A “outra” Revolução dos Bichos
Professor
Nazareno*
Muito diferente
da verdadeira crônica de George Orwell, havia uma pequena granja situada no
interior de um grande país da América do Sul que no início dos anos oitenta do
século passado queria também se separar para tocar seu destino como Estado
autônomo, mas dependente. Seria “a nova
estrela no azul da União”, como diziam pomposamente as propagandas oficiais
da época. O engraçado é que as próprias autoridades federais não só queriam
como também incentivavam aquela “secessão
branca” com o sórdido objetivo de ganhar no tapetão e sem muito esforço mais
três senadores da República e uma penca de deputados federais para dar mais
folego ao decadente partido político dos generais. E assim foi feito:
despacharam para lá um coronel de pouca expressão que se encarregaria de
arrumar o sítio para o incerto futuro.
Sem nenhum bicho local que tivesse
competência suficiente para tocar os destinos da nova fazenda, o militar trouxe
uma séquito de fora para ajudar na administração. Este ato criou uma espécie de
ritual cultural que é seguido até hoje: não há um governador ou prefeito da
capital da granja que não traga o seu staff. Talvez por serem muito
incompetentes, os bichos locais são indicados apenas para cargos nos segundos e
terceiros escalões ou então se contentam em ser funcionários comissionados. A
nova granja não tinha muitos bichos e os nativos além de broncos não formavam
uma grande população. Era preciso povoar o lugar e para isso abriram-se as
fronteiras e para lá despacharam levas e mais levas de desempregados e
excluídos das outras fazendas do país. A mecanização da agricultura no Sul
contribuiu para aumentar a diáspora de então.
Aos trancos e barrancos a nova roça começou
a funcionar. Mas ali tudo era precário e funcionava de forma improvisada. Para
acomodar tantos bichos, a natureza foi devastada sem dó nem piedade provocando
dessa maneira um dos maiores desastres ambientais de toda a região. Mesmo
admitindo a dificuldade para administrar o lugar, o coronel-governador
conclamava aos quatro cantos para todos os cidadãos do país ir morar na chácara.
Progresso nunca teve, apenas “um bicho,
sua mulher, cinco ou seis filhos, um cachorro e um saco de panelas”. Esse
era o investimento inicial por ali. Nenhum dos governadores, no entanto,
conseguiu governar bem. Os senadores nada fizeram também. Os deputados federais
se envolveram em escândalos políticos e maracutaias e os estaduais se danaram a
roubar e explorar sem tréguas os outros bichos.
A triste sina da granja continuou,
infelizmente. O resto do país a tem hoje como um puteiro de quinta categoria, continua
a explorá-la sem tréguas e quase nada dá em troca. Levaram-lhe a energia boa e
barata e usam seu meio ambiente para produzir carne bovina e outros produtos
agropecuários. Os voos para lá são os mais caros e escassos. Na fazendola não
tem indústrias, não tem mão-de-obra de qualidade, não tem serviços nem medicina
“razoável” e muito menos IDH. Os
políticos locais fazem a festa em cima dos ignorantes bichos, pois desviam na
maior cara de pau todo o dinheiro público, mentem, constroem ponte escura sem ter
estrada, criam curso de Medicina sem hospital universitário, fazem intermináveis
viadutos tortos e íngremes, deixam cidades escuras feito breu, enganam a todos nas
campanhas políticas e sempre são reeleitos. A granja descrita por Orwell já
teve o seu fim. A nossa insiste em continuar existindo. Para quê?
*É
Professor em Porto Velho.
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