Delírios
em uma cidade perfeita
Professor
Nazareno*
São exatamente sete horas da manhã.
Levanto-me, rapidamente me arrumo, desperto minha esposa e acordo o meu filho pequeno
para momentos depois levá-lo até a parada do ônibus escolar que passa todos os dias
pontualmente às 7 horas e 16 minutos. Não faz muito frio e o dia amanheceu
quase meia hora antes. Pelo caminho, cumprimento algumas pessoas conhecidas e
enquanto o pontual transporte escolar não chega aproveito para colocar as
conversas em dia. Falamos sobre várias coisas, mas principalmente comentamos
sobre a alegria e a felicidade que temos por morar num país tão maravilhoso
como este, viver em um Estado extremamente comprometido com as futuras gerações
e habitarmos uma cidade feita sob medida para nós, trabalhadores e pagadores de
impostos. Aqui não é o melhor lugar do mundo, mas quase tudo funciona.
Meu filho passa o dia inteiro estudando
em uma escola do município, que é de tempo integral, assim como todas as outras
escolas públicas desse país. Lá, ele tem três refeições diárias, transporte,
hora de descanso em alojamentos extremamente asseados, atendimento médico e
odontológico, além, é claro, de aulas teóricas e práticas. Isso sem falar nas
atividades semanais de futebol, natação e atletismo. O meu local de trabalho
não fica muito longe da minha residência e por isso vou de transporte coletivo
mesmo. A cada 10 ou 20 minutos, dependendo do dia, o ônibus chega pontualmente
à parada próxima a minha casa. Limpo, cheiroso e perfumado o “meu coletivo”
passa diariamente em frente à Câmara Municipal e também pela Assembleia
Legislativa. Em sinal de respeito, os passageiros se levantam para homenagear
os probos homens públicos dali.
Aqui existe uma verdadeira adoração pelas
autoridades constituídas e há uma confiança generalizada no Poder Público. A
corrupção é muito próxima de zero assim como o índice de analfabetismo. A lei é
quase sempre aplicada para todos e a Justiça do país sempre funcionou sem levar
em consideração a conta bancária de ninguém. A violência é quase inexistente,
não temos inflação, o desemprego é baixo e os problemas sociais são mínimos. As
ruas de todas as grandes e pequenas cidades do país são limpas e higiênicas, em
muitas delas há projetos urbanísticos reconhecidos mundialmente além de uma excelente
mobilidade urbana em todas elas, o lixo é todo reciclado, as estradas estão em
perfeito estado de conservação e cada cidadão nascido aqui tem direito à
assistência médica de qualidade e, apesar de tudo, ainda a uma boa
aposentadoria.
Apesar de ter um IDH relativamente alto,
nesse país ainda há muitos problemas para serem resolvidos. Mas a consciência
coletiva que sempre imperou nesta sociedade certamente resolverá todos os
obstáculos. O individualismo arrogante e o “jeitinho abjeto” são
definitivamente lembranças de um passado distante. Este ano teremos eleições e
mesmo o voto não sendo obrigatório acredita-se que haverá um alto número de
eleitores escolhendo civicamente os seus representantes. Uma tarefa muito
difícil a de colocar a pessoa certa e no lugar certo para exercer a função
adequada no meio de tantos candidatos bons, qualificados e comprometidos com o
bem-estar da população. Eleições limpas, tranquilas e sem perigo de se eleger
pessoas erradas, desonestas ou que devam alguma coisa à Justiça. Assim é o meu
país, meu Estado e minha cidade. E não é sonho nem delírios. Estou morando há
quatro meses em Munique, Baviera-Alemanha.
*É
Professor em Porto Velho.
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