Bênçãos sobre Porto Velho
Professor Nazareno*
Juro que outro dia pensei em sair de
Porto Velho para ir morar na paradisíaca Serra Gaúcha ou mesmo na florida,
limpa e civilizada Curitiba, capital do Paraná, onde tenho inúmeros parentes.
Mas me arrependi assim que acabaram as convenções para a escolha dos candidatos
a prefeito nas próximas eleições da capital mais suja, feia e fedorenta do
país. Abandonar a “terra dos destemidos pioneiros” para morar em lugares
modernos e limpos é deixar para trás um vasto laboratório de pesquisas sociais
e antropológicas pronto para ser estudado, compreendido e divulgado ao mundo
devido às suas muitas peculiaridades. O perfil dos inúmeros cidadãos querendo
ser prefeito ou mesmo vereadores na “capital da podridão” faria
celebridades como Lévi-Strauss, Karl
Marx, Max Weber ou Émile Durkheim virem
correndo para este conhecido inferno.
A cidade dos “quinhentos mil matutos num canto
só” desafia a sua própria lógica existencial ao ter como candidatos “certas
tranqueiras” já conhecidas e com possibilidades de lhe administrar pelos
próximos quatro anos. E o desdentado e ignóbil povo eleitor, feliz e
satisfeito, já ensaia suas briguinhas pelas redes sociais e faz sua torcida
junto ao candidato de sua preferência. Na demoníaca relação de postulantes ao
desprezível cargo de “alcaide” constam dois que já cumpriram cadeia por
terem se envolvido em operações policiais contra a corrupção, um notório
incompetente em administrar a coisa pública e mais uns quatro que mais se
parecem com a “segunda pessoa do quase nada”. Todos com chances de “levantar
o caneco” e comandar a alegre matutada desacostumada com coisas simples e
triviais como esgoto e água tratada.
Ficarei pelo menos mais quatro anos em Porto
Velho fazendo as devidas observações. E quando “me passar dessa para outra
melhor” (que será bem melhor, claro!) quero ir para o inferno.
Então o estágio que faço em Rondônia por livre e espontânea vontade me será
extremamente útil. Raciocinei com lógica: se eu sair daqui, quem vai falar mal
deste lugar? Reeleger “um nada” para mais quatro anos, por falta de
opção, seria a maior demonstração de sadismo que uma sociedade poderia dar.
Seria, pois ainda tem “coisas” muito piores. Será que nós, eleitores
karipunas, merecemos tanta desgraça? Será que somos amaldiçoados? Só pode ser. Ouvi
dizer que “votar é legal”. Isso é uma brincadeira de muito mau gosto.
Em Porto Velho, por exemplo, votar além de ser obrigatório é uma das piores
coisas que um cidadão consciente pode fazer.
Mas as esquisitices da terra que inventou o “São
João fora de época” não param por aí. Basta dar umas voltinhas pelo centro
do que chamam de cidade para perceber que as bênçãos que isto aqui recebe vêm
do Satanás e das profundezas do mármore quente. Deus, com certeza, já abriu mão
de melhorar esta cidade esquecida e abandonada pelos maus políticos e
autoridades escroques. Falar das ruas esburacadas, da poeira do verão e da lama
do inverno já virou rotina numa capital sem eira nem beira cuja maior atração
turística são os ratos e urubus que infestam suas principais avenidas, onde o
esgoto corre a céu aberto para deleite dos habitantes já conformados com tanta
desgraceira. As obras públicas inacabadas dão o toque final na “pior dentre
as capitais do Brasil em qualidade de vida”. Riam e se sintam felizes com a
atual situação sinistra da cidade, pois em Porto Velho é assim mesmo: o que é
ruim pode ficar ainda bem pior.
*É
Professor em Porto Velho.
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