Entrevista com o
Diabo
Professor
Nazareno*
Fiz uma entrevista
com o Cão. Isso mesmo. Com o chefe do inferno. Passava da meia
noite quando cheguei ao local marcado. A catinga de enxofre e lama podre tomava
conta do ambiente. Havia muita sujeira, mofo, umidade e lodo, mas já acostumado
à falta de saneamento básico e de esgoto me senti em casa. E até que não fazia
muito calor levando em consideração o mormaço em que vivo. Por causa da fama
(da má fama) do entrevistado, eu estava tenso. Na hora marcada, eis que
aparece o Capeta com a sua esposa, suas duas amantes, seu namorado e
vários guarda-costas travestidos de anjos. Quando me viu, o peste foi
logo perguntando pela sua ferrovia. “Estão
cuidando bem do meu patrimônio?”, perguntou. Disse-lhe que sim e que estava
dando muito lucro para a cidade. Ele tem ferrovia, ponte, viadutos, Espaço
Alternativo, ruas e avenidas.
Ele me confidenciou que gostava
muito do meu lugar, mas era o povo dali que mais o encantava. “A sua cidade é um endereço muito bom e
aprazível porque tudo nele lembra a minha casa”, disse Lúcifer.
Tentei em vão lhe dizer que o povo parece anestesiado, enganado e abestado,
pois continua elegendo, em todas as eleições, as tranqueiras de sempre. “Tem problema, não! Isso faz parte do acordo
que tenho com eles”, afirmou, para o meu espanto. A Câmara de Vereadores da
cidade deve ser um exemplo disso, imaginei. Acho que a composição da Assembleia
Legislativa é a mesma coisa também. Depois que eu estava mais calmo, ele me
falou que no inferno é normal todos os funcionários tirarem férias após cinco
ou seis meses de trabalho fictício e que todos os legisladores e ele próprio
aprovam isso para a felicidade geral dos governados.
Ainda meio trêmulo, perguntei-lhe se
os políticos do “Mármore Quente”
roubam e enganam também o povo dali. “Claro
que sim! E é normal!”, disse-me o
Chifrudo. E continuou: “roubar e
tomar o dinheiro dos impostos pagos pelos otários foi algo inventado neste
ambiente”. Aí pensei: deve ser por isso que ninguém diz nada e ainda
defende com unhas e dentes os ladrões. Aplaudir corruptos, só nas profundezas
mesmo. “O povo do seu município é uma gente
que é muito admirada aqui no inferno, pois sempre viveu na merda, mas alegre e
feliz de nada reclama”, afirmou o Coisa Ruim. Então eu lembrei: é
esse mesmo povo que chama bosta de perfume na esperança de que as fezes algum
dia exalem cheiro de flores, de Chanel 5. Ser governado por corruptos,
demagogos, mentirosos e denunciados por roubalheira é um orgulho ainda para
muitos.
Falei-lhe sobre
a crítica situação política do Brasil atual e ele, após retocar a maquiagem, os
brincos e trocar de calcinha pela décima vez durante a entrevista, falou-me que
os políticos estão todos certos e o povo que “bateu panelas e se vestiu de amarelo” é que devia se envergonhar. Gritei
bem alto: “Meu Deus! Então o senhor está
certo”. Fui repreendido que se falasse de novo naquele nome proibido, a
entrevista seria encerrada. “Não fale o
nome do inimigo!”. Acho que fui displicente no momento e pedi desculpas. “Fale-me de Aécio, de Lula, de Dilma, de
Sérgio Moro, de Cunha, de Temer, de Jucá, Moreira Franco, Joesley ou de qualquer
um Boi que eu fico alegre e feliz.” O Cramunhão confidenciou que
nunca perdeu o Arraial Flor do Maracujá nem nenhuma outra manifestação dita de
cultura numa das mais atrasadas e bregas províncias do país. Finda a conversa, todos
sumiram no meio de muita poeira. E eu acordei na Zona Leste.
*É
Professor em Porto Velho.
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