Ambição, hidrelétricas e enchentes
Professor Nazareno*
A arte de se construir hidrelétricas no
Brasil sempre foi uma das ações prediletas de grande parte das classes
empresarial e dirigente do país. Tem sido melhor e mais rentável até do que
construir estádios de futebol para a Copa do Mundo. Na Amazônia, é uma tarefa mais
fácil ainda. Em Porto Velho, nem se fala. É como roubar pirulito de crianças.
Primeiro, se escolhe o local dito adequado ou mais precisamente o rio que será
a grande vítima da ganância empresarial. Os passos seguintes são bem mais
fáceis de levar adiante visto que, a partir da escolha inicial, apenas se lidam
com seres humanos e no nosso caso como se trata de brasileiros, a tarefa
deslancha sem nenhum problema. O mais importante como sempre são os fins. E
independente de qualquer coisa ou pessoa, a selvageria do capitalismo vai estar presente,
pois há muito dinheiro em jogo.
Por mais que sejam óbvios,
previsíveis e inevitáveis, os prejuízos causados ao meio ambiente local serão
sempre mitigados. E há tecnologia de sobra para se esconder a verdade. No
começo, é até normal que haja falatórios, algumas pessoas contra os empreendimentos,
ONGs de ambientalistas e talvez uns dois ou três eco xiitas, mas tudo será facilmente explicado e grande parte da população
atingida aplaudirá e defenderá “com unhas e dentes” a chegada do
progresso à sua atrasada e inóspita localidade. E tudo é milimetricamente bem
dosado para enganar os trouxas. Primeiro os jovens: não há Shopping Center na
cidade mais próxima das construções? Com as hidrelétricas haverá um dos mais
modernos. E outros virão em seguida. A rapaziada fica em êxtase. Aos
funcionários públicos se oferecem isonomia e transposição que nunca acontecerão.
Profissionais liberais e toda a
classe média, felizes, recebem lindos adesivos de “usinas já” para
colocar em seus carros e casas. A mídia local, como sempre, é facilmente
comprada para divulgar as benesses da obra. Já a classe política, mais suja do
que pau de galinheiro, por concordar com tudo, se alia aos donos dos
empreendimentos e por isso ganha presentes como assistir ao Carnaval na Marquês
de Sapucaí dentre outros mimos. Em caso de “inesperadas” enchentes, culpa-se
São Pedro e pronto. Da Presidente da República aos mais humildes (e tolos) cidadãos,
todos isentarão as usinas pela catástrofe anunciada. Até as estradas alagadas,
construídas com o nível mais baixo do que o das barragens, passarão
despercebidas. "Hidrelétricas não produzem água, mas ao
represá-la potencializam qualquer enchente provocando alagações fatais".
A
jusante das usinas, qualquer rio pode ser assoreado facilmente pelas absurdas explosões
sem controle. E num curso de água rico em sedimentos a coisa fica mais óbvia
ainda. Rios geologicamente novos não têm leito definido e por isso estão
sujeitos a grandes e colossais desastres ambientais, mas tudo será
profissionalmente muito bem escondido de todos, pois ninguém vai
mergulhar para comprovar qualquer fato. E se pessoas forem expulsas de suas
casas por causa de possíveis enchentes, também não haverá problemas: todos são
pobres e se contentarão facilmente com míseras cestas básicas. Por isso, não há
nada melhor do que ganhar rios de dinheiro público e ainda receber a
compreensão e a desculpa de todos. Sem Carnaval e com a pseudo calamidade
pública garantida, só resta esperar as eleições para contar a fatura.
*É
Professor em Porto Velho.
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