Agonia em Buraco
Quente
Professor
Nazareno*
Buraco Quente
é uma província das mais atrasadas de certo país do Terceiro Mundo. Por ser
subdesenvolvida e muito distante dos grandes centros mais civilizados, as poucas
coisas que funcionam no lugar são contadas nos dedos. “Tudo por aqui é a cu de cavalo”, afirma um antigo morador. “Nunca fomos governados por um filho da terra”,
diz outro. Na verdade nem a província nem a sua suja e imunda capital tiveram
esse tosco privilégio em toda a História. Os forasteiros às vezes chegam
totalmente desprovidos de recursos financeiros e aos poucos vão tomando conta
de tudo. Os melhores empregos, as melhores casas e as melhores terras são
doadas a forâneos como se os habitantes locais não tivessem nenhuma capacidade
para assumir parte dos recursos provinciais. Depois, muitos deles entram na
política e a partir daí é só roubo.
Hoje, Buraco Quente vive dias de tormentas com a pandemia do Coronavírus.
Para eleger “os de fora”, como
sempre, muitos cidadãos “buraco-quentenses”
saíram às ruas em alegres passeatas intermináveis numa verdadeira adoração
messiânica. As aglomerações aconteceram normalmente durante os dois turnos das
eleições. Não deu outra: a pandemia se alastrou feito fogo em capim seco. E por
falar em fogo, é durante o verão da região que o sofrimento aumenta entre os
moradores. Cortinas de fumaça das queimadas atormentam de crianças a velhinhos.
E sem hospitais decentes na região, todo ano o caos se instala. E agora com a
Covid-19 vive-se um verdadeiro inferno na terra. Não há vagas nem médicos nos
poucos hospitais públicos. Por isso, muita gente está morrendo feito inseto. Os
poucos que podem, “montam no porco” e
vão para fora.
Buraco
Quente infelizmente fica mais quente a cada dia que passa. Árvores frondosas
das cidades são arrancadas para delírio de muitos moradores. Os “sábios” das repartições públicas, que
deviam cuidar do meio ambiente, dizem que as raízes dessas árvores danificam as
redes de esgotos como se houvesse esgoto nestas cidades imundas. Porém o
cidadão local, que já está acostumado a viver de mentiras e enganações, pode
ser ludibriado mais uma vez. Autoridades agora estão prometendo na maior
cara-de-pau trazer a vacina contra a Covid-19 para “aliviar o sofrimento dos habitantes daqui”. Enquanto países
civilizados e desenvolvidos já iniciaram a imunização de suas populações,
vacina em terras distantes não passa de deboche e chacota até de quem preside o
país. Claro que tão cedo não terá vacina neste fim de mundo esquecido e sujo.
Bons tempos eram aqueles em que os
habitantes “buraco-quentenses”
morriam de malária, verminose, diarreia, curuba e outras doenças “de pobre” e quando adoeciam eram
atendidos num “açougue”. Com verões
cada vez mais quentes e com a pandemia exterminando seus moradores, Buraco Quente pode enfrentar brevemente
o seu ocaso. Parece que o seu triste fim se aproxima a passos largos. “Aqui, só se tem agonia feito sapo”,
resume um desolado habitante daquela curva de rio. E como cada vez mais chove
menos na região, a tão esperada “chuva de
merda”, para a tristeza geral, pode até nem acontecer na capital da
província. Diferente dos lugares civilizados e modernos do mundo, muitos dos “felizes” moradores de Buraco Quente vivem com a assombrosa
possibilidade de esta pandemia nunca mais se acabar. E
por isso, já se pensa até em mudar o nome da arcaica província: “Bolsonarópolis”. É o otimismo em
meio à agonia.
*Foi
Professor em Porto Velho.
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