Frio alheio e extemporâneo
Professor Nazareno*
Frio alheio, pois não é daqui. É do Sul do Brasil e de
muitos outros lugares civilizados do exterior. Extemporâneo, já que é
totalmente fora de época. E mais uma vez
a natureza descontrolada decide nos pregar uma peça mandando frio para este fim
de mundo. Embora seja inverno no hemisfério sul da terra, em Rondônia não
deveria fazer frio. Sim, 15 ou 16 graus é muito frio para quem vive no mormaço
úmido destas latitudes quentes. A forte massa de ar polar que alcançou o sul da
Amazônia em meados deste julho, dando origem ao fenômeno conhecido
regionalmente como friagem, fez despencar as altas temperaturas da região e
trouxe consigo, de novo, algo inédito: a sensação de que em Rondônia e em Porto
Velho, sua imunda, quente e inabitável capital vive-se na Europa, nos EUA ou em
outro lugar desenvolvido, aprazível e próspero.
Alguns rondonienses hipócritas afirmam aos quatro cantos que
adoram este tempo frio e ventilado. “O
clima daqui devia ser esse” dizem sem a menor noção do ridículo. Mentira
pura. Tudo falsidade. Lorota para fazer média com os idiotas. Já outros falam
que amam Porto Velho, mas estranhamente moram em cidades fora daqui. Dizer que adoram
o frio, mas não conviver com ele é o mesmo que declarar amor à cidade vivendo
em outros lugares bem mais civilizados e atrativos. A realidade do frio em
baixas latitudes transforma o que já é ruim em algo bem pior. Nesta época do
ano, Porto Velho é uma das filiais do inferno. Calor insuportável, umidade, poeira
e fumaça das criminosas queimadas dão o toque diabólico ao ambiente infecto e inóspito
em que vivemos. Até o prefeito da
cidade, o “estimado líder”, foi para
a Disney e a Europa.
Com frio ou sem frio, Porto Velho é um fim de mundo feito
sob medida para quem não tem dinheiro nem condições de ir ao Primeiro Mundo
como o nobre alcaide e outros poucos cidadãos privilegiados. Eu já falei uma
vez que aqui no falso frio da zona quente da terra somos obrigados a ver o
espetáculo dantesco de pessoas usando roupas velhas, rotas, fedendo a mofo,
baratas e a naftalina. Porém, muitos porto-velhenses gostam mesmo do frio, pois
assim podem sujar mais a sua cidade. Não se sabe o porquê, mas nestes dois ou
três dias “friorentos” aumenta a
quantidade de papel, garrafas pet, plásticos, absorventes usados e até
preservativos deixados no meio das ruas e avenidas. O lixo e a falta de bons
modos por aqui campeiam no Arraial Flor de Maracujá, nos shows gospel, na Banda
do carnaval e em qualquer solenidade. Com ou sem friagem.
Sem condições sequer para tomar um bom vinho ou até mesmo
degustar uma culinária mais selecionada, alguns dos pobres coitados moradores
daqui, tremendo de frio, coçando-se todo, tossindo e ainda meio desajeitados
com suas roupas doadas se viram como podem no meio da poeira e da sujeira para
comemorar alegremente a “imparcial”
condenação de Lula na Lava Jato, a absolvição do Aécio Neves e o possível
perdão que será dado ao governo Temer e a sua turma. “Esse frio pode ser muito bom também para o cemitério de locomotivas da
extinta e abandonada EFMM”, comentam alguns. Realmente: o frio fará a “mãe de Rondônia” durar mais tempo no
meio do mato e da ferrugem. Na Câmara de Vereadores de Porto Velho e na
Assembleia Legislativa os ânimos se exaltam: “Podemos trazer este frio para ficar por aqui para sempre” já
prometem alguns políticos. Chuveiro quente, edredons e banhos voltarão às
periferias?
*É Professor em Porto Velho (http://blogdotionaza.blogspot.com)
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