Sonhei
morando no Inferno
Professor Nazareno*
“Esta noite
eu tive um sonho de sonhador”. Maluco também que eu sou, não sonhei que a
terra tinha parado como na música de Raul Seixas. Sonhei que estava morando no
Inferno. Isso mesmo: na residência do Tinhoso. E fiquei espantando com tudo o
que vi na casa do Capeta. Não esperava ter encontrado nada do que encontrei. A
começar pela temperatura daquele lugar. “Mil graus à sombra” era o que
se dizia. Um calor infernal, no bom sentido da palavra. Tudo mentira. A
temperatura no Inferno, pelo que pude observar, mal chega aos quarenta graus.
Claro que a umidade relativa do ar incomoda um pouco, pois é muito alta. Frio
não existe. Pelo menos aquele frio de nevar ou gear é impossível. De vez em
quando, no entanto, sopra não se sabe de onde, uma brisa gostosa. Os habitantes
ficam todos eufóricos, já que isto não é nada comum ali.
Por ser um lugar muito (mal) falado,
pensei que encontraria lá coisas estranhas e demoníacas. Engano meu. O Inferno,
por incrível que pareça, é um lugar bom. O Satanás-mor, dirigente maior de
todas as dependências dali, é quem dá as cartas, claro. Mas é muito difícil
vê-lo entre os seus. E também entre os meus, os nossos e os vossos. Parece ser
uma criatura muito ocupada. E não é para menos: todo dia tem festa no “braseiro”.
Tem personalidades de todos os tipos como cantores, médicos, coreógrafos, poetas,
dramaturgos e alunos. Muitos alunos mesmo, principalmente os que não leem. Vi
também algumas “piriguetes” e “emos” nas festas, mas nada que se
possa generalizar, é verdade. Tudo muito bem organizado. E mesmo sendo o
Inferno não se pode comparar com certos lugares que mais se parecem com “cabarés
sem a madame”.
Não vou lhes enganar, mas pensei que
encontraria lá muitos pastores, padres, freiras, bispos, papas e outros
religiosos chatos. Engano de novo: não encontrei um só. Acho que todos estão no
Céu. Ninguém vê ali os papa-hóstias e também aqueles pregadores bíblicos.
Parece que nunca deram as caras no “mármore quente”. Pudera: naquelas
trevas não existe a Parada do Orgulho Gay nem a Marcha para Jesus. Então deve
ser por isso que o Capiroto não quer a presença desse pessoal por lá. Mas
lembro-me bem de que estavam organizando uma tal de “Marcha para os Ateus”
e também uma “Parada do Orgulho Hetero”. Dizem à meia boca que as ruas
do Purgatório se encherão de gente nestes eventos. Preocupado, procurei
desesperado por um grande amigo meu que tinha a certeza de que estava lá. Era o
poeta Carlos Moreira. Decepção: não estava.
Os leitores estão pensando que
muitos dos políticos brasileiros vão para as profundezas. Outro engano: não se
vê nenhum deles ali. Deve ser por que ajudam muito o sofrido povo e por isso o
Diabo se compadece com a “boa atitude”. Fiquei surpreso, já que não vi
nenhum político de Rondônia como porteiro do Cão. Vi muitos escritórios vazios
de personalidades como Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá, Nelson
Mandela, Da Vinci, Michelangelo, Nietzsche, Mahatma Gandhi e até de Shakespeare
e Sartre. Machado de Assis, Fernando Pessoa e Euclides da Cunha, já estiveram
naquele lugar sinistro. Percebe-se isto pela grafia de algumas palavras
escritas em Português, a língua dos infernos. Toda semana o “chefe-mor”
dali recebe um emissário do Céu. Eles conversam muito sobre todos os assuntos.
Inferno, um lugar até bem frequentado com sua ponte escura e também com
alguns de seus viadutos inacabados. Será coincidência?
*É Professor em
Porto Velho.
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