O Brasil e o
cachorro
Professor Nazareno*
Mataram um cachorro vira-latas a pauladas no interior de um supermercado em São Paulo. Um horror. Uma carnificina. Algo absurdo, monstruoso e inadmissível. O mundo moderno não aceita mais este tipo de crueldade. O ato desumano desencadeou uma reação sem precedentes nas redes sociais. Artistas se manifestaram. Autoridades fizeram declarações emocionantes. Pessoas comuns repudiaram tal ação criminosa e covarde. O sangue do infeliz inocente nunca será vingado. É preciso boicotar esta rede de supermercados. O estabelecimento comercial pediu desculpas ao país e promete investigação rigorosa com punição exemplar aos culpados pela atrocidade. O ano de 2018 ficará marcado para sempre na memória dos brasileiros. Uma vergonha para toda a nação. Como dizer para as criancinhas que foi um ser humano que fez esta barbárie?
O país que chora
a morte de um cachorro é o mesmo que faz vistas grossas ao assassinato anual de
quase 60 mil de seus cidadãos. No trânsito, matamos igual número todos os anos.
Vivemos em um dos países mais violentos do mundo e o Estado nada faz para
combater a violência diária que nos assombra. Mas nada disto justifica a morte
de um serzinho tão inofensivo e dócil e em circunstâncias tão cruéis. Choramos
porque mataram um lulu a pauladas, mas rimos e festejamos quando mais de 57
milhões de eleitores elegeram presidente do país um cidadão que disse que para
consertar este mesmo país precisaria matar pelo menos umas trinta mil pessoas.
Mataram um cachorro e choramos muito por isso, mas aplaudimos o futuro
presidente, que disse ser a favor da tortura de seres humanos e que todos os
homossexuais são uma aberração a ser evitada.
Mataram um cachorro
a pauladas. Algo monstruoso num país onde moradores de rua são mortos a
pedradas e são esquecidos diariamente pelos olhares dos que têm algo sobrando. Mataram
um cachorro no país onde “negros e
quilombolas são pesados em arrobas” e onde “mulher deveria ganhar menos por que engravida”. Mataram um cachorro
no país onde “as pessoas deveriam se
envergonhar por serem homossexuais”. Mataram um cachorro onde foram extintos
o Ministério do Trabalho e o Ministério da Cultura. Mataram um cachorro no país
que tem talvez a maior desigualdade social do mundo e onde o sistema de
Educação é um dos piores do planeta. Mataram um cachorro onde professores são
desrespeitados e onde poderão ser perseguidos apenas por terem ideias
diferentes de seus governantes. Pode escola sem partido num país sem cachorros?
Mataram um
cachorro e todos gritaram com razão, mas aplaudem a corrupção e se fazem de
desentendidos quanto ao número de ministérios do futuro governo. Mataram um
cachorro onde igrejas enriquecem cobrando dízimo de quem praticamente não pode
pagar pela fé. O pobre cachorrinho morto não esconderá também a corrupção
endêmica que sempre corroeu a nação. A impunidade que protegerá o covarde
assassino deste cãozinho deve ser a mesma que sempre protegeu os que surrupiam
o erário. Mataram um cachorro e Lula pode ser solto a qualquer momento.
Pasadena, Mensalão e Petrolão não causaram tanta dor quanto a morte deste pobre
animal. Mataram um cachorro e o indulto natalino a ladrões e corruptos acontece
tranquilamente todos os anos na cara da sociedade. Não se devia matar cachorros
onde o povo é governado por redes sociais. Fato: onde se matam cachorros pode-se
fazer a mesma coisa com homens.
*É
Professor em Porto Velho.
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