Porto
Velho: a favela interior
Professor
Nazareno*
Certa
vez um mestre bastante conhecido, meu amigo de longa data e um excelente
professor de História, disse-me que o conceito de favela, como nos ensinaram,
poderia estar errado. Favela, disse ele, não é o lugar físico, mas a cabeça das
pessoas que ali moram. E concluiu: se pudéssemos trocar as populações inteiras
de duas cidades qualquer, depois de um certo tempo, comprovaríamos na prática o
que eu estou dizendo. Como experiência, sugeri trocar as populações de duas
cidades modernas: Porto Velho no Brasil e Frankfurt na Alemanha. Segundo esse
raciocínio, depois de uns dez anos e com um outro povo, o lugar físico onde
está a capital de Rondônia se transformaria em uma cidade moderna, arrojada,
arborizada, limpa, urbanizada e com excelente qualidade de vida. Já a cidade
alemã viraria uma grande favela com as mesmas características daqui.
Conheço
as duas cidades e tenho a certeza de que não se pode comparar em absolutamente
nada os dois lugares. Porto Velho é uma enorme favela a céu aberto, sem
qualidade de vida e cheia de problemas. Frankfurt é moderna, tem boa mobilidade
urbana, quase não tem violência, muito arborizada, asseada e é sede das
principais instituições financeiras da Europa e do mundo. Com populações um
pouco acima de meio milhão de habitantes, as duas cidades em nada se parecem.
Uma é fria e aconchegante, a outra é quente como um forno. O aeroporto de
Frankfurt é o segundo maior da União Europeia. Porto Velho sequer tem aeroporto.
O sistema de metrô dos alemães é de fazer inveja a qualquer pessoa. A
Hauptbahnhof ou estação central é um brinco de tão limpa. Os trens ali são
pontuais, limpos, rápidos e bem seguros. Aqui, sequer temos transportes
coletivos.
O
que fariam os porto-velhenses se fossem morar em Frankfurt de uma hora para
outra? O rio Main (Meno), que corta a cidade, tem hoje água potável. Atrasados
como são e desacostumados com o saneamento básico e água tratada, muitos
rondonienses logo cavariam fossas e canalizariam os esgotos para o rio como já
fazem por aqui. Mulheres com latas de água na cabeça seria uma triste rotina.
Alguns comerciantes comprariam dragas e balsas para buscar ouro no Main. Em
pouco tempo o mercúrio contaminaria aquele rio. Poços seriam cavados ao lado de
fossas imundas para poder abastecer os moradores. Nos vasos sanitários seriam
plantados pés de cheiro-verde para temperar a comida. Casas, só com muro. Para
melhorar a mobilidade urbana, criava-se o sistema de mototáxi, táxis
clandestinos e alternativos. E como seria a rodoviária com os Karipunas?
Já com os alemães
morando às margens do rio Madeira a coisa seria bem diferente: o prefeito da
cidade teria outro nome bem mais bonito: Gerhard Fritz ou Olaf Schröder. Nada de Mauro Nazif ou Hildon Chaves. A
Câmara de Vereadores não teria nenhum vereador comprado e haveria oposição de
verdade ao alcaide. Os impostos seriam justos e com a contrapartida necessária.
Mobilidade urbana e talvez até metrô em pouco tempo. A mídia local não seria
comprada e também não receberia nada de dinheiro para adular as autoridades.
Tudo certinho funcionando como numa democracia de verdade. Já pensou um aeroporto
com voos para Rio Branco, Manaus, Brasília, Rio e São Paulo duas ou três vezes
ao dia? Várias universidades públicas com muitos cursos. As escolas, todas elas
públicas, seriam como foi a Escola João Bento da Costa em tempos passados.
Segurança, civilidade, organização. Enquanto isso, se teria pena da Frankfurt dos
rondonienses. Será?
*Foi Professor em Porto Velho.
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