Porto Velho: favela de 103 anos
Professor Nazareno*
Porto Velho, a esquecida e abandonada favela, está
aniversariando. Com todo o respeito às favelas, completamos 103 anos. “A velha e doente prostituta continua sendo
estuprada e ainda tem que pagar pelo preservativo”. Sem nunca ter sabido ao
certo a origem do seu esquisito nome, a cidade acumula neste século de infeliz
existência uma série de características bastante peculiares no país e que para
nada servem: tem a maior área territorial dentre as capitais brasileiras
superando países como a Bélgica, Israel e Eslovênia. É a mais populosa cidade
fronteiriça nacional com pouco mais de 500 mil habitantes e é a única capital que
faz fronteira com o exterior. Maior município do oeste brasileiro tem o título
de cidade onde mais se morre por raios. Como se vê, até a fúria da natureza
manda suas descargas para cima do lugar como se aqui fosse amaldiçoado.
E a cidade é amaldiçoada mesmo, pois em todo este tempo
de desventuras, nunca teve um único filho a lhe administrar. Parece uma praga,
pois todos os seus prefeitos foram importados e que nunca demonstraram amor ao
torrão alheio e distante. Até o atual prefeito, que é de Pernambuco, trabalhou
apenas seis meses, tirou férias e foi visitar Disney e Paris em vez de ir a
Calama, Abunã, Bandeirantes ou outros distritos mais necessitados. A coisa está
tão deprimente por aqui que o porto no rio Madeira, que dá nome à capital, é
hoje um barranco escorregadio, escuro, sujo e íngreme como que sugerindo uma
infeliz semelhança com a maltratada urbe. Enfim, um porto muito velho mesmo.
Triste ironia: hoje os mais ardorosos defensores daqui moram fora e de lá
mandam “loas” dizendo hipocritamente
que amam o que já há tempos abandonaram.
Com menos de 3% de rede de esgotos e só com 31% de água
tratada, no verão a fumaça das criminosas queimadas dá o tom todo ano ao visual
urbano. Desflorestada e sem nenhum planejamento, a capital mais suja do Brasil
é cortada por antigos igarapés que já viraram esgotos pútridos escorrendo a céu
aberto. Sem porto, sem rodoviária decente e com um aeroporto que quase não tem
voos, Porto Velho está repleta de obras eleitoreiras inacabadas. Talvez por
isso, muitos forâneos que para cá vêm, sempre voltam ao seu lugar de origem
para acompanhar o nascimento de seus filhos ou para celebrar o casamento sempre
longe daqui, que escolheram para ganhar dinheiro. Férias de fim de ano? A cidade
se esvazia para lotar as praias do Nordeste e também o centro-sul do país,
mesmo tendo as passagens aéreas mais caras do que qualquer outro lugar.
Em 2009 a jornalista Eliane Brum da revista Época
escreveu que “Porto Velho é uma cidade
que não é daqui”. Nem daqui nem de nenhum outro lugar. Hoje ela não
reconheceria mais a currutela fedorenta. Está muito pior do que antes e a cada
ano que passa a situação só piora. “Diferente
de outras capitais amazônicas, quase não se veem índios. Praças e espaços públicos
são escassos, as calçadas são desiguais e pontuadas por lixo. A atmosfera é
pesada e triste. Não parece um lugar para pessoas. Ou pelo menos para exercer a
cidadania. Assemelha-se a uma cidade de passagem”, escreveu Eliane. A “antessala do inferno” ainda precisa
melhorar e muito para ficar ruim. Escura, apesar das três hidrelétricas,
violenta, sem mobilidade urbana, suja e sem árvores lembra uma terra arrasada. Para
se amar Porto Velho tem que ser cego ou então não ter senso crítico. Quase sem infraestrutura,
o lodaçal é sua marca maior. Até quando, Deus?
*É
Professor em Porto Velho.
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