Dilemas culturais de Otrop Ohlev
Professor Nazareno*
Otrop Ohlev é uma paradisíaca cidade
localizada nos confins do Cazaquistão, uma antiga república soviética da Ásia
Central. Seus habitantes, quase meio milhão de pessoas, por não terem muito
nível de escolaridade, sempre viveram de fantasias e ilusões. E quase todos
eles adoram fazer juras de amor à cidade, apesar das muitas dificuldades e
esquisitices do lugar. Para começo de conversa, em Otrop Ohlev não existe tipo
nenhum de cultura. Tudo é (mal) copiado de outros lugares do país. Movimentos
autóctones são quase inexistentes. Muitas pessoas letradas afirmam que se existisse
cultura entre aquela gente, esta seria incrivelmente inferior às demais. O
problema é que as datas das poucas e raras atividades culturais são todas
trocadas como se os “otropolhevenses” não seguissem o calendário
cristão, tão comum no Ocidente.
Em quase todas as cidades e aldeias
cazaques existe festa de santo padroeiro, uma tradição cristã seguida
religiosamente em todo o país e até no exterior. Mas contrariando a tradição
nacional, Otrop Ohlev tem o padroeiro, mas não a festa. Pelo menos ninguém vivo
se lembra deste sinistro evento. Por incrível que pareça e apesar deste país
asiático ficar muito longe do Brasil, lá eles sempre gostaram do carnaval, que
é festejado, como por aqui, no mês de fevereiro. No segundo mês do ano somente
nas cidades grandes, civilizadas e mais desenvolvidas, porque em Otrop Ohlev a
“festa de momo” é comemorada solenemente em julho. Muitas pessoas reclamaram
da infeliz data por causa da Copa do Mundo de futebol. Porém, “como este esporte não é popular na província, não fará nenhuma diferença”, alertaram as
sábias autoridades locais.
Outra tradição cultural do Cazaquistão,
muito parecida com as nossas, são as tradicionais festas juninas. Gigantescos arraiais
sempre foram montados e organizados para vender todo tipo de gororoba para os
incautos. Mesmo no meio da lama, da sujeira e da imundície, estas festas sempre
fizeram um sucesso incrível entre os moradores. Só que nesta cidade, esses
arraiais não têm lugar nem data definida para acontecer e as autoridades e
representantes culturais também nunca se interessaram pelo fato. Em qualquer
beira de rua ou biboca, as quadrilhas, formadas às pressas e de todo jeito, dançam
seus ritmos matutos e ridículos. Embora muitas pessoas afirmem categoricamente que
tais ajuntamentos populares fazem parte da cultura local, este ano, para manter
a "tradição de esculhambação", haverá a festa, só que no mês de agosto.
Muitas autoridades de Otrop Ohlev são
acusadas de não se preocuparem com a cultura que dizem existir no lugar. O famoso
lago Zaysan, também conhecido como Oir Ariedam e que banha a cidade, durante a
última enchente histórica cobriu de lama, tapurus, restos de animais mortos e
imundícies toda a área do museu “otropolhevense”. Isso aos poucos e
lentamente e bem na frente das inoperantes e inúteis autoridades da cultura
local. Do jeito que as datas são trocadas nesta atrasada província cazaque, há
quem acredite que o próximo ano novo será festejado no mês de abril ou maio.
Ninguém notaria a diferença. O Natal, data maior da cristandade, terá sua festa
rifada para qualquer dia do ano. Muitos juram que nesta terra bisonha, a Semana
Santa já foi comemorada em maio, junho e até julho. Como esperar organização de
um lugar cujos habitantes constroem pontes e viadutos sem nenhuma serventia?
Prefiro morar em Porto Velho mesmo. Aqui pelo menos as autoridades se preocupam
com a cultura. E muito.
*É
Professor em Porto Velho.
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