República de Canalhas
Professor
Nazareno*
Sou um notório
ladrão, pois quando estive no poder, consegui desviar muitos reais para a minha
conta particular e também para beneficiar meus familiares e amigos. Quando
governava, fiz conchavos com empreiteiros e sempre governei somente pensando
naqueles que financiaram a minha campanha. Nunca fiz nada pelos pobres e
desassistidos, pois o voto deles é certo. É muito fácil enganar um sujeito sem
leitura de mundo e sem informações. Basta falar algumas palavras bonitas que
eles não entendem e está armada a arapuca. Eles, os pobres, ficam loucos e se
apaixonam logo pelos nossos discursos eloquentes. Muitos chegam até a brigar
por causa de nós, os políticos. Com pouco dinheiro, consegue-se arrumar alguns
puxa-sacos para nos defender. Fazer campanha para pessoas estúpidas e
despolitizadas é uma das coisas mais fáceis que há.
Já fui
investigado em várias operações da Polícia Federal e mesmo assim sou candidato
pela milésima vez. E vou ser eleito de novo. Mesmo que eu não pudesse me
candidatar, colocaria um parente meu ou um amigo para concorrer que de qualquer
maneira eu estaria eleito, pois sempre “ajudei”
os mais pobres. Ainda que eu estivesse preso, governaria de dentro da cadeia. Nada
foi provado contra mim e nem será. O meu partido nunca sairá do poder, pois faz
coligações “a torto e a direito”. Depende
apenas das conveniências. Governando, compro o voto dos parlamentares e todas
as minhas emendas e proposições virarão lei. Não lutarei pelas comunidades mais
carentes e afastadas do centro do poder. Eles que procurem suas melhoras. São
livres para isso. Mesmo assim, haverá quem me defenda nas eleições. Tenho seguidores
aguerridos.
Não sou ateu,
mas sei usar a religião de maneira muito útil. Estou na missa, no culto e vou à
umbanda. Converso até com os ateus. Líderes religiosos me apoiam
incondicionalmente e convencem sem muitas dificuldades todos os seus fieis a
votarem em mim. Sou casado pela terceira vez e tenho dois filhos “por fora”, mas defendo
intransigentemente a família. Isso dá votos, pois muitos imbecis e trouxas adoram
todos os candidatos que defendem a família. A mulher não devia participar da
política nem das decisões que só cabem a nós homens. Mas não assumo esta
postura publicamente para não perder o apoio e, claro, o voto feminino. Os
negros, índios e quilombolas deviam reconhecer o seu lugar na sociedade, mas
igualmente não digo isso para ninguém ouvir. Eles são muitos e o voto deles é muito
importante para o meu projeto.
Sou favorável à
pena de morte e à justiça com as próprias mãos. Odeio esse negócio de direitos
humanos. Mas é preciso ter muito jogo de cintura para lidar com essas coisas.
Nesta época não se pode perder votos à toa. Todo preso vai trabalhar para
custear suas despesas. Nas escolas, que continuarão com turno único em meu
governo, todos os alunos serão obrigados a cantar o hino nacional diariamente e
a prestar continência aos seus superiores. Isso vai revolucionar o ensino no
país. Ideologia de gênero, participação popular, orçamento participativo, esquerdas,
novos tipos de família e outras “baboseiras”
não mais serão ensinados a nenhum estudante. Governarei para o povo e com o
povo. Sou o novo na política. Posso até ter feito bobagens quando estive à
frente do último governo, mas o eleitor não tem memória suficiente para ver
isso. Serei eleito facilmente com o voto dos mais humildes. A democracia não é
um bom regime?
*É
Professor em Porto Velho.
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