Leo, guerreiro
amazônico
Professor
Nazareno*
Nascido há 62
anos na Ilha de Assunção no baixo Madeira em Porto Velho, filho de um antigo
soldado da borracha e de uma descendente de cearenses, Manoel Pereira Neto
quase não era conhecido nas redes sociais nem nas “altas rodas” da cidade que o acolheu a partir do ano 1980. Mas tinha
muitos amigos e admiradores. Leo, ou Cabo Leo, era um autêntico rondoniense que
se orgulhava da sua humilde origem beiradeira e de seus jeitos e astúcias em
cima de um trator da prefeitura da capital onde trabalhou por mais de 30 anos
abrindo e encascalhando ruas e avenidas. Garoto pobre do interior, Cabo Leo já
fez de tudo na vida para sobreviver e criar sua família com muita dignidade e
caráter. Sempre alegre e tranquilo, foi gari, garçom no antigo Jaú, prático de
barco, pescador, caçador e um mateiro dos bons. Leo morreu, mas poucos souberam
disso.
Como ninguém, o
Cabo Leo sabia andar no meio do mato. Nunca se perdeu e desde pequeno caçava
como passatempo. “Eu entro em qualquer mata
e saio na hora que eu quiser” costumava dizer. Aprendeu a viver a vida
simplesmente vivendo a vida. Ajudou no lazer de muitas autoridades sem nada
cobrar. Acampar no mato? Cabo Leo é o guia. Pescar na extinta Cachoeira do Teotônio
sempre foi um de seus esportes favoritos. Tarrafear era com ele mesmo. Pescava
por prazer e depois doava todo o peixe para os conhecidos que encontrava. “Para casa eu só levo o do almoço”, dizia
alegremente. “Peixe no rio Madeira é como
uma mina, não acaba nunca”, acreditava piamente. Nunca teve orgulho de ser
rondoniense, pois dizia que ninguém escolhe lugar para nascer. “O bom é a gente viver para ajudar os
familiares e os amigos”, pregava.
Cabo Leo viu o
mar, viajou de avião e não se afobou. Mesmo sendo a primeira vez, se comportou
como um veterano. Como beiradeiro que anda em barco pequeno nos perigosos e
traiçoeiros banzeiros do Madeira em dias de temporal, não via empecilho nenhum
em estar nos céus. Viu o frio de zero grau sem maiores problemas. “Com roupas grossas, frio não tem nenhuma novidade”,
acreditava. Só não entendia como há pessoas “tão bestas” que viajam só para curtir essa temperatura de friza
(freezer). Garantia que já tinha trabalhado em geleira de um barco pesqueiro entre
Porto Velho e Manaus e por isso já estava acostumado ao tempo frio. Perguntado
se gostava de sua terra natal ele dizia que Rondônia foi feita só para os
ricos. “Se sobrar alguma coisa, eles dão
de esmolas para nós os pobres, que não têm vez em lugar nenhum do mundo”.
Sempre operando
máquinas, ajudou na abertura da Avenida rio Madeira, hoje Chiquilito Erse,
abriu a Jorge Teixeira para ligá-la ao aeroporto, hoje Espaço Alternativo e
quando o José Guedes era prefeito de Porto Velho, ajudou na abertura da Zona
Leste da cidade. Leo tinha um grande coração e por causa dele veio a óbito. Viu
as condições de “campo de concentração”
do Hospital João Paulo Segundo onde ficou internado por muitos dias. “Andou” também pelo Hospital de Base e em
algumas clínicas particulares. Por causa do diabetes, sabia da morte certa e
por isso resolveu, contra tudo e contra todos, “despedir-se” da sua amada Ilha. Com a família, participou pela
última vez do festejo de São Pedro onde se divertiu como pôde. Fez covas para
enterrar muitos no Tonhão. E acabou enterrado lá. Normal não ter nenhuma autoridade
em seu velório. Sua lição ficará e jamais será nome de rua, embora tenha aberto
tantas.
*É
Professor em Porto Velho.
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