“Secretaria das
Porongas”
Professor Nazareno*
Ainôdnor é uma
aldeia indígena muito grande. Muito maior até do que a nação Ianomâmi
localizada entre os Estados de Roraima e Amazonas. No tempo cronológico, esta
simpática comunidade indígena ainda está na Idade Média, embora muitos
antropólogos e estudiosos afirmem que há vestígios fortes de que os “ainôdnor”
vivem na Idade da Pedra ou dos Metais. Povo atrasado, rústico, selvagem e quase
sem nenhum acesso à tecnologia, esses descendentes diretos dos homens das
cavernas desenvolveram uma maneira bastante peculiar para tocar as suas vidas.
Todos os índios que governam ou já governaram a nação e que também participam
da política, por exemplo, são de fora. Nunca um filho da terra teve o
privilégio de governar o seu povo. Afirma-se que isto é um dado cultural no DNA
dessa gente: “tudo aos forasteiros, nada aos nativos”.
Mas a nação ainôdnor até que é
organizada politicamente: tem pelo menos 52 tribos. Todas administradas por um
cacique que é assessorado por muitos índios de menor poder político. E por
incrível que pareça em cada uma dessas comunidades existem os três poderes,
como numa sociedade ou numa “democracia civilizada”. Por isso que se
fala abertamente que em todas essas tribos há muitos caciques para pouco índio.
Desabitada, inóspita e ainda selvagem, a sociedade desses silvícolas não tem a
sua disposição todos os aparatos tecnológicos como se verifica em outros
lugares ermos do mundo. O sistema de locomoção, como é chamado o setor de
transporte público, é precaríssimo. Os aldeões mais antigos já pensaram em
reimplantar o sistema de cipós. Na parte da iluminação pública, criou-se recentemente
a Secretaria das Porongas.
Poronga é aquele tipo de lanterna rústica
colocada na cabeça, que os seringueiros usavam na mata. Um grande avanço tecnológico
para quem sempre está na escuridão. Essa inusitada secretaria vai doar para
cada índio da localidade uma dessas novidades tecnológicas, visto que o sistema
de iluminação dos brancos não está funcionado adequadamente. O problema é que em
Ainôdnor até que existe produção farta de energia elétrica, mas é preciso
abastecer outros centros mais desenvolvidos de tribos externas e, além disso,
as tradições culturais desse povo devem ser preservadas: “tudo para quem é
de fora”. Os índios que representam os interesses locais e também os que
governam os brutos nativos fingem estar preocupados com a escuridão. Dizem que
vão tomar providência e coisa e tal. Tudo encenação, claro. O atraso sempre foi
bem-vindo.
Além disso, o povo de Ainôdnor é
hipócrita ao extremo, pois diz odiar a corrupção e a roubalheira, mas nas
eleições elege quase sempre os candidatos mais ladrões e canalhas. O sistema de
saúde “ainodrense”, claro, também é precaríssimo. Pajés e rezadeiras sempre
têm serviço. Obras públicas existem muitas, mas só servem para desviar dinheiro
do Erário, eleger outros caciques, e mostrar a incompetência dos homens
públicos. Dizem que é por isso mesmo que quase todas estão inacabadas e
totalmente abandonadas. Espelhos, miçangas e quinquilharias sempre foram
produtos bem aceitos na aldeia. Fala-se que rádio amador, giletes, lamparinas,
carros de mão, baldes, facões, armadores de rede e fogões a lenha são os bens
duráveis mais vendidos nas precárias tabernas locais. E como os nativos adoram
incendiar suas matas, vão criar uma forma de não produzirem mais fumaça. Quem
não gostaria de morar em Ainôdnor?
*É Professor em Porto Velho.
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