Dilma não foi cassada
Professor Nazareno*
Passaram-se exatos 52 anos e cinco meses para o Brasil presenciar outro golpe em sua frágil democracia. Antes, em 1964, a elite nacional, sem nenhum escrúpulo ou peso na consciência, usou os militares como “bucha de canhão” para golpear as instituições democráticas e apear do cargo um presidente constitucional mergulhando o país numa longa noite de terror e agonia que durou 21 anos seguidos. Hoje, essa mesma elite usou a Constituição e pretextos jurídicos para golpear não as instituições, mas cassar o mandado de uma presidente democraticamente eleita dois anos antes com 54 milhões de votos. A atual elite não é muito diferente daquela: num ato de pura vingança, os perdedores das últimas eleições presidenciais juntaram-se de forma vergonhosa a notórios corruptos para tentar barrar todas as investigações da Operação Lava Jato.
Vivi os dois momentos, infelizmente. No primeiro, não tinha discernimento para entender as atitudes insanas dos golpistas. Na escuridão, o medo e a incerteza se seguiram. No segundo, misturei ao mesmo tempo uma estranha sensação de tristeza e de alegria. Tristeza, por ter que presenciar, numa democracia, golpistas se articulando para tomar o poder “de qualquer jeito”. Alegria, por ver um partido político que era a única esperança nacional, virar pó diante de sua fanática militância. O PT, Partido dos Trabalhadores, cavou sua sepultura ao se aliar covardemente à elite que tanto criticava apenas para chegar ao Planalto. O seu insano projeto de poder ajudou-o a ser devorado pela mesma elite. Pior: os petistas não aprenderam com a traição. Nas eleições deste ano ainda estão coligados com os “golpistas” em pelo menos 1683 municípios brasileiros.
Mas engana-se quem pensa que a ex-presidente Dilma Rousseff foi cassada. Quem foi cassado foi apenas o seu mandato. Como ex-presidente, ela continuará com muitos privilégios. E se quiser, pode até concorrer nas atuais eleições municipais já que, numa manobra tipicamente brasileira e totalmente fora da Constituição, não perdeu os direitos políticos. Num gesto de pena, já que a mandatária não cometeu crime algum, a sua inabilitação política foi “esquecida” pelos golpistas. E como quem não comete crime não deve ser condenado, configura-se aí o golpe que querem negar. Se esse impeachment tivesse sido algo realmente sério, a Constituição Federal deveria ter sido cumprida à risca. Já pensou se ela quiser concorrer pelo PT à prefeitura de Porto Velho, a capital de Roraima? E ela pode, já que aqui todos os acrianos votariam em peso nela.
E Dilma, a guerreira incansável do povo brasileiro, não se fez de rogada nem se deu por vencida, ainda. “Eles pensam que nos venceram. Haverá contra eles a mais determinada oposição que um governo golpista pode sofrer. Essa história não acaba assim. Nós voltaremos”, afirmou convicta, logo após o festivo processo. Depois dessa jabuticaba política o que devo dizer futuramente a meus netos? Simples: direi que não compactuei com a farsa e que fiquei sempre ao lado da democracia, por quem temi e ainda temo, pois não se sabe o que vem pela frente. Um pacote de maldades como vingança? Ou devo dizer que “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”? Como meus netinhos vão entender que apenas 61 pessoas puderam decidir e mudar o que mais de 54 milhões determinaram antes? Melhor: direi que tive a certeza de que a nossa bandeira não seria mais vermelha. Eles, como os reacionários, ficarão felizes.
*É Professor em Porto Velho.
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