quinta-feira, 30 de março de 2023

Dia 31 de março de 1964

Dia 31 de março de 1964

 

Professor Nazareno*

 

            Há exatos 59 anos, o Brasil entrava numa longa noite escura que duraria quase 21 anos. Foi um período triste e ininterrupto de caos, terror, corrupção, assassinatos, exílios, perseguições, torturas, censura, ataques aos direitos humanos e tantas outras desgraças. Um golpe militar interrompe a frágil democracia que vivíamos desde a redemocratização do país no pós-guerra. Mas ao contrário do que muita gente possa pensar, o golpe não foi totalmente militar. Os milicos na verdade só foram usados vergonhosamente pela elite civil, rica e poderosa, para barrar qualquer pretensão de se instalar um regime comunista por aqui. Bancado e tramado pelos Estados Unidos, que viviam o auge da Guerra Fria com a extinta União Soviética, e tinham acabado de perder Cuba para os comunistas, o golpismo anticomunista virou moda em toda a América Latina naqueles anos de chumbo.

            Era o início dos anos sessenta e os poderosos do Brasil, financiados pela Casa Branca, resolvem aderir às “Doutrinas de Washington”. Banqueiros, industriais, políticos de direita, ricos latifundiários, Igreja dentre muitas outras instituições conservadoras e reacionárias interrompem por meio de um brutal golpe de Estado o governo constitucional e legítimo de João Goulart. Segundo o relatório “Brasil: Nunca Mais”, pelo menos 1.918 prisioneiros políticos atestaram ter sido torturados. O documento descreve 283 formas de tortura utilizadas na época pelos órgãos de segurança nos DOI-CODI. Os militares brasileiros mataram exatos 434 de seus cidadãos durante o tempo em que estiveram no poder. São números “até baixos” se comparados aos quase 30 mil mortos da Argentina e aos mais de três mil no Chile, que teve cerca de 200 mil cidadãos exilados pelos militares.

            Só que nos países vizinhos todos os militares assassinos foram punidos e presos exemplarmente, enquanto no Brasil nenhum militar pagou pelos seus crimes. A Lei da Anistia salvou todos os criminosos. Da direita e da esquerda. Talvez por isso, muita gente por aqui ainda hoje tece loas àquele regime de exceção e de brutalidades. Pior: em 2018 os brasileiros elegeram para presidente o senhor Jair Bolsonaro, um ex-capitão saudosista daqueles tempos sombrios. Bolsonaro é fã do ditador chileno Augusto Pinochet e também admirador do torturador brasileiro, o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra. Esse ex-presidente do Brasil disse durante uma entrevista que a Ditadura Militar deveria ter matado pelos menos uns 30 mil brasileiros. Ou seja, quase cem vezes mais. Quando Bolsonaro foi derrotado para o Lula nas urnas, outro ataque à democracia foi arquitetado.

Mas felizmente o golpe de 08 de janeiro de 2023 falhou ainda no seu nascedouro, apesar de os golpistas terem a admiração de alguns setores do próprio Exército brasileiro. O presidente perdedor fugiu do país e se autoexilou nos EUA. A frágil democracia do Brasil resistiu bravamente aos reacionários delirantes e mandou muitos desses golpistas para a cadeia. Não se sabe até quando ainda haverá resistência democrática por aqui. A esquerda volta ao poder depois de seis anos e assim os direitos humanos, o respeito ao cidadão, às instituições da República e ao politicamente correto voltará a dominar por enquanto. Devíamos fazer como disse o líder Ulysses Guimarães: “ter nojo a qualquer ditadura”. As Forças Armadas devem ser uma instituição de Estado e não de governo. Democracia é sinônimo de civilidade e desenvolvimento. Fora disso, é só barbárie e caos. Por isso, não se deve comemorar o dia 31 de março de 1964. Apenas se lamentar. E muito!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

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