Um povo sem
História
Professor
Nazareno*
Desde a Idade da
Pedra que os povos espalhados pelo mundo têm a sua História e o seu registro.
Todos os países conhecidos, todas as comunidades, Estados, cidades, regiões, bairros,
ruas, vilas e aldeias, enfim, todo aglomerado humano tem preservada a sua
memória. Rondônia é um dos 26 Estados que compõem o Brasil, mas este Estado não
tem História. A Construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré no início do
século XX ligada ao Tratado de Ayacucho e ao Primeiro Ciclo da Borracha devia
ser o marco inicial do que hoje é esta sofrível e esquecida unidade da
federação. E de fato, é. Porém os quase dois milhões de habitantes daqui
simplesmente desconhecem isto. Não só desconhecem sua própria biografia como de
um modo geral participam ativamente da destruição do que restou do patrimônio
histórico da velha e abandonada estrada de ferro.
Sob o olhar complacente e cúmplice
da população e também das autoridades rondonienses, a “Ferrovia do Diabo” deixou de existir já há um bom tempo. Do trajeto
original de mais de 320 quilômetros entre Guajará-mirim e as Cachoeiras do
Santo Antônio no rio Madeira praticamente não existe mais nada. Dos sete
últimos quilômetros entre a hidrelétrica de Santo Antônio e Porto Velho, que
resistiram um pouco mais no tempo, só restam lembranças amargas, matagal,
ferros retorcidos, dormentes apodrecidos e muito abandono. Quase impossível
caminhar ali sem ser ferrado por um bicho peçonhento ou picado por um inseto. O
cemitério de locomotivas largado e apodrecendo solenemente dentro daquele
matagal faz qualquer um que entenda um pouco de história chorar de tristeza. A
“mãe de Rondônia” agoniza ao léu.
Os rondonienses conseguiram em menos
de cem anos destruir por completo um patrimônio histórico de grande valor para
a humanidade. Nos países europeus, por exemplo, há História por onde se ande.
Não é difícil ver relíquias arquitetônicas datadas de séculos, milênios. Isso
depois de duas grandes guerras mundiais e de várias revoluções que varreram as
cidades do Velho Continente. Nenhuma guerra aconteceu no solo da velha EFMM.
Seus trilhos foram arrancados e hoje servem de proteção a muitas casas. A sua
praça é hoje um dos maiores “santuários”
de fezes humanas que existem na capital de Rondônia. Os rondonienses parecem
odiar aquele espaço urbano: em toda festa e confraternização que se faz ali
muitas garrafas pet, lixo, merda, papel e toda sorte de imundície são largados.
Drogas e preservativos usados é o que mais se vê.
Muita gente hoje, infelizmente, não
quer saber de nenhum patrimônio histórico ou arquitetônico. Para muitos só
interessa o dinheiro e nada mais. Durante a enchente histórica em 2014, as
águas barrentas do rio Madeira avançaram lentamente sobre o que restava das carcaças
enferrujadas da velha ferrovia. Como ninguém fez nada, o velho Madeira veio,
veio, veio e parece que “se vingou”
da arrogância, da falta de interesse histórico e da passividade mórbida dos
rondonienses. Lama podre, peixes mortos, peças encharcadas, trens alagados e galpões
danificados foi o resultado do desinteresse. O que ainda restava de História
foi levado para o fundo do rio. Rondônia hoje não tem mais registro. É como se
o lugar não existisse. O pouco que se sabe é contado por meio de relatos orais
dos mais velhos aos mais novos. Aqui é como se fosse uma grande aldeia
indígena. E quando caírem as Três Caixas d’Água, Rondônia desaparecerá para
sempre.
*É
Professor em Porto Velho.
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