Punido
por falar verdades
Professor
Nazareno*
Um
inusitado crime aconteceu em uma fazenda de Sapezal, cidade localizada a 480
quilômetros de Cuiabá no Mato Grosso. Um rapaz, provavelmente rondoniense, foi
esfaqueado pelos amigos por que estaria falando mal de Rondônia. Não há
detalhes desse absurdo caso de xenofobia às avessas, mas certamente nada
justificaria tamanha violência e crueldade. E até por que a vítima não estava
falando mal de Rondônia, lugar de origem de todos eles. Talvez estivesse até reclamando,
e com alguma razão, que o Estado “mais a oeste” é tão rico e tem no agronegócio
a sua base econômica, mas mesmo assim eles estavam trabalhando em outro Estado.
Devia ter falado também da origem de Rondônia e do grande desastre ambiental,
que desmatou grande parte da floresta amazônica, para abrir a BR-364 e até hoje
não produzir riquezas suficientes para matar a fome dos pobres.
Deve
ter falado também que a sua terra natal é quase toda da direita e da
extrema-direita bolsonarista, apesar da fome e da miséria que existem no
Estado. “São mais de 18 milhões só de cabeças de gado, mano!”. “E por
que há tanta fome e tanta gente pobre?”. Provavelmente a vítima falou, e
não muito bem, da Assembleia Legislativa do seu Estado e também da Câmara de
Vereadores de Porto Velho. “Como pode dos 21 vereadores, todos serem a favor
do prefeito da cidade? Que putaria é essa?”, pode ter questionado. “Rondônia
tem muito político ladrão. Uns até são filmados contando dinheiro em sacos de
lixo de plástico e mesmo assim são eleitos e reeleitos sem nenhum problema”,
observou. “E eles gostam também de aumentar os impostos dos pobres e
miseráveis”. Se falou da corrupção, pode ter despertado a ira de seus
colegas de trabalho. Isso é perigoso.
Tomara
que este pobre rapaz não tenha falado nada sobre a insólita Porto Velho,
capital de Roraima. Já pensou que raiva ele não iria despertar nos rondonienses
e também nos “rondonienses de coração?”. Uma cidade porca, imunda, podre,
suja, fedorenta, mal planejada, feia, malcheirosa, quente, sem árvores, largada,
longe, abandonada, xexelenta, sem esgotos, sem água tratada, sem planejamento
urbano, violenta, repleta de favelas, sem mobilidade urbana, sebosa, dentre
outros adjetivos nada abonadores não pode mesmo ter elogios de ninguém. Ainda
assim, muitos otários elogiam a “capital dos destemidos pioneiros” e por
isso deram uma facada no pobre rapaz. Espero que o infeliz trabalhador
esfaqueado não tenha falado da rua torta nem da nova rodoviária enviesada e
horrorosa que estão construindo para ser inaugurada durante as eleições do
próximo ano. Um horror.
Será
que ele falou do “açougue” João Paulo Segundo e do novo HEURO, “Build
to Suit”, do governo do Estado? Se fez isso, livrou-se de ter levado um
tiro de bazuca ou até mesmo de canhão. Muitos dos pobres de Rondônia não gostam
de ouvir essas coisas. Já levar uma facada por falar as verdades sobre a Zona
Leste da cidade de Porto Velho pode não ser um ato raro nestes dias tensos...
Porém, um assunto tabu mesmo é a possível recuperação da BR-319 ligando Porto
Velho ao Careiro, próximo a Manaus. Se ele disse que essa desnecessária estrada
será o fim de toda a Amazônia, “cutucou a onça com vara curta”. Dizer
que a 319 vai trazer a miséria, o garimpo ilegal, o desmatamento, as invasões de
terras é autodestruição. Falar sobre a ponte do suicídio seria “chover no
molhado”. E se ele falou da UNIR, uma universidade sem hospital
universitário? Vamos torcer pela recuperação deste cidadão. E eu? Será que eu
já me livrei de algumas facadas?
*Foi Professor em Porto
Velho.
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