The
Passion Flower Arraial
Professor
Nazareno*
Old
Port, cidade provinciana perdida nos cafundós, suja e muito atrasada, se
prepara como de costume nos meados do ano para as grandes festividades alusivas
a São João. O famoso arraial Passion Flower reúne todos os anos a matutada
simplória e ridícula, que representa o que de melhor existe na sociedade
oldportiana. O triste festival tenta imitar a breguice e a matutice já existentes
há muito tempo entre os seus toscos e visionários habitantes. Para não perder a
tradição costumeira, muitos moradores da cidade vendem seus carros, sítios e
até suas casas para poderem passar uma noite com a família saboreando as
comidas que são vendidas ali a preço de ouro. Muitas barracas de guloseimas,
montadas em meio à sujeira e a imundície, deleitam seus poucos visitantes e
também lhes arrancam os olhos da cara para servir gororobas de sabor exótico e repulsivo.
Fala-se
que naquele sinistro lugar, frequentado geralmente por pessoas pobres e miseráveis,
circulam muitos dólares e euros. O requinte e o luxo ali verificados justificam
esta regalia. Só que nenhuma casa de câmbio pode ser verificada nos arredores.
Madames bem arrumadas e usando bolsas Louis Vuitton, compradas nas zonas leste
e sul da cidade, são vistas todas as noites degustando vatapá com galinha
picante. Poucas pessoas entendem o nome dado para aquela festa matuta, para
aquele arraial sem santo. A fruta da paixão, que dá nome àquele grosseiro
festival, sequer existe por aquelas bandas. Não há na cidade, nem na província
inteira, uma só árvore dessa espécie vegetal. Old Port não tem mobilidade
urbana, mas a classe política já providenciou vários ônibus urbanos saindo de
cada bairro para as proximidades do malfadado festejo. E a matutada aproveita.
Muita
gente reclama que aquilo é uma festa só para os ricos da cidade. Só que naquele
lugar praticamente não há pessoas ricas. Diferente, por exemplo, da “Go Who
Wants Band” que desfila todo Carnaval e leva toda qualidade de gente pobre
para beber cachaça barata e sujar as ruas da imunda municipalidade. Old Port
está em franca extinção e por isso não tem absolutamente nada para divertir
seus tristes e desolados moradores. A capital provincial perde habitantes a
cada ano que passa. O último censo disse que a cidade tem hoje um pouco mais do
que 460 mil habitantes quando as pessoas apostavam que essa cifra já estava
superando os 600 mil moradores. Sem mobilidade urbana, sem rede de esgotos, sem
água tratada, muito violenta e sem recantos de lazer, muita gente se aposentou
e “montou no porco”. Assim, em pouco tempo não terá mais nenhum morador.
Além
do mais, dizem que nessas festas juninas têm muitas quadrilhas, poeira e
matutos. Ver isso, todo mundo da cidade consegue sem fazer muito esforço nem
gastar o dinheiro que não tem. As quadrilhas já fazem parte da vida diária de
quase toda a população oldportense. Não há uma só campanha política que não se
formem várias delas. Já os matutos fazem parte da paisagem urbana há muito
tempo enquanto a poeira é companheira dos moradores em todo verão. Dessa
maneira, nem o dinheiro público enterrado ali, cerca de 1,2 milhão de reais,
conseguiu turbinar a festa brega. A cidade, totalmente dominada na política
pela direita e pela extrema-direita, é muito pobre e sempre viveu só de ciclos.
Só que hoje não há nenhum ciclo à vista. Por isso, o empobrecimento das pessoas
e a falta de qualidade de vida são coisas até naturais no esquecido rincão.
Tomara que não comece agora o ciclo dos arraiais caros e impopulares!
*Foi Professor em Porto
Velho.