O dia em que Porto Velho parou
Professor Nazareno*
Escuras nuvens de temporal
ameaçam esta sinistra e estranha cidade. E ainda não é a tão propalada chuva
de merda que todos os moradores daqui esperam há décadas. É que mesmo
sem chover fezes humanas, a vida por aqui sempre foi regada a bosta. Esgotos
escorrendo a céu aberto, falta de água tratada e de saneamento básico, ausência
total de arborização, alagamentos quase diários, poços de água potável ao lado
de fossas sépticas e muitos ratos e urubus fazendo parte da rotina diária na
pior dentre as capitais do país para se viver é o dia a dia e a rotina de nós,
infelizes moradores. Parece que as nuvens carrancudas, como num passe de
mágica, fizeram a cidade parar totalmente por um dia inteiro como na música de Raul Seixas. Os poderes constituídos da cidade pararam de funcionar e assim a
felicidade era geral entre todos os habitantes dessa imunda capital.
As corriqueiras alagações deixaram de existir, apesar da ameaça constante das chuvas torrenciais. O atual e alegre “prefeito Tik Tok”, em uma das suas muitas aparições na internet, prometeu acabar com o sofrimento dos pagadores de IPTU. E tudo era só promessa de político. E mesmo sem ter acesso à água tratada, à mobilidade urbana, esgotos e IDH, os moradores agradeceram e ficaram muito felizes. Os vereadores da cidade deixaram de fazer as “rachadinhas” e naquele insólito dia resolveram todos eles trabalhar de verdade em benefício da população carente. Neste dia, os rondonienses resolveram votar na esquerda, mas sem deixar de serem da direita e da extrema-direita, pois Rondônia e Porto Velho são do agronegócio e das igrejas evangélicas. Então como se justificar que ainda tenha voto ou mesmo até algum eleitor na esquerda? É tudo surreal!
Com a suja cidade totalmente
parada, muitas coisas estranhas foram vistas pela população incrédula.
Autoridades locais começaram a procurar o “açougue” João
Paulo Segundo para poder curar suas muitas doenças. Desembargadores, juízes,
deputados estaduais, deputados federais, senadores, o prefeito, os vereadores e
até o governador do rincão foram vistos numa fila procurando médicos lá pela
zona sul da cidade. Os urubus do Cai N'água faziam voos rasantes em volta não
dos muitos esgotos a céu aberto do lugar, mas sobre os prédios do C.P.A., da Assembleia Legislativa e também da Câmara de Vereadores. Jornalistas
experientes escreviam textos progressistas conclamando todos a votar só em
candidatos de esquerda para tentar mudar a triste situação de servidão e de subserviência
em que se vive aqui. E o povão organizado gritava e protestava nas
ruas!
“Queremos mais árvores”,
era o coro que mais se ouvia. “Queremos mais mobilidade
urbana”. “Só vamos
participar da Banda do vai Quem Quer e do Arraial
Flor do Maracujá se atenderem às nossas reivindicações”, era o
mantra! Mas também havia algumas pessoas gritando que precisavam de um bom e
novo hospital de pronto-socorro no Orgulho do Madeira. Neste insólito dia,
ninguém prometia construir hospital Built to Suit, pois promessas
agora só no próximo ano. E para a alegria de todos, em Porto Velho crianças
patinam no gelo depois de escapar das enchentes urbanas causadas pelas fortes
chuvas. E tome-lhe WhatsApp! Na cidade parada, a fétida classe
política ri enquanto vêm aumentos de energia e no acanhado campo de pouso os
voos ficam mais raros e mais caros. E a briga direita X esquerda continua
enganando os trouxas eleitores. “Deixem esse hospital público e voltem
aos seus bons planos de saúde”. Diremos amém?
*Foi Professor em
Porto Velho.

Nenhum comentário:
Postar um comentário