Meus heróis são corruptos
Professor
Nazareno*
Dizem que todo mundo tem um herói
quando criança. E mesmo depois de crescer, continua venerando alguém. Eu sou um
pouco diferente, pois tenho vários heróis e todos eles são brasileiros. Meus “zeróis” são conhecidos de quase todos os
cidadãos da tribo. Aliás, neste meu lugar há mais heróis do que cidadãos.
Parece com aquela velha história de uma tribo que tinha mais caciques do que
índios. Para ser herói aqui não precisa de muita coisa, não. Basta ser filiado
a um partido político e saber falar em público. Um herói de muita gente hoje, e
meu também, está preso. Fez e aconteceu, foi bonzinho, foi popular e apesar de
semianalfabeto, é descrito como um dos melhores caciques que a tribo já teve em
toda a sua História. Menino pobre do interior, transitou com desenvoltura no meio
dos ricos. Mas acabou traído e a própria elite o pôs em cana.
Esse meu herói não roubou, mas
deixou roubar. Após deixar o poder, aceitou subornos e mimos de empresários em
troca de favores oficiais. Um sítio e um tríplex estão entre os presentes que
teria recebido ilegalmente. Se o deixarem concorrer, leva a contenda ainda no
primeiro turno. Em todas as pesquisas aparece com mais de 30 por cento das
intenções de voto. Fala-se que os pobres gostam muito dele porque o mesmo
sempre governou olhando para os mais necessitados. Fome Zero, Bolsa Família,
Programa Mais Médicos, Universidade para Todos, Minha Casa Minha Vida, Transposição
das águas do rio São Francisco dentre muitos outros programas criaram uma
verdadeira adoração a este meu herói. Outro dos meus heróis é um ex-militar que
fala tudo aquilo que o povo gosta de ouvir. É sério candidato a um dia presidir
a tribo.
Gaba-se de não ser corrupto, mas é
acusado de ser misógino, homofóbico, racista, preconceituoso e ditador. Dizem
que flerta com a censura e com a tortura. Elogia abertamente a Ditadura
Militar, embora não tenha boa aceitação na caserna. Esse meu herói é muito
querido e amado entre os mais despolitizados, desinformados e sem leitura de
mundo. Seu discurso de ódio é o carro chefe de sua campanha. Se ele for o
cacique-mor da nossa aldeia, diz que vai ensinar a outros caciques como se
governa. Há também outro herói de sobrenome esquisito. Ajudou, com a participação
da Justiça, um vice cacique a dar um golpe na cacique titular e até hoje é
chamado de golpista. Esse meu herói gosta muito de merenda escolar e também de
construir linhas para metrô nas cidades grandes. Fala muito bem e dá a entender
que só governa para quem já é rico.
Além destes três heróis e caciques,
existem pelo menos outros onze querendo mandar na tribo a partir deste ano de
2018. Todos são notáveis e todos são pessoas muito boas e amadas pelos
ignorantes índios, que chegam a brigar por causa deles. Nas aldeias menores é a
mesma coisa: quase todos os caciques locais são ladrões e corruptos, mas todos são
amados pelo seu idiotizado povo. A ignorância e a estupidez na tribo-mor já é
algo secular. Quanto mais ladrão e corrupto, mais amado pelos rudes nativos.
Por isso, nenhum desses meus heróis fala em investir em educação de qualidade
para libertar seus cidadãos deste destino cruel. Todos eles dominam a arte de
enganar multidões com seus discursos já prontos. Tristes aldeias e tribos com
caciques e heróis onde a senha para
concorrer a algum cargo é ser corrupto e desonesto. E mesmo faltando pajés e
ervas, a alegria já é vista nos silvícolas. Ser corrupto é o que importa.
*É
Professor em Porto Velho.
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