Uma ofensa às favelas
Professor
Nazareno*
Entrevistas com
os candidatos a prefeito de Porto Velho publicadas em um site de notícias local
deram o que falar. Indagados se a “capital dos destemidos pioneiros” se
parecia com uma favela, todos eles responderam em tese que não, como se favela
fosse o pior dos mundos, um lugar que deveria a todo custo ser evitado. Pelas
respostas indignadas, até parece que os políticos portovelhenses não precisam
do voto dos favelados e que favela (ou comunidade) é o verdadeiro inferno na
terra. Não levaram em conta, talvez, que moradores destas localidades além de
ser parte de seus eleitores, são na maioria das vezes cidadãos honestos,
honrados, probos e trabalhadores decentes que merecem todo o respeito. Pior,
sob determinados pontos de vista comparar Porto Velho a uma favela é um total
desrespeito, um acinte e uma injustiça às favelas.
Em limpeza, saneamento básico,
coleta de lixo e oferta de água tratada, por exemplo, a capital dos
rondonienses é um lugar inabitável, miserável e inóspito se observarmos algumas
favelas do Brasil. A sujeira e a imundície das ruas e avenidas daqui nos colocam
em posições nada invejáveis. O Instituto Trata Brasil divulga anualmente o
ranking do IDH das cem maiores cidades do país. Este ano, para se ter uma
ideia, Porto Velho ficou na posição 99ª ganhando apenas de Macapá, capital do
Amapá. Com apenas 2,7% de esgoto e pouco mais de 30% de água tratada, é como se
os aproximadamente 500 mil moradores daqui morassem em Porto Príncipe no Haiti
ou em qualquer outra cidade da África subsaariana. Nenhuma favela do Brasil
praticamente apresenta números tão dantescos e absurdos como esses. Somos o
esgoto do Brasil.
Heliópolis, a maior favela de
São Paulo, tem segundo a Unas, União de Núcleos, Associações e Sociedade de
Moradores de Heliópolis e São João Clímaco mais de 75% de infraestrutura
urbana. A Sabesp comprova que ali há 100% de abastecimento de água e 77% de
coleta de esgoto e de acordo com a Secretaria de Serviços Urbanos da capital
paulista quase 100% da favela tem iluminação pública. Esses números nem de
longe podem ser comparados com os da capital de Rondônia. Seríamos felizes se
fôssemos uma favela. No Rio de Janeiro, a Rocinha, maior favela do
Brasil, tem números de saneamento básico que também impressionam. De
acordo com o IBGE, pelo menos 78% das residências daquela comunidade estão
ligadas à rede de esgotos ou águas pluviais, 91% à rede geral de distribuição
de água e 96% aos serviços de limpeza.
Já em Belo Horizonte, Minas Gerais,
a favela Aglomerado da Serra tem números também excepcionais se comprados
aos de nossa capital. Pelo menos 93% dos moradores daquela localidade têm água
encanada, 95% têm energia elétrica e a coleta de lixo chega a 60%. Por tudo
isso, Porto Velho é muito pior do que uma favela. Sem nenhuma qualidade de
vida, violenta (são 98 assaltos por dia), sem planejamento urbano, sem
arborização, quente, sem água tratada, sem esgotos, cheia de obras eleitoreiras
e inacabadas este município devia ser transformado em distrito ou então
entregue aos bolivianos para ver se tinha mais sorte. A “cidade cem anos”
é mais velha do que Maringá, Londrina, Palmas, Goiânia e Brasília. Os futuros
administradores têm muito que fazer por este lugar, mas não farão. E nem serão
cobrados pelos moradores, que deviam se acanhar e não permitir mais ofensas às urbanizadas
favelas do Brasil.
*É
Professor em Porto Velho.
Um comentário:
Eu não fazia ideia que a precariedade da cidade é tão grande, essa comparação foi genial e/ou incrível transformando o ''contexto de cidade'' incomparável a favela.Obrigado professor nazareno por me fazer refletir sobre isso.
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