pobre é uma coisa que os governos da elite nunca fizeram. Só roubavam e nada dividiam com os mais necessitados. O raciocínio é simples e bem brasileiro: rouba, mas faz. E como todos roubam, é melhor apoiar aqueles que roubam e dividem com todos. E se petista vota no PT e em quem o PT mandar, já se sabe quem vai ser eleito.




*É Professor em Porto Velho.

domingo, 19 de agosto de 2018

O Sírio-Libanês de Rondônia



O Sírio-Libanês de Rondônia


Professor Nazareno*

            Rondônia é um rincão atrasado, subdesenvolvido e inóspito. Disso quase todo mundo que mora aqui sabe. Talvez o que não se saiba é o porquê de tudo isso ser verdade. Por que um Estado que detém os melhores índices na agropecuária e se situa entre dois biomas conhecidos mundialmente apresenta números tão frágeis quando se trata de IDH? Temos água potável em abundância, temos um rebanho bovino invejável, temos grandes extensões de terras agricultáveis, temos muitos outros recursos naturais. Por que um Estado com toda esta riqueza e que tem uma população minúscula não consegue dar a ela uma qualidade de vida pelo menos razoável? Somos um fracasso na Educação, na Segurança Pública e também na Saúde. Por que este Estado, por exemplo, tem que conviver ainda com um hospital como o João Paulo Segundo de Porto Velho?
            O “velho açougue” é uma vergonha, não somente para Porto Velho e Rondônia, mas para todo o Brasil. Recentemente o Coren-RO, Conselho Regional de Enfermagem de Rondônia, denunciou pela milésima vez as más condições daquele estabelecimento público de saúde. O que acontece ali poderia ser denunciado ao mundo, pois é um verdadeiro desrespeito à dignidade humana. Pacientes esparramados pelo chão, jogados em macas improvisadas, falta de médicos, de enfermeiros e de outros profissionais da saúde é o que se relata. Parece um hospital de um país em guerra. Se a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA visitasse o João Paulo poderia constatar in loco como as autoridades rondonianas tratam os seus pacientes mais pobres. Sim, porque as pessoas mais endinheiradas querem distância daquele verdadeiro inferno.
            O Coren-RO constatou o óbvio na visita que fez: superlotação, pacientes “internados” pelos corredores, em áreas externas e em condições insalubres. E as autoridades, o que têm feito para sanar esta vergonhosa situação? Confúcio Moura no início de seu governo trouxe até a rede Globo para fazer reportagens sobre o “açougue”. Passou oito anos governando o Estado e mudou o que ali? De campo de concentração, passou a ser campo de extermínio de pobres. Essa foi talvez a única mudança verificada. Hitler matava judeus, em Rondônia se matam pobres. Outros governadores também viram o problema e deram de ombros. Ironia: quase todos os políticos e autoridades deste Estado devem ter bons planos de saúde. Estamos agora em plena campanha política. Alguns candidatos vão lá prometer mundos e fundos e depois esquecem tudo.
            Infelizmente o Hospital João Paulo Segundo de Porto Velho vai continuar assim por muito tempo. Só pobres e pessoas com pouquíssima leitura de mundo é que usam suas dependências. Pior: já vi gente aplaudindo aquele caos. “O hospital João Paulo Segundo salva muitas vidas, graças a Deus”, falam alguns ignorando que ninguém salva a vida de ninguém, apenas se for competente adia a morte. Claro que algumas pessoas conseguem sair vivas de lá. Conheço algumas, inclusive. Mas este pensamento conformista só adia melhores soluções para aquele “açougue”. Óbvio que muitos profissionais de João Paulo se esmeram em fazer o melhor dentro de um ambiente com poucas condições para funcionar. São heróis, portanto. Entendi porque a vilazinha de Calama no baixo Madeira não tem médico há seis meses. “Senhores candidatos, o Sírio-Libanês de Rondônia precisa de soluções urgentes. Não deixem seus eleitores morrer”.





*É Professor em Porto Velho.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Minha cidade precisa de...



Minha cidade precisa de...


Professor Nazareno*

            De tudo. A minha cidade é um lugar perdido no tempo e no espaço.  Além de feia é imunda e fedorenta. Muito fedorenta. Precisa de tudo para ser pelo menos comparada a uma cidade de verdade. Daquelas da Europa, dos Estados Unidos ou mesmo do sul do Brasil. Com pouco mais de 500 mil habitantes e ainda muito jovem com apenas um século de existência, a minha cidade é uma das antessalas do inferno. Essa minha cidade até o diabo enjeitaria e jamais gostaria de morar nela, mesmo que tivesse muitas almas à sua disposição. Sempre foi muito mal administrada desde os tempos de sua criação no início do século passado. Nasceu por acaso e ainda hoje não se sabe o fato real que deu nome a uma das piores capitais do Brasil para se viver. Curva de rio, nela aporta toda qualidade de gente sem o menor amor ao lugar. Um velho oeste.
            Sem água tratada, sem esgotos, sem saneamento básico, sem coleta seletiva de lixo, sem arborização, sem praças, sem recantos de lazer e quente feito o purgatório, a minha cidade agoniza agora no verão com a fumaça das criminosas queimadas e da poeira sufocante. Porém, as autoridades eleitas para administrar o lugar procuram compensar a incompetência com engodos e enganações para iludir trouxas e simplórios. Por isso, muitos moradores creem cegamente que moram numa cidade civilizada, com boa mobilidade urbana e com infraestrutura adequada. Imaginem se eles morassem numa cidade de verdade onde quase tudo funcionasse. Durante as eleições, por exemplo, muitos de seus moradores brigam por causa dos seus candidatos. Nas convenções partidárias, eles se pegam na tapa por causa de seus políticos de estimação.
            Minha cidade precisa de mais amor, coisa muito rara de ser demonstrada pelos seus ingratos moradores. Precisa de mobilidade urbana, rede de esgotos, recantos de lazer e não de letreiros estúpidos para ludibriar eleitores idiotas como os que fizeram em vários pontos. Como no restante do Brasil, pelo menos 80 por cento dos moradores desta minha cidade são ignorantes, porcos e só servem como massa de manobra para os ambiciosos e astutos políticos de plantão. Minha cidade não tem um porto decente, uma rodoviária que preste e um hospital de pronto socorro. O acanhado aeroporto, que dizem ser internacional, só faz voos para dentro do Brasil mesmo. Se pelo menos um dos políticos que administrou a “currutela fedida” fosse filho dela, talvez não tivéssemos a triste sina de ter o satanás como protetor. A minha cidade é o próprio inferno na terra.
            Última dobra do esfíncter anal, ela não tem importância nenhuma na triste realidade do país. É um lugar ermo, sem eira nem beira onde nenhum turista de bom senso desejaria visitá-la. Vir à minha cidade só se for a negócios. E negócios rentáveis. Ou então para ser candidato a algo. Minha cidade não tem nenhum atrativo turístico e seus políticos são quase todos mentirosos, incompetentes, ladrões e encantadores de jumentos. Mas são todos amados e idolatrados pelos eleitores. Na minha cidade não tem cultura, não tem lazer, não tem esportes, não tem mobilidade urbana, não tem educação de qualidade e não tem saúde pública. Mas tem muita violência, pobreza e ignorância. Sua rotina é lama ou poeira. Seus moradores dizem que odeiam a corrupção, mas raramente votam em políticos honestos. Seu nome devia ser “Meia-Boca”, pois quase tudo dela foi “feito nas coxas”. E ela é uma capital. Agora só falta a Anitta cantar nela.




*É Professor em Porto Velho.

domingo, 12 de agosto de 2018

Calama está sem médico


Calama está sem médico

Professor Nazareno*

            Talvez fosse difícil imaginar Porto Velho sem médico. De uma hora para outra todos os profissionais de medicina daqui deixaram de atender aos seus pacientes ou simplesmente foram embora da cidade. Óbvio que isso é apenas no campo da ficção. Mas Calama, a charmosa e encantadora vilazinha no baixo Madeira está sem médico há mais de cinco meses e raríssimas providências foram tomadas até hoje para resolver este gravíssimo problema, pelo menos muito grave para aquela comunidade. A “Veneza esquecida do Madeira” tem hoje mais de três mil habitantes e é um centro de mais de cinco mil moradores incluindo outras vilas menores como Demarcação no rio Machado, Papagaios, Conceição do Galera, Maici e Ilha de Assunção. Como há trinta ou quarenta anos, não existe ali um só médico. Entendi agora porque Calama é a Veneza esquecida.
            Porto Velho tem um prefeito, um vice-prefeito, secretários, várias autoridades e pelo menos 21 vereadores muito bem instalados na Câmara Municipal e duvido que ali não haja muitos médicos e outros bons profissionais para atender a todos. Não lembro qual dos políticos, mas teve um deles que disse outro dia que ia amar, abraçar, acariciar e beijar a cidade. Pensei que isso seria também aplicado aos distritos. Mas no caso da vilazinha do Madeira a lorota não era pra valer. Calama tem pelo menos uns dois mil eleitores cadastrados e ainda que não tivessem votado em nenhum dos vereadores eleitos, não merecia esta triste situação. E mesmo que lá não tivesse nenhum eleitor, não poderia nem deveria estar passando por esta situação surreal, pois ali existem seres humanos bons, hospitaleiros, trabalhadores, íntegros, corretos e todos são brasileiros.
            Dizem que até fevereiro de 2018, o Programa Mais Médicos do Governo Federal mantinha ali um profissional de saúde e que por algum motivo saiu de lá. Mas deixar o bravo e ordeiro povo de Calama sem médico por tanto tempo é de uma crueldade que afronta até a política internacional de direitos humanos. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA deveria saber disto. Não só Calama, mas qualquer outro distrito, vila, aldeia ou comunidade situada nos rincões deste Brasil necessita de médico. Em Calama não há médico, não há dentista, psicólogo ou advogado. Caos: o Posto de Saúde do distrito pode até ter remédios, mas só podem ser distribuídos com prescrição médica. E como não há médico... Pessoas podem simplesmente morrer de causas evitáveis e tudo por culpa de quem? O Poder Público tem que ser responsabilizado, sim!
            Estive em Calama recentemente e vi dentre muitos dois casos que me chamaram a atenção. Igor Prestes, um jovem pescador de uns 20 anos, foi picado por uma cobra e se não fosse levado às pressas para Humaitá no Amazonas, teria ido a óbito. Em Calama parece que não existe soro antiofídico e, claro, nem médico para prescrevê-lo. Ali se precisa contar muito com a sorte. Minha comadre Safira também estava doente. O rosto inchado por causas desconhecidas só melhorou depois de compressas de gelo. O que um professor de Gramática entende de medicina? Pedi providências ao vereador Aleks Palitot. Solícito, ele me disse que vai buscar soluções. Eu pediria à Prefeitura de Porto Velho e às autoridades responsáveis que se não podem mandar médico para lá, criem a “Secretaria do Ramo de Arruda” para pelo menos rezar e benzer o povo. Pior: quando voltei no domingo, o porto estava fechado e tive que subir o barranco liso feito sabão.




*É Professor em Porto Velho.

domingo, 5 de agosto de 2018

Meus heróis são corruptos

Meus heróis são corruptos


Professor Nazareno*

            Dizem que todo mundo tem um herói quando criança. E mesmo depois de crescer, continua venerando alguém. Eu sou um pouco diferente, pois tenho vários heróis e todos eles são brasileiros. Meus “zeróis” são conhecidos de quase todos os cidadãos da tribo. Aliás, neste meu lugar há mais heróis do que cidadãos. Parece com aquela velha história de uma tribo que tinha mais caciques do que índios. Para ser herói aqui não precisa de muita coisa, não. Basta ser filiado a um partido político e saber falar em público. Um herói de muita gente hoje, e meu também, está preso. Fez e aconteceu, foi bonzinho, foi popular e apesar de semianalfabeto, é descrito como um dos melhores caciques que a tribo já teve em toda a sua História. Menino pobre do interior, transitou com desenvoltura no meio dos ricos. Mas acabou traído e a própria elite o pôs em cana.
            Esse meu herói não roubou, mas deixou roubar. Após deixar o poder, aceitou subornos e mimos de empresários em troca de favores oficiais. Um sítio e um tríplex estão entre os presentes que teria recebido ilegalmente. Se o deixarem concorrer, leva a contenda ainda no primeiro turno. Em todas as pesquisas aparece com mais de 30 por cento das intenções de voto. Fala-se que os pobres gostam muito dele porque o mesmo sempre governou olhando para os mais necessitados. Fome Zero, Bolsa Família, Programa Mais Médicos, Universidade para Todos, Minha Casa Minha Vida, Transposição das águas do rio São Francisco dentre muitos outros programas criaram uma verdadeira adoração a este meu herói. Outro dos meus heróis é um ex-militar que fala tudo aquilo que o povo gosta de ouvir. É sério candidato a um dia presidir a tribo.
            Gaba-se de não ser corrupto, mas é acusado de ser misógino, homofóbico, racista, preconceituoso e ditador. Dizem que flerta com a censura e com a tortura. Elogia abertamente a Ditadura Militar, embora não tenha boa aceitação na caserna. Esse meu herói é muito querido e amado entre os mais despolitizados, desinformados e sem leitura de mundo. Seu discurso de ódio é o carro chefe de sua campanha. Se ele for o cacique-mor da nossa aldeia, diz que vai ensinar a outros caciques como se governa. Há também outro herói de sobrenome esquisito. Ajudou, com a participação da Justiça, um vice cacique a dar um golpe na cacique titular e até hoje é chamado de golpista. Esse meu herói gosta muito de merenda escolar e também de construir linhas para metrô nas cidades grandes. Fala muito bem e dá a entender que só governa para quem já é rico.
            Além destes três heróis e caciques, existem pelo menos outros onze querendo mandar na tribo a partir deste ano de 2018. Todos são notáveis e todos são pessoas muito boas e amadas pelos ignorantes índios, que chegam a brigar por causa deles. Nas aldeias menores é a mesma coisa: quase todos os caciques locais são ladrões e corruptos, mas todos são amados pelo seu idiotizado povo. A ignorância e a estupidez na tribo-mor já é algo secular. Quanto mais ladrão e corrupto, mais amado pelos rudes nativos. Por isso, nenhum desses meus heróis fala em investir em educação de qualidade para libertar seus cidadãos deste destino cruel. Todos eles dominam a arte de enganar multidões com seus discursos já prontos. Tristes aldeias e tribos com caciques e heróis  onde a senha para concorrer a algum cargo é ser corrupto e desonesto. E mesmo faltando pajés e ervas, a alegria já é vista nos silvícolas. Ser corrupto é o que importa.




*É Professor em Porto Velho.