Prostituta
velha e abandonada
Professor
Nazareno*
“Sou uma velha
rapariga com 101 anos. Nasci no dia 02 de outubro de 1914 e meu destino sempre
foi o sofrimento e a agonia. Explorada por todos, vim por acaso ao mundo. Dizem
abertamente que o meu nascimento foi no lugar errado e distante pelo menos sete
quilômetros de onde deveria ter sido. Ninguém sabe o porquê do meu nome. Não
tenho História definida e a minha existência foi só para agradar e servir aos
interesses alheios. Praticamente não tenho nenhum filho ilustre, embora muitos
digam hipocritamente que são meus filhos de coração, mas quando me
abandonam nunca mais me procuram, adotam outras mães mais acolhedoras. Muito
nova para uns, e por isso sem estrutura nenhuma e velha demais e totalmente
acabada para outros, sigo a minha triste rotina de dor e abandono. A cada ano
que passa a minha decadência só aumenta.”
“Parece até uma praga, um tipo de
castigo eterno. Todos os lugares do mundo se desenvolvem e ficam melhores e
mais bonitos à medida que o tempo passa. São muitas as conhecidas minhas, que
muito mais novas do que eu são mais bem cuidadas. Nunca entendi por que fazem
isto comigo. Há trinta ou quarenta anos eu era muito mais moderna e mais
aconchegante do que hoje. Não tenho árvores, não tenho flores, não tenho
praças, não tenho áreas verdes, não tenho recantos de lazer. Lixo, ratos,
urubus e sujeira fazem parte da minha imunda paisagem. Água contaminada de esgotos
podres lava minhas ruas e exalam a podridão. Minha pouca cobertura vegetal
desaparece com o tempo. O calor infernal é rotina. No verão, fumaça e poeira invadem
meu já dilacerado organismo e contaminam tudo. No inverno, são as alagações que
me atormentam.”
“Sou violentada, espezinhada e
estuprada cotidianamente e ainda sou obrigada a pagar o preservativo. E ninguém
tem dó de mim. Lei Maria da Penha nem nenhuma outra lei existem para me
defender. O Poder Público parece compactuar com a minha desgraça. Minhas veias
estão entupidas e meu corpo sangra sem piedade. Sou depósito de lixo e de
outras imundícies. Minhas ruas e avenidas são sujas, esburacadas e enlameadas.
Perdi meus poucos igarapés, que foram transformados em esgotos imundos e
fedorentos. Coalharam as minhas ruas com obras infames e imprestáveis: é ponte
escura, é Espaço Alternativo abandonado, são viadutos inacabados. Nada tenho de
belo que me identifique. O rio Madeira, meu amigo e companheiro, foi igualmente
estuprado e sangra como eu. A bela floresta amazônica, que me rodeia, chora e sofre
igual a mim.”
“Não entendo por que tantas pessoas brigam
entre si para tomar conta do meu destino. Não entendo por que os que se dizem
meus filhos permitem tamanha injustiça. Por que minhas crias nunca quiseram
tomar conta de mim e sempre me entregaram de mão beijada para os
forasteiros? É por que têm desejo de ver o meu sofrimento e a minha angústia?
Qual o porquê de tanta ambição? Já enriqueci muita gente e ninguém nunca me
administrou corretamente. É cada prefeito pior que o outro. Chegam, exploram-me
à vontade e vão embora. Será que sou um puteiro amaldiçoado? Nunca tive
qualidade de vida. Vejam a situação da minha rodoviária. Ninguém me visita, pois
as passagens são as mais caras do Brasil. Até a empresa licitada para melhorar
a minha mobilidade urbana desistiu de mim. Por que estou desse jeito? Por que
não mudam o meu nome e não me tiram a condição de capital? Até quando serei a
latrina do Brasil?”
*É Professor em
Porto Velho.
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